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OPINIÃO: Feliz aniversário é o que me desejo

Recebi cumprimentos pelo meu aniversário. Foi ontem, 12 de março. Algumas pessoas me disseram que estou na melhor fase da existência, e que a parte boa começou agora. Outras, mais sensatas e solidárias, sentiram por mim. A utopia não é minha praia. Herdei uma lucidez que muito me fere. Seria leve sem o seu fantasma agourento. Gostaria de ser presenteado com uns 20 anos a menos. Já que não posso dispor de tão promissor regalo, queria sonhar, ainda que acordado, olhos postos no poente encarnado. Alguns sonhos fortuitos, como comprar aquela casinha de veraneio na Praia do Gunga, ou uma escapada que fosse para um bordejo na Patagônia Chilena. De preferência sozinho. Ou melhor, eu e Deus, pois a minha insanidade não chegou ao ponto de dispensá-lo, sendo Ele a mais agradável das companhias, certamente com histórias do tempo do êpa para contar aos circunstantes.

Mente quem de nós, ao buscar um filho no colégio, na aula de violão, não teve o súbito desejo de dobrar na rua oposta e alinhar, picar a mula, e voltar depois de um mês bem cheio no calendário, daqueles de 31 dias e algumas sobras. A explicação seria que, deitado na areia branca de Bombinhas, tomando uma água de coco, a memória voltou, sem mais nem menos, igual às garrafas com mensagens jogadas ao mar. A amnésia passou e já sei quem sou: uma mistura aflita de poesia e perversão. Volveria para as afeições que me cercam corroído de saudade, e tudo se faria inteligível.

Acontece que a realidade é fera indomada. Nem me separando retornaria a ser o que fui quando por inteiro. Faz tempo que me tornei organicamente desigual, impregnado pelo rolar das pedras que afetou o número de mitocôndrias nas minhas células. Até o DNA mostra-se diferente, confuso. Sou abençoado, tenho um casal de filhos que superou em muito a minha expectativa, e uma pacata transmutação farta de benevolências. Mas, cá entre nós, nunca fui tão feliz como quando o nosso time estava completo lá na casa de São Sepé. Aquilo é que era vida. As minhas irmãs jogando handebol entre o portão e a garagem e eu abobado com a barulheira da moto 125 vermelha, derradeiro brinde da avó materna. Daria vários e vários meses dos que tivesse eventualmente à frente pelo retorno do meu pai e da mana Isabel, nem que fosse apenas uma semana. E também faria o que me pedissem para jamais me despedir da minha mãe. Trago comigo a certeza de que somos bem mais do que uma família, talvez uma "Loja Maçônica Emídio Jaime 1014", um tipo de seita a ser definida pelos doutores, sei lá!

Mas o tempo urra, como todo animal selvagem aprisionado, e a argila que nos modelou lá atrás se esfarinha aos poucos, para que a gente não se assuste tanto da sua pressa incontida de virar pó. Não há sequer espaços dentro de mim para divagações acerca do imaterial, pois o relógio da Catedral não cede aos meus apelos de girar ao contrário.

Tenho dado risadas de tudo, principalmente de mim, do meu jeito inútil de querer andar no trilho. Acho que é a maior prova de maturidade que possa oferecer. Rir das bobagens que pratico no varejo, com um riso tão infantil que já estaria penitenciado. A essa altura, tenho de saber que o pior de todos os pecados é o de se adiar a menor das alegrias.

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