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Projeto social revela atleta olímpico?

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Em 2001, conheci a canoagem por meio de um projeto social, que era desenvolvido em um clube particular de Santa Maria. Muito provavelmente, se não fosse por esta oportunidade, eu nunca teria nem mesmo colocado os pés em um clube de associados. O projeto que eu participava era vinculado à minha escola, que por sua vez era pública. Nessa escola, o único esporte praticado até então era o futebol (para meninos) e vôlei (para meninas), em um campo da comunidade. Diante de tudo isso eu posso dizer, então, que foi o projeto social que me levou para a Olimpíada?

Confesso que, inicialmente, eu acreditava que sim. Em várias entrevistas que dei, inclusive, fiz questão de citar que saí de um projeto social. Aliás, para mim, é motivo de orgulho. Entretanto, em uma altura do campeonato me dei conta de algo. No mesmo projeto que tive o privilégio de conhecer a canoagem, vi pelo menos 500 alunos passarem em um período de cinco anos. Eram jovens e crianças como eu, da periferia da cidade, ambicionando o sonho de serem atletas profissionais.

Mas por que só eu cheguei lá? A partir desse questionamento, percebi uma injusta inversão de valores. Existiu esforço da minha parte? É claro. Só eu sei o quanto me custou o sonho olímpico. Eu poderia remar por quilômetros no oceano formado pelas gotas de suor que derramei nessa jornada. Mesmo assim, percebi que era injusto eu me comparar à maioria dos meus colegas de projeto, que não conquistaram lugar de destaque no esporte mundial.

Eu me lembro que muitos deles se descolocavam até o treino sem ter nada no estômago. Quando o vazio não era de alimento, lhes faltavam afeto e acolhimento em casa. No que tange a uma família minimamente organizada, com presença efetiva e afetiva de figura materna e paterna, era uma exceção naquele cenário. Neste quesito, eu era o privilegiado. Outra questão latente era o envolvimento com as drogas, vi muitos colegas de remo se afogarem nisso, sem ajuda de ninguém para sair.

Sei que no esporte fala-se muito em talentos, que os campeões geralmente são talentosos. Pode ser que sim, a maioria dos que chegam no topo é porque carregam alguma predisposição física para o esporte. Mas isso não significa que todos os talentosos cheguem lá. Vi tantos talentos deixando o esporte por não darem conta das mais diversas adversidades, impostas pela posição social que ocupavam.

Alguém deve estar pensando na questão do esforço. De uma vez por todas, vamos entender que é um crime falar de meritocracia em um país aonde pessoas ainda morrem de fome.

Vamos deixar esse papo de meritocracia no esporte para os países de primeiro mundo. Os incomparáveis a gente não compara. Não se trata de ressentimento, mas sim de entendimento. Até porque eu cheguei lá. Nessa história toda eu fui o vencedor. Só que ao mesmo tempo em que reconheço o espaço que conquistei, com esforço, não posso perder de vista a realidade que me cerca. Isso é uma questão de humanidade. Se todos partirem do mesmo ponto, então poderemos avaliar outras questões. Enquanto isso não ocorrer, há alguém que está sendo sabotado nessa competição.

Em 2010, meu irmão e eu criamos um projeto social de canoagem na nossa comunidade, muito na ideia de oferecer a mesma oportunidade que um dia tivemos. Em 10 anos de experiência à frente desta iniciativa, entendi que formar um atleta olímpico é um processo complexo. Em nosso projeto temos caiaques, remos e estrutura física mínima, além de conhecimento técnico de excelência. Mesmo assim, existem condições externas da conjuntura social que não damos conta de conter. A solução que encontramos? Seguir buscando recursos para o projeto.

A ideia é atuarmos com uma equipe multidisciplinar no futuro, que une educação física, psicologia, assistência social, medicina, fisioterapia e nutrição. Sabemos que ainda assim, não teremos total controle do processo. No cenário social de periferia as variáveis são múltiplas, portanto, os desafios também. Pelo menos acredito que, a partir de uma visão mais ampla, podemos qualificar a oportunidade que oferecemos.

Hoje entendo que eu cheguei na Olimpíada muito mais por "sorte'' do que por cálculo. Não desconsidero a boa intenção de todos que se envolvem com projetos de esporte nas periferias de Santa Maria. Sou grato a chance que tive. Certamente é melhor o pouco do que o nada. Mas faço o convite para que possamos pensar além. Para que a nossa boa vontade seja ainda mais assertiva. Se não conseguirmos formar atletas olímpicos, ao menos que possamos, por meio do esporte, melhorar a qualidade do jovem de periferia. Para isso, precisamos unir boa vontade com recurso e conhecimento.

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