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OPINIÃO: O 'incidente' de 80 tiros eo fim da participação social

Vai muito além de qualquer terminologia a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos, na tarde de 7 de abril, em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro. O carro que ele conduzia, com a família a bordo, foi metralhado por 80 tiros disparados por 10 militares do Exército. A justificativa dos atiradores foi simples: o veículo fora supostamente confundido com um automóvel em que estariam criminosos. Evaldo, um negro de 51 anos, morreu na hora e duas pessoas ficaram feridas.

Para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, "foi um incidente bastante trágico. Lamentavelmente, esses fatos podem acontecer. Não se espera, não se treina essas pessoas para que isso aconteça, mas, tendo acontecido, o que conta é o que as autoridades fazem a esse respeito". O presidente Jair Bolsonaro foi além e, somente no dia 12 abril, falou sobre o caso: "O Exército não matou, não. O Exército é do povo e não pode acusar o povo de ser assassino, não. Houve um incidente, uma morte."

Na realidade, o que houve foi um fuzilamento, uma execução sumária, e alguém deu a ordem para as dezenas de disparos simultâneos. Se fosse um grã-fino de Copacabana a vítima o caso já estaria resolvido. Mas foi um músico negro, que levava a família a um chá de bebê. Ele foi covardemente assassinado. A própria Empresa Brasil de Comunicação (EBC) censurou internamente o uso da palavra "fuzilamento" durante a cobertura do fato, algo que desagradou a muitos profissionais que atuam no grupo. Aliás, desde o começo do atual governo, isso não é novidade. A empresa já proibiu que funcionários utilizassem as palavras "golpe" e "ditadura" quando fossem se referir ao regime militar, que teve início em 1964.

Na ótica governamental, o Brasil tem passado por uma série de incidentes nestes quatro primeiros meses do ano. Menos mal que o horário de verão vai acabar, o marxismo cultural nas universidades vai ser atacado pelo Ministério da Educação, agora sob o comando do economista Abraham Weintraub, a "Nova Previdência" vem para pôr fim aos privilégios, a educação domiciliar ganha fôlego com novo projeto de lei enviado ao Congresso e o presidente Bolsonaro interveio, enfim, na Petrobras.

Se não bastasse tudo isso, Bolsonaro decretou o fim dos conselhos sociais que integravam a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), criados em 2014, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.  Pelo decreto, o presidente criou novas regras para a existência dos conselhos. Na prática, isso exclui a atuação de organizações como o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa  com  Deficiência  (Conade),  o  Conselho  Nacional  de  Combate  à  Discriminação  e  Promoção  dos  Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), o dos Direitos do Idoso (CNDI), o de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), o de Relações do Trabalho, o de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), a da Biodiversidade (Conabio), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) e o Conselho Nacional do Esporte (CNE), entre outros.

A sociedade civil fica, assim, alijada das discussões de causas que a afetam diretamente. O objetivo do governo é reduzir de 700 para 50 o número de colegiados que atuam na administração federal direta e indireta. Os órgãos têm prazo de 60 dias para justificar sua existência.

Platão já dizia que "o preço a pagar pela tua não participação  na  política  é  seres  governado  por  quem é inferior."

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