cidadania

'Se for preciso, vou lá e tapo de novo' diz morador autuado por tapar buraco em Santa Maria

Foto: Renan Mattos (Diário)
O biscateiro Luís Carlos Marafiga de Lima acabou autuado pela Guarda Municipal por tapar buraco na Rua Castro Alves

O papel de cidadão fez eco, no início deste ano, em Santa Maria em pelo menos três fatos, ocorridos recentemente na cidade. Com a disposição de reivindicar melhorias para sua comunidade e fiscalizar o uso dos recursos públicos, a população foi à luta. Cansados de conviverem com os transtornos dos alagamentos no Bairro Pinheiro Machado, moradores se mobilizaram e não descansaram enquanto a prefeitura não tomou providências. Na quarta-feira, a administração municipal anunciou a empresa que fará a obra, que deve iniciar ainda este mês. Já na histórica Rua Sete de Setembro, o inesperado fechamento da via, de uma hora para outra, mexeu com a comunidade, que protestou e chegou a impedir a passagem dos trens por mais de uma vez. Não vai desistir enquanto a rua não for reaberta.

PEDIDO DOS VIZINHOS
Mas o caso mais emblemático dessa participação do cidadão ocorreu, no sábado passado, quando o biscateiro Luís Carlos Marafiga de Lima utilizou entulho para tapar um buraco na Rua Castro Alves, Bairro Perpétuo Socorro, e acabou autuado pela Guarda Municipal. Os moradores se revoltaram com a situação e defenderam o trabalho de "Calunga", como ele é conhecido na região, já que ele é acostumado a auxiliar os vizinhos da redondeza. No caso do buraco, Lima diz que fez isso a pedido, justamente, dos moradores da rua.

- Se for preciso, eu vou lá e tapo de novo - afirma o biscateiro, que tem dificuldades para se expressar.

Morador é detido enquanto tapava buraco em rua de Santa Maria

Em nota, a prefeitura esclareceu que o morador se negou a se identificar aos agentes da Guarda Municipal e, caso tivesse informado o nome, "seria feito um boletim de atendimento e liberado". Porém, de acordo com Lima, ele, que mora num casebre, no Bairro Perpétuo Socorro, não possui identidade e os próprios vizinhos estariam o ajudando a fazer novos documentos, que teriam sido consumidos em um incêndio. Por causa da polêmica que envolveu o tapa-buraco, o morador acabou na Delegacia de Pronto-Atendimento (DPPA) onde prestou esclarecimento e foi liberado. Já o carrinho que chegou a ser confiscado pela Guarda foi devolvido.

O Estado Democrático de Direito Brasileiro é baseado na representatividade. A população, por meio do voto, escolhe seus representantes para trabalhar em prol dos anseios da sociedade. Porém, quando o poder público não encontra soluções para os problemas ou demora em resolvê-los, os cidadãos têm se mobilizado para pressionar e cobrar, quando não agem por contra própria.

AVALIAÇÃO
Segundo o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Reginaldo Perez, a mobilização e a pressão trabalham juntas em prol das demandas sociais e cabe ao poder público, o dever de atender às reivindicações. A participação da comunidade, avalia o professor, tem apresentado movimentos novos.

- Nossa tradição não é de participar da vida política, mas agora temos alguns sinais de modificação. Nossa sociedade está assumindo o protagonismo da esfera pública - observa ele.

Na opinião do cientista político, as soluções são, muitas vezes, conquistadas por meio da iniciativa dos cidadãos.

- Há mudanças no horizonte. A ação social produz consequências políticas de modo significativo - acrescenta ele.

Já o cientista político Dejalma Cremonese também professor da UFSM, avalia que cabe ao poder público atender às necessidades primárias do município, e não à comunidade. Contudo, ele afirma que o cidadão tem o dever de eleger os representantes por meio do voto e, depois, pressionar as autoridades para que os problemas sejam resolvidos.

Além disso, conforme o professor, os cidadãos precisam fiscalizar as ações. Por outro lado, Cremonese destaca que a mobilização autônoma da sociedade tem seu lado negativo.

- Estamos passando por uma crise política de forma geral. Isso é ruim, porque quando você não acredita no poder político, a política acaba demonizada, e tentar resolver pelas próprias mãos não é bom - explica ele.

Ao mesmo tempo, o cientista político reconhece que a sociedade deve intensificar a participação política, como tem sido, por exemplo, nas redes sociais:

- Deveria existir mais cobrança e sensibilidade, como no espaço público virtual. Precisamos ter essa sensibilidade como sociedade civil organizada. Isso é exercer a democracia e a política.

Afetados no dia a dia pelos problemas nas suas comunidades, os cidadãos têm exercido a democracia e praticado a política com a bandeira de melhorias para seu reduto.

PELA RUA SETE, NADA DE BRAÇOS CRUZADOSFoto: Renan Mattos (Diário)
Moradora da rua há quase 50 anos, Iolanda Passini tem participado dos protestos e espera que a comunidade não pare de lutar pela reabertura da via

Logo na primeira semana de 2019, surgiu a notícia de que a Rua Sete de Setembro, uma das mais antigas da cidade, teria a passagem de nível sobre a linha férrea fechada. A decisão veio em virtude do convênio assinado entre Executivo e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 2004, para a construção do viaduto da Gare, que previa o fechamento da via. Após o anúncio do bloqueio pela prefeitura, um grupo de moradores se reuniu para tentar impedir a interrupção do trânsito no local. A comunidade realizou manifestações e convocou reuniões com autoridades. Eles esperam que a questão seja resolvida com o uso da pressão e do clamor popular.


A aposentada Iolanda Passini, dona de uma loja de roupas na Rua Sete, comenta que se viu no dever de se envolver na causa pelo não fechamento da passagem de nível. Ela tem participado das manifestações realizadas nos trilhos do trecho bloqueado.

- Se eu precisar ir até os trilhos e ficar sentada lá, eu vou. Se o trem passar, que passe. Nós queremos a nossa rua de volta - protesta ela, que mora na via há quase 50 anos.

PARA NÃO CONVIVER MAIS COM CASAS ALAGADASFoto: Ian Tambara (Arquivo Pessoal)
A persistência de Leandro Marques e de outros moradores resultará na obra para resolver alagamentos na Rua Maranhão, esquina com a Rua Rio Branco

Há cerca de 40 anos convivendo com alagamentos nas ruas e residências, os moradores do Bairro Pinheiro Machado se organizaram e cobraram soluções da prefeitura. A mobilização partiu do autônomo Leandro Marques, que resolveu cobrar do Executivo e dos vereadores uma solução para o problema da Rua Maranhão, esquina com Rua Rio Branco, e arredores. Ele lembra que fez inúmeros pedidos para a prefeitura, até mesmo em outras gestões, e nunca desistiu de cobrar respostas.

- A gente fica muito triste de ver a nossa casa cheia de água. Mas temos que fazer a nossa parte e lutar. A gente só está cobrando o nosso direito - ressalta Marques.

O autônomo é um dos líderes da comunidade e guarda todos os pedidos que fez à prefeitura cobrando uma solução para os alagamentos. No final do ano passado, ele e os vizinhos protestaram no meio da inundação com cartazes de apelo ao poder público. Na última quarta, dia da abertura dos envelopes para definir a empresa que fará a obra, o grupo de moradores fez questão de comparecer e acompanhar o processo e deixou a comunidade esperançosa de dias melhores.

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