Diário Explica: O que torna Santa Maria suscetível a alagamentos e deslizamentos

Caroline Souza e Tayline Manganeli

Diário Explica: O que torna Santa Maria suscetível a alagamentos e deslizamentos

Foto: Gabriel Haesbaert

O processo de urbanização das cidades sem um planejamento adequado pode contribuir para o agravamento das consequências de eventos climáticos extremos, como as chuvas registradas em abril e maio de 2024 no Rio Grande do Sul. Em uma série com três reportagens, a partir deste fim de semana, o Diário abordará por que Santa Maria está suscetível a desastres, quais soluções são apontadas por especialistas e os esforços realizados para evitar novas catástrofes.

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Em Santa Maria, o crescimento ao longo das últimas décadas fez com que as áreas verdes precisassem ceder espaço às ruas e edificações, dificultando a infiltração e evaporação da água no solo. Este cenário intensifica a ocorrência de fenômenos como alagamentos, inundações e deslizamentos. 

  • Alagamento – eventos mais localizados que podem ocorrer quando uma rua, bairro ou região mais baixa fica total ou parcialmente submersa devido a falhas de drenagem da água;
  • Inundação – caracterizada pelo transbordamento da água na planície de um rio;
  • Deslizamento – fenômeno provocado pelo escorregamento de materiais sólidos, como solos, rochas, vegetação e/ou material de construção ao longo de terrenos inclinados, denominados de “encostas”, “pendentes” ou “escarpas”.​

Formação da cidade

Somado ao crescimento da cidade, estão elementos da estrutura geográfica e hidrológica do município: o relevo, composto por morros e declives que aceleram a queda da água, e a hidrografia, formada pela bacia dos rios Vacacaí - Vacacaí Mirim em que as formas do relevo levam diversos outros cursos menores, como riachos, córregos e rios pequenos, a abastecerem os rios maiores.

De acordo com o hidrólogo especialista em águas urbanas e planos de Drenagem Urbana e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Daniel Allasia, o município conta com mais de 130 cursos d’água que, em muitos casos, foram cobertos pela urbanização desordenada. 

– As estruturas antigas de drenagem, que foram construídas há cerca de 50 anos, não dão conta de escoar todas essas águas. Nesse caso, a água escoa para as ruas, para o centro da cidade, causando alagamentos – explica Allasia. 

Dessa forma, a chuva que deveria ser liberada gradativamente para o curso d’água, sendo amortecida pela vegetação, cai rapidamente e se acumula em um solo que não fornece a permeabilidade necessária devido às camadas de revestimento de asfalto e concreto, por exemplo. 

Em Santa Maria, um ponto que registra alagamento de forma recorrente em períodos de chuva e que ilustra a explicação do professor é a Rua Venâncio Aires, esquina com a Rua Duque de Caxias, na área central. Em relação a inundação, moradores do distrito do Passo do Verde costumam ser afetados pelo transbordamento do Rio Vacacaí.

Representação 3D do relevo de Santa MariaCrédito: Prof. Daniel Allasia Piccilli com base em Google Earth e informações da SEMA-RS

O caminho das águas

O engenheiro florestal e extensionista rural da Emater Marciano Loureiro realizou um mapeamento das microbacias hidrográficas de Santa Maria que busca analisar o caminho percorrido pelas águas na cidade. Para ele, este é um elemento fundamental a ser levado em conta no planejamento urbano. 

– Um dos grandes problemas que Santa Maria enfrenta é a desconsideração desses cursos d’água naturais no processo de construção civil. Essa é uma discussão que deve ser feita pelo poder público, porque a tendência é que, quanto mais isso avançar, mais problemas teremos – explica Loureiro.

O levantamento aponta a existência de 11 microbacias hidrográficas que cortam o município. Santa Maria conta com uma área territorial de cerca de 179 mil hectares, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Desses, aproximadamente 8 mil hectares são de zona urbanizada, que está contemplada, principalmente, pela microbacia do Arroio Cadena. 

Confira na imagem abaixo a localização de cada uma delas e a direção em que desaguam.

Mapeamento de Microbacias Hidrográficas de Santa Maria - O Caminho das ÁguasCrédito: Marciano Loureiro

Como acontecem os deslizamentos

Santa Maria é marcada pela transição entre o relevo característico do Planalto, ao norte, e da Depressão Central, ao sul. O Planalto é uma unidade de relevo relativamente plana e localizada em regiões de altitudes elevadas, enquanto a Depressão Central tem área mais baixa em relação às que estão em suas margens e é levemente ondulada. 

Contraste entre áreas mais altas do relevo e regiões de encostas em Santa MariaFoto: Reprodução/Google EWarth

Nas áreas mais altas do relevo e regiões de encostas, é comum a ocorrência de solos rasos que dificultam a infiltração da água. Conforme o hidrólogo, quando chove, a alta declividade faz com que a água desça rapidamente e provoque o movimento de massa, como deslizamentos que podem causar mortes, danos à infraestrutura e ao meio ambiente. 

– Nessas encostas a gente tem muito encharcamento do solo, porque a rocha é logo abaixo da camada superficial. Então, a água entra, satura o solo que perde a resistência e escorrega – diz o especialista.

Como ocorrem os deslizamentos (Arte: Tales Trindade) de Diário de Santa Maria

As chuvas históricas de maio provocaram a morte de cinco pessoas em Santa Maria. Duas delas perderam a vida em um deslizamento de terra no Morro do Cechella, no Bairro Itararé, no dia 1° de maio. Liane Ulguin da Rocha, 45 anos, e Emily Ulguin da Rocha, 17 anos, que eram mãe e filha, tiveram a casa em que moravam atingida após uma queda de barreira na Rua Canário.

As outras vítimas em Santa Maria foram o casal Adriana Trindade de Oliveira, 39 anos, Josemar Eduardo Lemos Dias, 35, e o filho Miguel, de um ano. A casa onde moravam, na localidade de Três Barras, no distrito de Arroio Grande, foi soterrada após um deslizamento de terra. 

Situação das famílias em áreas de risco

Desde o início das fortes chuvas, em 29 de abril, cerca de 170 famílias já saíram de casa e pelo menos 80 ainda procuram um lugar permanente e seguro para morar em Santa Maria. Nas áreas antes ocupadas, e agora mapeadas pela Defesa Civil com alto risco de novos deslizamentos, moradores convivem com a insegurança e o vazio deixados pela chuva. Quatro locais entraram nesse mapa: Rua Canário, Vila Churupa, Vila Santa Tereza e Vila Bilibio.

Conforme o chefe do gabinete do prefeito, Alexandre Lima, os moradores foram notificados e encaminhados ao Aluguel Social, mas não têm uma data limite para sair, por mais que saibam dos riscos de permanecer com a área ocupada. Em resumo, a prefeitura tem respeitado o tempo de cada família no processo de procura e mudança de local:

– Os prazos seguem dois parâmetros. Primeiro, o alerta a cada possibilidade de chuva para que preservem a vida deles e não fiquem no espaço. Então, tem uma previsão de chuva e levamos o alerta até os moradores com carros de som. Esse é um primeiro prazo, o imediato. O segundo é o tempo da construção de soluções do poder público, como o Aluguel Social, e o andamento desses processos.

Cenário exige soluções integradas

Os impactos de grandes tragédias climáticas, como a vivenciada pelo Estado em 2024, podem ser minimizados e até evitados a partir de medidas que levem em conta a complexidade dos problemas. Esse será o tema abordado na segunda reportagem da série. Segundo especialistas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que estudam sobre sistemas de drenagem pluvial, o trabalho deve começar por um diagnóstico dos principais desafios, para que seja possível traçar um planejamento de contenção de riscos com soluções que levem em conta o espaço da natureza.

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