Nesta semana, celebramos mais uma vez o 20 de Setembro, que lembra o início da Revolução Farroupilha e se diz ser o Dia do Gaúcho. A data desperta reflexões históricas e sociológicas, alguns debates. Fala-se bastante da história e da cultura rio-grandenses. São lembrados vultos do passado e episódios históricos com suas versões controversas. São exaltados valores de ontem, que devem ser hoje seguidos, hábitos, culturas, características.
Permito-me uma reflexão complementar. O gaúcho rio-grandense com toda a sua mescla de índio, negro, mestiço e europeu é uma descendência étnica e cultural do “gaucho”, povo do pampa platino, região e ecossistema que abrange todo o Uruguai, parte significativa da Argentina e 63% do Rio Grande do Sul.
Lembrar este “gaucho” é indissociável do pampa como um bioma característico, rico na sua diversidade e que deve ser preservado como as tradições e a cultura. Assim como a tradição pode ser cultuada e mantida, sem que se transforme em óbice para o desenvolvimento das populações e a modernização de métodos e processos, também deve se reconhecer que as contemporâneas formas de produzir em agricultura, pecuária, indústria, energia, transportes, devem coexistir com a conservação de áreas, paisagens, vegetais e animais característicos do pampa.
Sou natural de Quaraí, na fronteira entre Brasil e Uruguai, bem no coração do pampa. As lembranças da infância são de beleza ímpar. A paisagem de planície aqui e ali ondulada, no horizonte os cerros do Jarau onde o sol de punha para quem olhasse da casa onde morava no Garupá. Na primavera a floração das ervas nativas pelos campos, com diferentes matizes, formava belos e variados tapetes coloridos. Nas áreas empedradas, uma diversidade de cactos.
O lobo guará ainda sobrevivia em já raros locais. Há décadas sabia do tuco-tuco que agora está identificado e classificado nos areais de Alegrete e Quaraí. Havia tanto tatu, lagarto, sorro (graxaim), mão pelada, lebre, raposa, zorrilho, ema, veado campeiro, preá... Dizem os especialistas que são mil espécies vegetais (dentre elas 450 de gramíneas) e 100 espécies de mamíferos, entre outros animais, radicados no pampa.
Não há gaúcho sem pampa, este bioma é tão importante como a tradição e a história. Não adiantará, no futuro, fazer churrasco, tomar chimarrão, “pilchar-se”, se não tivermos amostras amplas do verdadeiro habitat do gaúcho histórico com toda a sua riqueza de fauna e flora.
Que o 20 de Setembro não nos evoque apenas a Revolução Farroupilha, a cultura e hábitos centenários do gaúcho. Pensemos também no pampa e na necessidade de preservá-lo como ecossistema, com as espécies que o povoam, convivendo com as tecnologias de uso da terra e de geração de riquezas. Não haveria gaúcho sem história e cultura. Não haverá gaúcho sem o seu habitat natural preservado para que os descendentes entendam como viveram os antepassados e como o ambiente concorreu para que forjassem algumas marcantes características.