crônica

Memórias e afetos

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A animação Divertidamente, Oscar em 2016, representa o funcionamento do cérebro de uma criança. Cinco emoções se revezam no comando da sala de controle. A elas cabe a tarefa de organizar o fluxo das memórias: esferas coloridas que vão sendo geradas desde o nascimento da garota. Alegria é amarela. Tristeza é azul. Medo, Nojo e Raiva são, respectivamente, roxo, verde e vermelha.

Apesar do orgulho da Alegria em evidenciar a predominância amarelo-brilhante no imenso setor de armazenamento, todas as emoções geram memórias. E isso não se trata de efeito criado na ficção, é a ciência quem diz. Segundo a crítica especializada, o diretor do longa-metragem, Pete Docter, recorreu a psicólogos e neurologistas para reunir as informações que deram origem ao roteiro.

Eu adorei o filme, assim como um grande público que sacramentou o sucesso da produção. E nunca mais deixei de pensar nas minhas memórias como aquelas infindáveis esferas, organizadas por temas e classificadas pela subjetividade emocional. Ainda não sei bem qual é o colorido de muitas delas, mas tenho certeza de que é o Afeto quem está no comando dos registros e dos resgates.

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Aliás, minha convicção é bem anterior ao filme. Lembro de inúmeras pessoas, situações e lugares impregnados de amizade, de carinho, de amor. Também tenho lembranças menos iluminadas, é claro, mas o espaço reservado a essas é bem mais restrito.

Como jornalista, muitas vezes construí as histórias que contei recolhendo memórias que o Afeto dos entrevistados armazenou. A fluidez de lembranças colecionadas por esse filtro é incomparável: a conversa deslancha e o tempo passa sem que se perceba. Quando afetos se encontram, então, os assuntos se expandem.

No caso, vem-me uma memória de afeto e saudade em tema sempre era Santa Maria. Eu, a curiosa. Ele, o estudioso, o artista, o apaixonado. Era 2002 ou 2003, e, uma vez por mês, Antonio Isaia ia até o Diário levar uma pasta com seus artigos que seriam publicados semanalmente. A coluna Santa-Marienses do Passado: Retratos e Relatos revelava uma pequena porção de suas inúmeras pesquisas e mostrava sua arte no desenho em bico-de-pena. Era uma dentre as várias coleções de imagens e registros históricos que ele preparou com paciência e persistência.

A cada visita, Isaia me mostrava o material que havia levado, sempre meticulosamente embrulhado em papel pardo e atado com barbante. Cada peça resgatava a trajetória de um personagem e de uma construção histórica, a maioria já desaparecida de nossas ruas. A intenção primeira era que não restassem dúvidas ou ambiguidades, pois a exatidão com os dados era uma prioridade. Então conferíamos cada uma das laudas datilografadas e as ilustrações que a acompanhavam. Mas era só o começo do tour pelo passado que seu amor por Santa Maria e sua memória me proporcionavam.

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Ele gostava de contar. Eu me encantava em ouvir. A Rio Branco que eu conheço jamais se descolou das palavras que reconstruíram o movimentado acesso que trazia inúmeros viajantes, recém-chegados na estação ferroviária, para o centro da cidade. E os palacetes ao longo da avenida de "amplo boulevard", como dizia. E as senhoras bem-vestidas na saída das missas na Catedral. Como eu saberia o que era o "footing", o vai-e-vem de jovens caminhando na Primeira Quadra, hoje Calçadão?

Agora, tendo a oportunidade de rever seus traços na série Santa Maria Antiga, enxergo linhas compostas por pontos de afeto. E me alegro em lembrar. 

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