Relacionamento abusivo: você sabe quando ligar o sinal de alerta?

Letícia Almansa Klusener e Mirella Joels


Temos duas notícias ruins e uma boa para dar. A primeira notícia ruim é que relacionamentos abusivos existem. A segunda má notícia é que na maioria das vezes é difícil perceber quando se está em um. A notícia boa é que é possível identificar alguns sinais em comum em relacionamentos desse tipo, principalmente com acompanhamento terapêutico e um olhar sincero para os seus limites e necessidades afetivas. 

Nas próximas linhas, você, leitor, pode achar que não há nada de anormal nos sinais e exemplos que trazemos, e é justamente por isso a importância de trazer luz a estes tipos de comportamento que podem passar desapercebidos. É importante atentar que iremos focar na violência psicológica e em relacionamentos amorosos. 

— Esta violência é caracterizada por sua sutileza, e os sintomas costumam ser mais mascarados — explica Silvia Vidal, psicóloga e criadora da @queridaneurona, uma conta no Instagram que nasceu durante a pandemia, em entrevista à BBC Brasil.

A questão sobre os relacionamentos abusivos é justamente essa: por muito tempo, muitos destes comportamentos foram normalizados e relevados. Aprendemos que talvez sentir um pouco de ciúmes é bom, demonstra que gostamos da pessoa. Também, controlar e fiscalizar o comportamento do companheiro (a), cobrar idas e vindas, ditar o que ele deve ou não fazer pode ser visto também como algo natural, afinal, estamos em um relacionamento e ele precisa me dar uma satisfação também. 

Contudo, atitudes devem ser demonstradas de forma natural. Você não deve – ou pelo menos não deveria – cobrar responsabilidade do seu parceiro, por exemplo.  

A professora e teórica sobre gênero Bell Hooks, no seu livro O feminismo é para todo mundo explica por que isso acontece e acabamos naturalizando atitudes tóxicas: 

– Todo mundo é socializado para enxergar violências como meio aceitável de controle social. 

Com a visão acostumada a “passar pano” para atitudes de violência, inclusive psicológica, nem sempre é fácil identificar os sinais. No entanto, precisamos reforçar que relacionamentos abusivos não são exclusivos de relações héteros. Em Movimento feminista pelo fim da violência, Bell Hooks explica que o movimento teria se concentrado em violência masculina. A consequência disso seria reforçar os estereótipos sexistas que apenas homens são violentos.

— Esse tipo de pensamento nos permite ignorar a extensão de que mulheres aceitam e perpetuam a ideia de que é aceitável que uma parte do grupo dominante mantenha seu poder sobre o domina por meio de força coercitiva. 

Apesar de os homens também serem alvos de relacionamentos abusivos, as mulheres ainda são as maiores vítimas. Segundo o boletim Elas Vivem: dados que não se calam da Rede de Observatórios da Segurança, a cada quatro horas uma mulher foi vítima de violência no país em 2022. Além disso, entre os casos, houve um aumento de 88,66% de registros de agressão verbal/ ameaças, em relação ao ano anterior.

Conheça a história de pessoas que viveram relacionamentos tóxicos e saiba como identificar sinais de uma relação que não é saudável. 

Mas afinal, o que é um relacionamento abusivo?

De acordo com uma pesquisa realizada na UFMG, “se classifica como relação abusiva qualquer vínculo entre pessoas em que exista violência ou abuso, como a psicológica, física, patrimonial, moral ou sexual”. 

— O relacionamento abusivo é uma relação baseada em dependência, sofrimento, muita oscilação e falta de empatia — comenta a psicóloga.

A psicóloga Marianne Guimarães explica que o sentimento de culpa, a sensação de precisar se controlar demais ao lado da pessoa, sentir que está sempre errada e começar a fazer coisas contra a própria vontade (por receio de como o agressor irá agir), são sinais de alerta em uma relação. Por serem sentimentos que podem parecer “sutis”, por vezes confundidos com insegurança ou uma ideia de “o amor tudo pode e tudo vence”, talvez a pessoa não perceba os sacrifícios e as anulações que tem feito em detrimento de uma relação que traz mais malefícios do que benefícios. A terapia e outros processos de autoconhecimento podem ser importantes para ajudar a discernir esses aspectos. 

Os sinais

Fotos: Eduardo Ramos (Diário)
Fotos: Eduardo Ramos (Diário)

A psicóloga Marianne Guimarães explica que não existe regra e que os sinais podem ser mais sutis. Todo relacionamento passa por diversas fases. E quando se está em uma relação abusiva é possível observar vários deles desde o início da relação.

A intensidade na hora da conquista – uma prática também conhecida como love bombing –, geralmente é seguida pela fase de abandono e desvalor. Ou seja, a pessoa exagera no afeto, agindo de maneira intensa, com a intenção de agradar nos primeiros encontros. Outras atitudes que podem aparecer e se intensificar são: agressividade verbal, sempre achar que tem razão e tentar convencer a pensar como ela. 

Nos últimos meses, vídeos publicados no TikTok vem destacando sinais de alerta sobre o tema. Eles podem ser percebidos antes mesmo do relacionamento começar. Mas sabemos que quando já se está na relação pode ser mais complicado, tendo em vista o envolvimento emocional.

As ofensas constantes são sinais claros de que a relação pode não ser saudável. Muitas vezes, em tom de brincadeira e em uma roda de amigos, ela pode passar batida. Escutar com frequência que não se é suficiente, pode acabar se tornando uma verdade para você. E é aí que mora o perigo. Em determinado momento você estará tão envolvida (o) na relação que passa a imaginar que não seria nada sem a pessoa que suporta sua “burrice”, que mesmo você não sendo tão interessante, ela ainda está com você. Aqui fica claro a importância de uma rede de apoio: 

— É importante que se conduza com cuidado esse assunto, mesmo que a vítima seja um parente próximo ou amigo íntimo, pois, muitas vezes, a pessoa não está preparada ou até enxergando a situação. Conversar  com a pessoa, tentar fazer ela enxergar os sinais de abuso com exemplos e muita empatia é uma das formas de ajudar — explica Michele.

Confira abaixo alguns relatos de mulheres que passaram por relacionamentos abusivos e em que momento elas perceberam que a relação não era saudável:

“Ele falou coisas íntimas minhas durante conversas com amigos, gostava de me humilhar em público”

Marina*, 26 anos, explica que na sua antiga relação o parceiro chegou a citar coisas da intimidade dela enquanto conversava com um casal de amigos: 

— Uma vez saímos com um casal de amigos. Eu estava me descobrindo como bissexual e ele sabia da minha insegurança quanto a isso. Ele revelou aos amigos a minha situação. Na hora, eles perceberam o quanto eu fiquei desconfortável. Ele gostava de me humilhar em público

“Eu pensava que não era um problema, ele era meu namorado. Eu tinha que estar disponível para ele, né?!”

Em um relacionamento saudável, valorizar as coisas que o parceiro gosta é importante. Demonstrar suporte é fundamental também. Contudo, é preciso saber os limites disso. Deixar de fazer as suas atividades para viver somente as coisas que interessam ao seu companheiro é outro sinal de alerta. E isso inclui ultrapassar as próprias vontades sexuais para satisfazer os desejos do seu companheiro (a). Esse fato foi recorrente no primeiro ano da relação de Marina com o ex-namorado: 

— Ele tinha muita energia sexual desde o início da relação. No começo eu não via como problema, mas depois de um tempo achei estranho. Realmente, muitas vezes, eu não tinha vontade e me machuquei durante o processo. Eu falava que não queria e, muitas vezes, só paralisava. No começo eu pensava que não era um problema, ele era meu namorado. Eu pensava que tinha que estar disponível para ele. 

“Sempre que ele terminava comigo, minhas amigas diziam que já tinha esgotado os limites e que ele só me usava”

A estudante Valéria*, 25 anos, conta que no relacionamento que viveu durante 10 anos, pelo menos em seis o namorado terminou com ela perto do Carnaval e de outros eventos em que ele gostaria de estar solteiro. Um fator comum depois dessa época era a vontade de retomar o relacionamento:

— Quando ele se arrependia pelo término, ele voltava prometendo tudo de melhor para mim e para o relacionamento… Eu ficava muito feliz por querer muito aquilo e dava uma chance, no fim as promessas duravam uma semana — conta.

Além dos términos sazonais e das voltas com promessas não cumpridas, outra atitude era constante: a de menosprezar a sanidade da companheira. Essa prática é conhecida como gaslighting e caracteriza o abuso emocional que o parceiro faz ao questionar a compreensão da realidade da companheira (o). No relato da estudante, a palavra “desconforto” é recorrente. Desde os momentos em que eles discutiam e ele usava o termo “louca”, até os momentos em que tentava controlar o corpo e a aparência dela:

— Ele fazia algumas brincadeiras que me deixavam um pouco desconfortável. Dizia que se eu perdesse peso ficaria "sem graça" — relembra.

De acordo com a psicóloga Marianne, em qualquer conversa de um relacionamento abusivo é comum você sentir que não entende nada ou que está errado, sem precisar necessariamente ser uma discussão:

— E a forma de fazer isso pode ser sutil: não precisa ser uma frase direta, como um "nossa, que burro isso que você disse", mas a impressão é a de que você, na maioria das vezes, não fala nada de bom e está sempre completamente equivocado.

“No fim do relacionamento, ele nem tentava mais conversar comigo e sumia”

Já ficou explícito que a falta de diálogo é uma característica bem marcante de uma relação abusiva. Marina conta que a sua relação com o ex-companheiro era marcada por muitos “gelos” da parte dele. Sumir, não gostar de ser cobrado e não explicar as situações com clareza eram questões vividas com frequência.  

Valéria pontua também que na sua relação o companheiro não gostava de conversar, ter as famosas DRs:

— Ele não dava a mínima quando eu tentava conversar. Então, me deixava discutindo sozinha e quando falava algo dizia que era tudo da minha cabeça, que eu estava viajando.

*Os nomes das vítimas citadas nesta reportagem são fictícios para preservar a identidade delas. 

https://youtu.be/p0FwZlRAWT0

Ligue o alerta se:
  • As ofensas são constantes, mesmo que de forma sutil;
  • Há desconforto da sua família, amigos e conhecidos com a sua relação, eles podem perceber traços agressivos no relacionamento antes de você;
  • A relação monopoliza sua companhia, você se sente distante de amigos e familiares;
  • Existe agressividade nas falas e gestos;
  • A cobrança de certas atitudes pesam muito mais para um lado; 
  • Seu esforço nunca é valorizado; 
  • A cobrança demasiada é explicada como “um amor muito intenso”;
  • Você se afasta e deixa de fazer coisas que gostava antes da relação; 
  • Suas vontades não são levadas em conta;
  • Você se sente constantemente culpada.

Amparo jurídico

Depois de ler essas informações, você percebeu que está em um relacionamento abusivo ou conhece alguém que pode estar? Saiba qual lei pode ser utilizada a seu favor e os limites estabelecidos. Apesar dos relacionamentos tóxicos serem muito comuns, nem todos podem e  são criminalizados. A cultura desse tipo de relação está enraizada na sociedade e por muitas vezes é normalizada. 

De acordo com a advogada Amanda Rodrigues, especialista em causas de gênero, a Lei Maria da Penha, mais conhecida por ser utilizada em casos de agressão física contra a mulher, também passou a definir o que é a violência psicológica.

Em 2021, a conduta de cometer violência psicológica contra a mulher passou a ser prevista como crime no Código Penal. Em 2023, o Brasil registrou a primeira condenação à prisão por violência psicológica. Além disso, existe a violência moral, que também ofende o sentimento de honra, que se configura nos crimes de injúria, calúnia e difamação – explica.

Conforme a advogada, a Lei Maria da Penha garante medidas protetivas de afastamento e proibição de contato do agressor, sob pena de prisão em caso de descumprimento. Também é possível requerer uma indenização por danos morais e materiais sofridos pela mulher vítima de violência psicológica. Apesar destes avanços na legislação, Amanda aponta o que poderia ser melhorado para proteger as vítimas:

— Considerar que as mulheres em situação de violência estão em situação de hipervulnerabilidade, como entendem os tribunais superiores e, a partir disso, dar mais valor à palavra das vítimas e facilitar a valoração das provas levadas por essas vítimas ao sistema de justiça, que deve protegê-las e não submetê-las a mais violência colocando em dúvida ou relativizando as suas declarações – finaliza.

Entender os limites de uma relação é algo que você pode descobrir individualmente, mas também com amparo psicológico. O diálogo entre os pares, assim como com familiares, amigos e colegas é um passo para que situações de abuso não sejam mais toleradas. 

Onde denunciar
  • Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180
  • Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher - (55) 3222-9646
  • Disque Direito Humanos - 100

Você já viu isso antes

Bruna Griphao e Gabriel Tavares

https://twitter.com/kelloucura/status/1616986856788205569?s=20

O casal relâmpago da 23ª edição do Big Brother Brasil deu o que falar nas redes sociais, mas não de uma forma positiva. As falas e atitudes do modelo e ex-affair de Anitta, Gabriel, para com a atriz Bruna Griphao, tiveram repercussão negativa e até causaram alguns gatilhos em pessoas que já se reconheceram em uma situação parecida.

O que aconteceu no reality show foi breve, mas seguiu um roteiro que pode ser visto até em relacionamentos abusivos mais duradouros. Desde o início do programa, Gabriel já dava indícios de que estava interessado na atriz e, na primeira oportunidade que teve, durante a festa inaugural do programa, investiu diversas vezes na sister, até que ela cedeu e o beijo rolou.

O casal se aproximou cada vez mais dentro da casa e começou a vivenciar atritos que, apesar de não serem problematizados entre os dois, eram observados com atenção pelos telespectadores. Um dos momentos contraditórios em relação ao comportamento inicial de Gabriel, foi quando ele começou a escantear a sister e dizer, de forma agressiva, que se sentia constantemente interrompido por ela. A agressividade na falae nos gestos eram acompanhados de ofensas que quase sempre eram encaradas por Bruna e pela maioria dos participantes como brincadeira.

O estopim para o término do relacionamento foi uma interferência do apresentador Tadeu Schmidt que, durante a transmissão ao vivo do programa, comentou sobre falas negativas de outros participantes sobre o casal e também uma ameaça de Gabriel durante uma briga com Bruna, que sugeria uma agressão física: ‘Já já você vai levar umas cotoveladas na boca’. 

https://twitter.com/emillyaraujoof/status/1617356513277841409?s=20

Portais repercutiram a história e muitas pessoas se viram no lugar de Bruna. Uma delas foi a ex-BBB Emilly Araújo, que viveu um relacionamento abusivo dentro da casa em 2017 com o participante Marcos Harter, que foi expulso por agressão depois de colocar a sister contra a parede e provocar um hematoma. No Twitter, Emily se posicionou: 'Parabéns, Globo, por fazer o que deveria ter feito em 2017… Assim, a Bruna não precisa passar por mais de 4 anos de terapia para tentar superar agressões psicológicas e físicas, como eu’. 

Lea Maria e Juliano Gaspar

Em fevereiro deste ano, a humorista alemã que vive no Brasil Lea Maria publicou nas redes sociais um vídeo onde diz ter sofrido violência doméstica. Lea é casada com o também humorista Juliano Gaspar. No vídeo, ela afirma estar com sua família e amigos, além de ter suporte psicológico e jurídico. 

O casal ficou conhecido especialmente no TikTok, onde publicam vídeos falando sobre o relacionamento e as diferenças culturais, visto que o humorista é brasileiro e ela, alemã. As brincadeiras viraram um show de stand-up intitulado Bad Trip

Viajando pelo Brasil, Lea fazia vídeos de humor falando sobre os pontos turísticos, diferenças culturais e gírias locais. 

O que ocorreu com Lea permite identificar com mais clareza uma relação abusiva porque partiu para agressão física. 

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