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Arte da resistência: conheça o trabalho de comunidade de Santa Maria que será levado à ExpoFavela, em São Paulo

No Ateliê Griô da Vila Resistência, a artista Mariri e o Vinícius, de 10 anos, mostram a obra "A Vila Vive Em Mim", que foi exposta na ExpoFavela RSFotos: Nathália Schneider (Diário)


Arte. Memória. Cultura. Talento. Mas, sobretudo, resistência. Tudo isso pode ser encontrado em uma ocupação urbana de luta por moradia na zona oeste de Santa Maria que, desde 2016, abriga mais de 40 famílias em área do Bairro Pinheiro Machado. E agora ganhará o Brasil e, quem sabe, o mundo.


A Vila Resistência representou a cidade na ExpoFavela RS, tradicional evento que reúne empreendedores de favelas e comunidades periféricas do Brasil e, neste ano, ocorreu pela primeira vez no Rio Grande do Sul.Trata-se de uma feira de negócios, onde expositores de diversos segmentos da favela dão visibilidade para seu trabalho, acelerando os empreendimentos e buscando oportunidades.


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As artistas Mariri e Rusha, moradoras da Vila Resistência, foram as responsáveis por levar Santa Maria para a ExpoFavela RS. Elas estiveram entre os mais de 90 empreendedores gaúchos que participaram do evento, que ocorreu em Porto Alegre no início de setembro. E Mariri foi uma das 10 selecionadas do Estado para levar seu negócio, com todo o aporte financeiro e estrutural, à ExpoFavela nacional, que ocorre em dezembro em São Paulo.

Rusha é artista visual, educadora popular, ativista do movimento negro e produtora cultural. Na sua produção, traz ancestralidade, memória, identidade e resistência negra. Já Mariri é artesã, artista plástica e escultora. Trabalha com ecoesculturas feitas de materiais reutilizados e busca trazer temáticas sociais, ambientais e a importância do consumo consciente em sua obra.

ARTE E CULTURA VILEIRA

Rusha e Mariri fazem parte do Ateliê Griô, espaço coletivo de arte e cultura vileira localizado na Vila Resistência. De origem africana, ‘griô’ é um guardião da memória, da história oral de um povo ou comunidade, com o intuito de manter vivo saberes, histórias, lendas, tradições e memórias ancestrais.

– O Ateliê Griô é esse espaço coletivo e criativo de arte e cultura vileira que já temos há dois anos. A ideia é fortalecer toda a potência dos artistas locais e periféricos que temos na cidade. Tem artes plásticas, grafite, circo, malabares, música, os MCs – conta Rai Silva, a Rusha.


A produção de Rusha, acima na mostra estadual, reforça, entre outros temas, a luta do movimento negroFoto: Pedro Piegas (Divulgação)


Mariri reforça que o Ateliê é um espaço onde são cultivados os fazeres ancestrais e é resgatada, através da arte, a memória.

– Griô é sangue que circula. Ou seja, é um espaço onde estamos sempre trocando conhecimento, promovendo eventos culturais, rodas de conversa e oficinas que geram essas trocas. Porque nós acreditamos muito na arte como uma ponte, uma ferramenta de transformação na vida das pessoas. Para além da pintura e da escultura, que são os trabalhos meu e da Rai, abrangemos a música, a poesia e diversas outras formas de expressão – explica Mariri.

Rusha conta que se inscreveu para a ExpoFavela RS com a intenção de vivenciar um evento desse tipo e potencializar ainda mais essa rede. Segundo ela, os grupos de periferias e comunidades estão em constante organização para garantir o acesso à arte, cultura e lazer nesses espaços, então o evento veio à calhar, para se conectar com essas pessoas.

O Ateliê Griô só existe porque está em um território de luta, que é a Vila Resistência. Então a ideia foi muito também levar visibilidade para a comunidade. Vão completar sete anos que estamos tentando construir um espaço de referência, de garantia de acesso, tanto à moradia quanto à cultura e educação. Então, para nós, foi uma alegria enorme representar não só o Ateliê, mas a periferia de Santa Maria – diz Rusha.


O apoio da comunidade durante a ExpoFavela RS foi fundamental para as duas artistasFoto: Arquivo Pessoal

Para a ativista e educadora, eventos como a ExpoFavela, que dão visibilidade para a potência existente nas regiões periféricas das cidades são fundamentais:

– Essa força tão presente na galera da comunidade, muitas vezes por falta de visibilidade, acaba desacreditada e as pessoas, desistindo. Eventos como esse, que conectam as pessoas e fortalecem essa rede, dão liberdade para os nossos trabalhos – finaliza Rusha.

UMA FORÇA DA NATUREZA

Mariane Tavares, de 26 anos, conta que o nome artístico Mariri tem inspiração na denominação de um cipó forte e resistente da região amazônica e que tem uma simbologia religiosa. O nome vem a partir de um elemento da natureza, algo que está bastante presente em sua arte.

No ano passado, morando de aluguel, a artista estava em busca de moradia e encontrou acolhida na Vila Resistência. Ela já conhecia Rusha e se reconectou com a amiga, que ofereceu moradia à ela no Ateliê Griô.

– Eu já vinha trabalhando com arte e escultura há dois anos e aí surge a oportunidade de morar dentro de um ateliê. Então, para além de espaço de trabalho é a minha casa – conta Mariri.


Mariri no Ateliê Griô, que também é a sua casa


A seleção para participar da ExpoFavela nacional foi uma grande surpresa para Mariri. Ela acredita que a questão ambiental presente em seu trabalho chamou atenção da organização:

– Meu trabalho fala sobre educação ambiental. O principal foco é refletir sobre consumismo e descarte. As minhas obras contêm elementos que temos diariamente em casa, o que traz um impacto visual. Isso pode ter sido um dos critérios que os avaliadores usaram para escolher o meu trabalho.

Uma das obras de Mariri que mais se destacou na feira de negócios e empreendedorismo, é “A Vila Vive em Mim”. Ela é inspirada no Vinícius, de 10 anos, morador da Vila Resistência e frequentador assíduo do Ateliê Griô.

– Ele é uma criança muito autêntica e nos inspira muito porque sempre chega no intuito de criar com o que se tem à disposição, como eu. O Vinícius teve uma aula na escola para a criação de uma maquete e foi até o ateliê atrás de cola quente e tinta, já que nós disponibilizamos esses materiais por lá – conta Mariri.


A obra "A Vila Vive em Mim" também tem inspiração nas moradias da Vila Resistência, com casinha feita com papelão e caixas de leite

Ao observar Vinícius interagindo com esses elementos, Mariri viu o potencial criativo do menino e propôs a criação de uma obra em conjunto. A artista já havia feito uma oficina de máscaras com moradores da Vila Resistência, então ele quis tirar uma máscara do seu próprio rosto. Assim, Vinícius tornou-se protagonista da obra que chamou atenção na ExpoFavela RS em Porto Alegre. Após uma volta pela ocupação, também veio a ideia de incluir pequenas moradias na obra.

– Ela é composta por uma calota de carro de plástico na parte de trás, que é a moldura. As casas são todas feitas em papelão e caixas de leite e elas têm uma conexão com o Vinícius. Eu quis trazer as influências que a criança da periferia recebe. E toda a Vila se conecta com esse menino, entende? Conforme ele for crescer ele vai carregar toda a memória desse lugar. Eu também sou uma menina criada na periferia, então carrego essa memória.


NA TERRA DA GAROA

Mariri adianta que levará “A Vila Vive em Mim” para a ExpoFavela nacional. Ela acredita que o trabalho tem muito potencial para espalhar em São Paulo a potência do Ateliê Griô e da vida que existente dentro da periferia santa-mariense.

– Quero levar a nossa Vila resistência como a Grande Morada. Como um espaço que possibilitou eu viver e conseguir me manter da arte. Nunca foi sobre mim. Toda a ideia do meu trabalho sempre foi sobre levar mensagem e missão de vida. A expectativa é conseguir cumprir a minha missão que ia levar a ideia da reutilização e da beleza que existe na Vila.

Mariri sente que está representando a periferia de Santa Maria:

– Eu nunca andei só. Eu carrego inúmeras vidas e caminhos junto comigo. Porque sem essa inspiração talvez eu não estaria criando arte. São essas pessoas que mantêm a minha chama acesa no dia a dia. E digo que a periferia ela tem muita luta, mas ela tem muita beleza também. E é na humildade e na simplicidade que a gente enxerga isso – finaliza Mariri.

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