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Juro zero

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Mesmo quando a taxa de juros oficial (Selic) se encontrava nas alturas, o comércio insistia em campanhas de publicidade que anunciavam "juro zero". Propaganda enganosa. O produto podia ser dividido em 12 prestações pelo preço à vista, exatamente porque havia uma (alta) taxa de juros embutida no preço. A mesma prática acontece hoje, com a diferença de que a Selic - que chamo de taxa de juros oficial porque remunera os títulos públicos, e não "básica", porque nada tem a ver com os juros cobrados pelos bancos - está muito baixa (5,5% ao ano). Na realidade, o pobre do consumidor é enganado duas vezes: uma, porque compra o produto a um preço maior; duas, porque leva no "pacote" um empréstimo que não precisava. Antigamente, isso se chamava agiotagem.

Mas, talvez, a economia esteja mesmo caminhando em direção ao juro zero. Não do lado do tomador, claro, mas na outra ponta - a do aplicador. Vamos exemplificar com a mais popular forma de guardar dinheiro dos brasileiros, a caderneta de poupança. Chamo de "caderneta" mesmo porque era assim que o governo incentivou o hábito de poupar no passado. Numa época em que não havia computador, nem celular, nem internet (por incrível que isso possa parecer a um jovem de hoje!), os depósitos nos bancos eram registrados, no próprio punho, em cadernetas de papel. Os depósitos eram poucos porque os bancos não pagavam juros. Muitos preferiam deixar o dinheiro dentro do colchão do que depositar em um banco que podia quebrar. Além disso, a inflação devorava o poder de compra, de modo que era mais racional gastar do que poupar.

Esse cenário começa a mudar após o golpe militar, com a reforma do sistema financeiro (1964/1965). Para financiar o programa habitacional, o governo militar passou a remunerar a poupança pela inflação (correção monetária) mais uma taxa de juros real de 0,5% ao mês ou pouco mais de 6% ao ano. No governo Dilma, na medida que a taxa de juros oficial descia até 7,25% ao ano, a remuneração das aplicações financeiras que acompanham o CDI (taxa dos títulos privados que segue a taxa oficial) despencava e ameaçava perder para a poupança. Para evitar uma migração em massa dos recursos para a poupança, o governo alterou a forma de cálculo: sempre que a Selic for igual ou menor do que 8,5%, a remuneração da poupança passa a ser de 70% da Selic mais a Taxa Referencial (TR).

No mês de setembro de 2019, pelo novo cálculo, o rendimento da poupança variou entre 0,32% e 0,34%, dependendo da data de aniversário da conta. Como a inflação foi quase zero (IPCA de 0,09%), houve um pequeno ganho real. Nos últimos 12 meses, o rendimento da poupança foi de 3,85% (70% de 5,5%) contra uma inflação acumulada de 3,03%. Até o final do ano, a previsão mais recente do Banco Central é de uma taxa de inflação anual (IPCA) de 3,54% e taxa de juros oficial (Selic) de 5%. Isso significa que o rendimento da poupança se reduzirá para 3,5% (70% de 5%), ou seja, exatamente igual a inflação. Neste caso, a taxa de juros real será mesmo zero!

Se a taxa juro oficial cair abaixo de 5% como se espera, haverá perda de renda real do poupador. Ganham governo (cai o custo da dívida) e bancos (cai o custo do dinheiro). Ou seja: "a corda sempre rebenta do lado mais fraco", no caso, o do pequeno poupador.

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