plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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Metatexto
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Eu nunca escrevi tanto quanto agora. Na verdade, acho que nunca escrevemos tanto. O contexto do isolamento social tornou grande parte das nossas relações mediadas pela tecnologia e, grande parte dessas, mediadas pela escrita. Assim, o que antes era uma conversa de corredor, virou um pequeno texto (ou um textão!) nas redes sociais. O assunto da hora do cafezinho, tornou-se um conjunto de emails que vão e vem, num pingue-pongue infinito. A efervescência de uma reunião familiar - cheia de falas sobrepostas, frases que se repetem sempre que a gente se encontra e risadas que a gente dá pelas memórias que compartilha - substituída por interações que combinam a escrita com recursos de áudio, vídeo, memes e figurinhas. Durante os meus exercícios de escrita e agora, no momento em que me preparo para lecionar, mais uma vez, a disciplina de Redação Publicitária, analiso a minha relação com as letras e com os papéis - ou telas - em branco.

FIO DA MEADA

Lembro que, durante meu doutorado, uma professora me criticou dizendo: quem lê teu texto não consegue imaginar quem o escreveu. Ela queria dizer que minha personalidade não estava inscrita no texto. Que era um texto afastado de mim. Embora eu tenha sentido o áspero daquelas palavras, eu precisava concordar. Aquele texto, ainda embrião de tese, poderia ter sido escrito por qualquer pessoa. Minha dificuldade em iniciar a pesquisa, se refletia em um texto sem personalidade, sem desejo. No livro "O prazer do texto", Barthes desafia: "o texto que o senhor me escreve tem de me dar prova de que ele me deseja". Durante o processo de escrita da tese, encontrei o fio da meada da pesquisa e também a mim mesma. Passei a desejar o meu texto e, ele, por sua vez, aprendeu a desejar quem o lesse. De lá para cá, eu já sou outra e meu texto também seria.

NOVELO

Ignácio de Loyola Brandão, na Cult, diz que "a única maneira de eu tirar as coisas de dentro é pôr num livro, botar no texto". Assim, escrita é, sobretudo, exercício, forma de aprimoramento, mas também, de organização das ideias. Ao tramar letras em palavras, palavras em frases, desembaraçamos os pensamentos. E como toda boa organização libera espaço, faz ventilar. Destralha, como dizem os minimalistas. Desenleia. Não é à toa que a palavra "texto" vem do latim texere, tecer. Transformar o velo em novelo. Desfazer os nós e fazer a trama. E o melhor: alinhar os pensamentos, não os consome, permite que outros surjam. Novinhos em folha. Mas agitados, bagunçados, brutos ainda, esperando para serem acomodados no próximo texto.  

Pelé
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Uma das coisas que mais me consola por ter 68 anos é tudo que vivi, sofri, ri; é tudo que eu vejo e penso: nossa, de novo? Muita coisa que para alguns é novidade, pra mim não passa de um "vale a pena ver de novo".

Essa semana, por exemplo, tivemos os 80 anos de Pelé e eu pensei: caramba, eu vi esse cara jogar. Não, não foi pelo Canal 100 no cinema, nem na televisão. Eu vi no Maracanã. Mesmo que não fosse contra o meu time, eu ia ao estádio. Aliás, ninguém ia ver dois times disputando o torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão. As pessoas iam ver o Pelé. O jogo era o de menos, importava o Pelé.

Ah, mas ele com aquela conversa de "salvem as criancinhas" não dá... Ah, mas ele não reconheceu a filha e, mesmo ela estando com câncer terminal, ele ignorou a filha e só mandou uma coroa quando ela morreu... Concordo plenamente, mas o caso aqui não é o pai nem o cidadão, é o jogador de futebol. Estou falando do sujeito dentro de um campo de futebol, das jogadas que ele fazia, dos gols que ele marcava. Era um tempo em que goleada era 4 X 0; o Santos levava quatro e fazia seis. Era uma aula...

EU VI O MILÉSIMO GOL

Eu vi o milésimo gol de Pelé no Andrada, coitado. 1969 entrou para a história do futebol mundial como a data do milésimo gol da carreira de Pelé. O jogo foi disputado no Maracanã, contra o Vasco, com vitória do Santos por 2 a 1, em uma partida pelo "Robertão". O Maracanã veio abaixo. Era mais que o time, era uma comemoração de um jogador brasileiro, o maior de todos os tempos. Meu pai dizia que Leônidas da Silva jogava mais, tem gente que prefere o Garrincha. Não vi Leônidas e só vi Garrincha acho que uma vez, ainda no Botafogo, mas aí é que está o melhor: vi Garrincha jogar contra Pelé num Botafogo X Santos, no Maracanã. Eu devia ter uns onze anos, se não me engano, e foi um dos jogos mais bonitos que já vi.

Só pra lembrar: Pelé era pobre, preto e de baixa escolaridade num país elitista, racista e excludente. Mesmo assim, foi eleito pela FIFA o maior jogador de futebol de todos os tempos, além de ter sido escolhido atleta do século 20. Tricampeão Mundial de Futebol, vencedor de três Copas do Mundo , 1958 na Suécia, 1962 no Chile e 1970 no México. No início de 1990, a ONU fez uma pesquisa para saber quais as palavras mais conhecidas do mundo e o resultado foi Pelé, Coca Cola e Papa.

É como dizia Johan Cruyff, ídolo da seleção da Holanda: "o Pelé foi o único jogador de futebol que superou as barreiras da lógica".

E eu concordo.




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