Ana Paula morreu aos 39 anos e ninguém viu, a não ser o seu filho, autista não verbal, que ficou sozinho por 12 dias ao lado do corpo. Esse fato aconteceu recentemente na cidade mineira de São Sebastião do Paraíso. Um ano antes, também em Minas Gerais, Ilza e seu filho Breno foram encontrados sem vida na casa onde moravam. Ela foi vítima de uma parada cardíaca fatal e Breno, tetraplégico e com paralisia cerebral, não teve ninguém para alimentá-lo. Os dois corpos foram encontrados em decomposição.
Ana Paula e Ilza eram invisíveis para o Estado, para a sociedade e para a própria família. Suas ausências não foram notadas por dias seguidos. Suas vidas junto aos filhos deficientes somente chamaram a atenção quando a notícia viralizou nas redes sociais, chocando a todos os que dela tomaram conhecimento.
Há muitos anos, no corredor do Fórum, eu e outros advogados aguardávamos a chegada de um juiz numa Vara de Família. Tínhamos sido informados que ele se encontrava na periferia da cidade, onde teria ido realizar a então chamada “audiência de interrogatório”, numa ação de interdição. Quando retornou, pediu desculpas a todos os que o aguardavam, dizendo que precisaria de um tempo para se recuperar emocionalmente. Tinha visitado uma família em que uma velha senhora cuidava sozinha de quatro filhos adultos acamados, numa situação de total miserabilidade. O pedido era para que todos fossem declarados como incapazes e pudessem receber um benefício assistencial.Essa é a realidade gritante das chamadas mães atípicas. Mulheres que não têm rede de apoio, são negligenciadas e invisibilizadas. São mães biológicas, adotivas, avós, tias, madrinhas, irmãs, todas cuidadoras de pessoas vulneráveis que lhe chegaram, muitas vezes, por circunstâncias da vida, criando um vínculo socioafetivo consolidado pelo tempo.
Um fator constante é a ausência da divisão das responsabilidades com a figura paterna ou mesmo com outro familiar. Falta dinheiro, falta companheirismo, falta tempo para descanso, mas a maior ausência é a da empatia. Sobra o cansaço, a solidão, o desamparo e a esperança de que essa missão termine antes de sua própria morte, pois o maior tormento da mãe atípica é pensar no futuro do seu filho quando ela mesma faltar.
As tragédias de Minas Gerais simbolizam a situação das milhares de cuidadoras no Brasil. São vítimas do abandono social e do descaso para com os encargos que assumiram. Quando nasce uma criança com uma grave deficiência é naturalizado o entendimento de que a atribuição de seu cuidado exclusivo é da mãe ou de outra figura feminina na família.
A guarda compartilhada é a regra geral da nossa legislação, ainda que mal aplicada em muitos casos. Quando é que a curatela compartilhada será também assim tratada? Quando que a responsabilidade pelo cuidado de todos os vulneráveis será dividida? Quando as mães atípicas se tornarão visíveis para o Estado, para a sociedade e para a própria família? Quando haverá cuidado para com os próprios cuidadores?
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