Kiss 10 anos

Júri do Caso Kiss é anulado, e quatro réus voltarão a julgamento

Pâmela Rubin Matge

Foram 10 dias para que o julgamento do Caso Kiss ocorresse e a sentença do maior caso do Judiciário gaúcho fosse proferida, em dezembro de 2021. Ontem, foram necessárias apenas quatro horas e meia para que a decisão fosse invalidada.


Às 18h36min de quarta-feira (3), o júri da Kiss foi oficialmente anulado, e os réus terão de ir a julgamento novamente. Dessa decisão, cabem recursos. No entanto, como as decisões do julgamento de dezembro não valem mais, Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, que respondiam por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio por dolo eventual, receberam a liberdade. Eles estavam presos desde 10 de dezembro.

Elissandro havia sido condenado a 22 anos e seis meses de prisão. Mauro, a 19 anos e seis meses. Os dois cumpriam as penas na Penitenciária Estadual de Canoas. Luciano e Marcelo haviam sido sentenciados a 18 anos de prisão. Os dois cumpriam a pena no Presídio Estadual de São Vicente do Sul.

A sessão ocorreu à tarde em uma sala no 8º andar do prédio-sede do Tribunal, em Porto Alegre, com a presença de dezenas de sobreviventes da tragédia e familiares das vítimas, além das defesas de cada réu, da assistência de acusação e do Ministério Público. No momento em que o terceiro desembargador votava, pelos corredores do prédio ocorriam manifestações de revolta de alguns pais. Dentro da sala de votação, uma mãe de vítima chegou a se levantar.

Foi por 2 votos a 1 que os três desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) chegaram à decisão, durante o julgamento dos recursos das defesas dos quatro réus, de apelação do caso. O desembargador e relator, José Manuel Martínez Lucas, foi o primeiro a se manifestar e se posicionou contra a nulidade do julgamento.

O revisor do caso, José Conrado Kurtz, que iniciou a carreira de juiz em Santa Maria, bem com Jaime Weingartner Neto, acataram o pedido de anulação, vencendo por maioria.

Para o MP, a decisão do Tribunal, embora fosse possível de ocorrer, surpreendeu.

– Lamentamos a decisão. Obviamente respeitamos a decisão proferida, mas divergimos tanto nos fundamentos quanto da conclusão e lamentamos. Lamentamos profundamente, sobretudo em razão da dor dos familiares das vítimas e sobreviventes. Obviamente, a partir de agora, vamos construir as medidas necessárias para reverter essa decisão. Nós sabíamos que, a partir desses recursos, essa seria uma decisão possível, embora tivéssemos expectativa que fosse mantida a decisão soberana e justa do Tribunal do Júri – disse Júlio Cesar de Melo, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais.

O incêndio

O incêndio aconteceu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. Em uma das músicas, Luciano, que era rodie (um ajudante da banda), acendeu um fogo de artifício e o entregou a Marcelo, que era o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira. As faíscas do artefato deram início às chamas que causaram a maior tragédia da história gaúcha.

O julgamento do processo foi transferido para a Capital por decisão do Tribunal de Justiça. Inicialmente, o desaforamento (troca de cidade) foi concedido a três dos quatro réus: Elissandro, Mauro e Marcelo.

Luciano foi o único que não manifestou interesse na troca (o júri chegou a ser marcado em Santa Maria) mas, após o pedido do MP, o TJ determinou que ele se juntasse aos demais. O júri que condenou os quatro réus ocorreu no Foro Central 1, em Porto Alegre.

Como votaram os três desembargadores da 1ª câmara criminal

Manuel José Martinez Lucas

“Os defensores dos acusados Marcelo, Mauro e Luciano acusam o juiz presidente de parcialidade na condução dos trabalhos do júri. Trata-se de acusações graves que poderiam levar não só a pretendida anulação do julgamento, mas a responsabilização funcional do magistrado. As quais, no entanto, não merecem ser levadas a sério. Pelo o que se verifica da ata de julgamento não se constata esta postura parcial do juiz. O que se colhe é que conduziu ele os trabalhos com rigor o que num julgamento com tal excesso de emocionalidade era efetivamente necessário. Assim sendo, rejeito a nulidade com base na parcialidade do juiz.”

José Conrado Kurtz

“A discricionariedade do juiz presidente do tribunal do júri é muito limitada, a ele compete somente conduzir o processo, em caso de condenação fixar as penas, todos os atos processuais realizados em plenário, sob os olhos e registrados sob impugnação das partes. O ato de reunião do magistrado em reservado, sem a presença do MP, sem a presença da defesa, nulifica o júri, até mesmo porque as partes não puderam impugnar, já que elas desconheciam o conteúdo. Não estou afirmando ou reconhecendo parcialidade ou suspeição, estou analisando o ato em si, e que este ato, que pode ter uma gama enorme de motivações, seja o cansaço ou outras questões que não me compete, foi um ato discricionário no sentido negativo do termo, ato sem previsão ou autorização legal que acarreta nulidade absoluta que, aliás, do contrário, estar-se-ia abrindo precedente perigosíssimo.”

Jayme Weingartner Neto

“Foram três sorteios dos jurados suplentes, fato que é extremamente atípico. A ideia destes sorteios suplementares foi do Magistrado, e o último, flagrantemente, fora do prazo legal, a menos de 10 dias da instalação do conselho de sentença. Não é possível surpreender as defesas, isso não é plenitude de defesa. 44% dos jurados que compuseram o conselho de sentença (25 jurados) saíram de sorteios suplementares e do último. A disparidade de armas se dá quando o Ministério Público tem acesso ao sistema de consultas integradas. Quanto à maquete feita pelo MP, ela era de última geração, e três defesas chegaram ao júri sem conseguir abri-las em seus computadores.”



*Colaboraram Denzel Valiente, [email protected]Gabriel Marques, [email protected]Pamela Rubin Matge, [email protected]Vitória Parise, [email protected]



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