Certa ocasião, tive de me submeter ao exame de visão para renovação da carteira de motorista numa dessas autoescolas que prestam esse tipo de serviço. Após o último teste, o médico, um sujeito brincalhão, colocou um slide com os dizeres "não estou enxergando nada" e pediu para eu ler. Pego de surpresa, fiquei sem saber o que fazer. Diante da minha hesitação, ele soltou uma gargalhada e eu entendi que era uma brincadeira. Imagine, agora, que eu não estivesse enxergando mesmo. Solto pelas ruas, iria causar um caos no trânsito.
Substitua a frase do parágrafo anterior por "não entendo nada de economia", mencionada repetidamente por Bolsonaro. O presidente não entender nada desse assunto é uma tragédia para o país inteiro. Permitir que decisões sobre a economia sejam tomadas por um indivíduo despreparado é o mesmo que dar carteira de motorista a um cego. Pior ainda é transferir a responsabilidade para um terceiro, no caso para o ministro da Economia.Bolsonaro teve milhões de votos, o ministro Paulo Guedes nenhum. Mesmo assim, o último decide e o primeiro assina embaixo. Isso é o mesmo que emprestar o carro para um motorista sem carteira!
Bolsonaro se comporta como o suíço que passeava ereto entre dois exércitos no campo de batalha, recusando-se a se defender das balas porque seu país era neutro. Economia é um assunto chato, mas necessário. O que a economia nos lembra, no dia a dia, é que vivemos num mundo de escassez. A felicidade até existe, mas não está ao alcance de todos. Sem entender o modo de pensar dos economistas, como poderíamos saber se estão falando a verdade? Esse é o risco de "comer pela mão dos outros".
Tomemos como exemplo o caso do reajuste do preço do óleo diesel pela Petrobras. Como o ministro da Economia se encontrava no exterior, Bolsonaro resolveu simplesmente vetar o aumento sem medir as consequências. Decidiu com base na política, não na economia. O resultado não podia ser outro: as ações da Petrobras, que vinham se recuperando lentamente justamente por causa da estabilidade da política de preços da empresa, desabaram na Bolsa e a direção da empresa perdeu a credibilidade. Feito o estrago, ainda nos Estados Unidos, Paulo Guedes prometeu, através da imprensa, que, assim que retornasse, iria dar umas aulas de economia a Bolsonaro. E, assim, fomos dormir tranquilos naquela noite sabendo que o ministro da Economia zela pelo nosso sono!
De volta ao Brasil, Paulo Guedes deve ter dado um "puxão de orelhas" em Bolsonaro porque o reajuste do preço do diesel acabou sendo autorizado. Ligeiramente menor é verdade, para não parecer que o presidente não manda nada. Com isso, a "bomba relógio" da greve dos caminhoneiros continua ativada. Se o diesel sobe, o frete também deveria subir. Porém, como há menos fretes que caminhões, a tabela de fretes não está sendo cumprida.
A Petrobras se baseia no preço internacional do barril de petróleo para reajustar os combustíveis. Como importa derivados, se não repassar a alta do barril para o consumidor, toma prejuízo. O mesmo acontece se o dólar se valorizar frente ao real. Endividada, a empresa não pode segurar por muito tempo o reajuste do diesel. A menos que o Tesouro banque a diferença, como fez na última greve. Nesse caso, a sociedade é que paga a conta.