opinião

Desejos de final de ano



É, amigos, é mais um final de ano que chega avassalador, com a volúpia dos redemoinhos, com a pressa de mil corredeiras na descida da montanha, vergando nossos ombros e nos igualando na angústia de ver cada vez mais vulneradas as nossas escassas certezas.

E mais uma vez, compungidos, nos comprometeremos com a possibilidade de criação de amanhãs mais alegres, mais faceiros, mais risonhos. E, depois, mais uma vez, nos frustraremos diante da ausência de concretude do sonho.

Mas não importa, porque continuará a brilhar dentro de nós essa esperança arredia, indomada, quase insana, de que é possível transformar o mundo pela transmutação de nossos espíritos belicosos, entranhados de ancestralidade animal, em seres guiados pelo afeto, aureolados pelo desejo da concórdia, fustigados pela constante perseguição do entendimento.

Essa é nossa missão e mesmo que dela, teimosamente, nos afastemos, inevitavelmente, a ela retornaremos, para que um dia, em um final de ano qualquer, possamos sair à rua e encarar o olhar de qualquer pessoa como se encara o olhar de um amigo, com despreocupada ternura. Para que possamos sair à rua e abraçar um estranho, como quem abraça a si mesmo, com respeito e aceitação.

Difícil? Impossível? Sim, difícil, impossível, não! Ou melhor, impossível para mim que escrevo e para você que me lê. Não para meus netos, para os seus filhos que chegarão com a luz e o olhar de quem veio para semear a paz. Essa mesma paz, que, hoje nos desejamos todos os finais de ano, em rituais que se repetem e que parecem não se completar.

Mesmo assim, insistimos, porque, em nosso íntimo, sabemos que é preciso seguir em frente e alimentar o sonho que um Nazareno rebelde e cheio de amor espalhou na Palestina há dois mil e poucos anos, ainda que não creiamos nele. O renitente sonho da humildade, da paz e da fraternidade.

Isso - humildade, paz e fraternidade - é o que eu gostaria de desejar a todos os amigos leitores, que nos acompanharam ao longo deste indigesto ano de 2017. E, não sabendo como expressar tal sentimento sem cair na armadilha dos lugares-comuns, me valho de um poema, que fiz há mais de três décadas, intitulado "Discurso", que diz o seguinte:

"Livrai-nos Deus / das grandiloquências semânticas / dos arabescos literários / das filigranas retóricas / do fraseado barroco / das empoladas perorações / dos eufemismos medrosos / das enganosas erudições / das vocabulâncias altissonantes.

Nós queremos / palavras retas, lineares, despojadas / palavras, claras, limpas, exatas / a métrica inominada / a rima pobre / a conjugação dos verbos regulares.

Permita Deus / que possamos encontrar / a maneira mais simples / de dizer eu te amo / tu me amas, nós nos amamos / casa, água, pão / abraço, encontro, agregação / paz, prece, canção / vida, morte, lição / Maria, José, João.

Em nome do pai, / do filho, do irmão."

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