Caso Gabriel

Aos 18 anos, o sonho interrompido de Gabriel Cavalheiro


Tranquilo é o adjetivo mais comum entre todos que conheceram Gabriel Marques Cavalheiro. Com 18 anos, ele queria realizar o sonho de prestar serviço militar obrigatório em São Gabriel, bem como viver na cidade em que, desde criança, passava as férias e onde, na companhia de tios e primos, aprendeu a andar a cavalo e gostar dos afazeres do campo.

Um tanto tímido, mas com facilidade de conquistar amigos, Gabriel era conhecido pela admiração à cultura gaúcha. Em Guaíba, sua cidade natal, frequentava o CTG Gomes Jardim. Em casa, era comum o jovem assistir a séries de investigação ou passar horas ouvindo o músico tradicionalista Baitaca. Pelo Bairro Bom Fim, onde cresceu, jogar sinuca era um dos hobbies.

Na última escola onde estudou, o Colégio Estadual Cônego Scherer, em Guaíba, Gabriel deixou fortes laços afetivos. Alguns professores e colegas, inclusive, foram ao velório em São Gabriel e fizeram um protesto em nome da escola.

A diretora, Maria da Graça Medeiros da Silva, compartilha o legado do aluno e reitera que todos os dias, a comunidade escolar roga por justiça:

– Era um menino alegre, agregador e como os colegas de turma dizem: pilar da turma. A família era presente na escola, sempre preocupada com a educação dele. Era um aluno com bom coração e que deixou boas lembranças e muitas saudades. Que a justiça seja feita.

Gabriel era filho do encarregado de depósito Anderson da Silva Cavalheiro, 40 anos, e da cuidadora de idosos Rosane Marques, 47 anos. Ele tinha duas irmãs: Bianca e Soilamar.​

Na mochila, a goiabada da avó, e na estação rodoviária, o último abraço no pai Anderson

Foi a avó Soilamar Pacheco da Costa, 66 anos, uma das primeiras pessoas da família a verem o corpo de Gabriel logo após ser retirado do fundo do açude na tarde de 19 de agosto. Ela chegou a desmaiar. Cerca de uma semana antes, foi ela quem ajudou a arrumar as malas para que ele viajasse a São Gabriel:

– Ele estava sempre lá em casa. Era meu grude, o meu menino, pois era o que mais convivia comigo. Nos domingos, íamos para um sítio de um conhecido nosso e ele deixava de sair com os amigos da idade dele, para ficar conosco, com a vó e o vô. Lembro de tirar algumas roupas de frio da sacolinha dele e dizer: "Meu filho, não precisa levar tudo. Tu vais lá, faz os testes e depois volta buscar as coisas. A vó vai também para São Gabriel daqui uns dias". Aí, ainda lembrei de colocar um vidro de goiabada que eu tinha feito para ele e meu sobrinho, que adoravam. Depois disso, o pai dele buscou ele aqui em casa e largou dentro do ônibus, na rodoviária de Guaíba. Foi lá, o último abraço deles.

O jovem, que recém havia completado 18 anos no dia 14 de julho, fazia uma das primeiras viagens de ônibus sozinho. A penúltima vez que ele foi a São Gabriel, também para protocolos para o ingresso do serviço militar obrigatório, foi de carro, com os avós.

– Ainda lembro que, quando ele fez 18, falei que queríamos dar de presente, o valor para a carteira de motorista. O engraçado é que ele nem fez questão, disse que não precisava, e que preferia a ajuda para comprar um cavalo. Falei que, então, ia pedir para os primos irem procurando um animal, e quando desse, a gente tentaria comprar – lembra a avó.

Na mesma noite em que Gabriel falou com a família pela última vez, em 12 de agosto, ele jantou com o tio-avô, tomou mate e falou ao telefone com a irmã. Mais cedo, havia também falado com o pai. Pelo WhatsApp, o pai teria aconselhado que ele se cuidasse e não corresse muito ou se machucasse para estar bem e se apresentar no quartel. A última mensagem do filho teria sido: “Te amo, pai. Beijo”.

– Eu ia dormir cedo e ele desligava a luz e ficava vendo TV. Durante a semana, me ajudou um monte e a encaixotar as coisas da mudança e fazer uns servicinhos. Nem vi ele sair aquela noite (12 de agosto). Lembro que jantamos: arroz, feijão, carne frita na panela e batatinha. Depois proseamos, dei boa noite e fui deitar. Ainda não consigo acreditar nessa maldade com ele – desabafa o tio-avô Antônio Marques.

A volta para casa

O luto da família se revela em silêncio e discrição. A mãe ainda evita falar fora do ambiente familiar. Os pais seguem em São Gabriel, onde recebem o apoio de parentes e amigos próximos. Há poucos dias, os familiares de Gabriel se mudaram da casa onde moravam, no Bairro Independência, e onde jovem estava hospedado até o último dia de vida.
Para os pais do jovem, a volta para casa, em Guaíba, exigirá coragem.

– A gente praticamente vivia para ele. As duas irmãs mais velhas do Gabriel, minhas enteadas, já são casadas e saíram de casa. Ele era único filho. O quarto dele está lá, as coisinhas dele… Esperamos pela Justiça e precisaremos de muita força e coragem para tentar recomeçar – disse o pai, na última sexta-feira.​

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