colunistas do impresso

Para minhas irmãs

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Posso dizer que já fiz muitas irmãs no caminho. Primas, comadres, bolsistas, alunas, amigas, confidentes. Inclusive, tenho uma cunhada que, de tão parecida e parceira, minha caçula questionava: 'vó, tens certeza que a tia Dionara não é tua filha?'. Essas "manas" foram aquelas que deram o abraço no momento certo e estenderam a mão quando precisei. Compartilhar dores e alegrias com essas mulheres foi fundamental para chegar, inteira, até aqui. Saber ouvir e ser ouvida, foi o laço que selou essa irmandade.

Entretanto, irmãs, com o mesmo pai e mesma mãe, tive duas. E dois irmãos. Hoje, porém, vou me permitir falar para elas. Por sermos mulheres, nossa trajetória foi mais compatível. Somos de uma geração que tinha o casamento como sinônimo de estabilidade e isto incluía aprender muitas lidas domésticas. Portanto, cruzamos mais pela cozinha da casa do que pela liberdade da rua, do inesperado, da aventura. Convivemos, por anos, com os discursos do que era ou não permitido para o feminino. Mesmo assim, minha mãe lutou, com todas as forças, para que a faculdade fosse um itinerário obrigatório. Repetia sempre: "vocês podem ter um diploma de piniqueira, mas só se casam depois que estiverem com ele na mão". Sabia que uma carreira nos daria mais autonomia. Um dos maiores medos dela era que os irmãos brigassem. Quando o temido acontecia, obrigava a ficarmos um tempo abraçadas, para nunca esquecermos que seríamos eternamente ligadas. Entre o ranger de dentes e promessas de "depois eu te pego" sussurradas ao pé do ouvido, obedecíamos. As muitas trocas de beliscões, mordidas, unhadas e xingamentos, invariavelmente, acabavam no seu colo, na busca de um consolo.

O aconchego sempre foi para todas, seguidos do eterno discurso: "não briguem, perdoa minha filha, um dia precisarão uma da outra".

Somos completamente desiguais. Apesar dos laços sanguíneos, o temperamento, em nada se parece. Uma zen demais, outra faceira em excesso e eu, a mais agitada. Aos poucos, fomos aprendendo a respeitar nossas diferenças. Com o tempo, compreendemos, na prática, o outro discurso: "quando tiverem filhos, vão me entender". Às vezes, me pego repetindo o ritual do final de tarde quando, na hora da Ave Maria, silenciosamente, minha mãe fechava os olhos e pedia paz e proteção para minha avó.

Como várias famílias, passamos por momentos dolorosos. A perda dos pais e irmão, enfrentar inventário, divisões e a falta da alegria na casa que sempre nos abrigou foram alguns. As raízes do passado fizeram com que conseguíssemos superar essa etapa. A confiança que temos uma na outra foi fundamental para que estejamos combinando a passagem dos meus sessenta anos. O plano é unir nossos pedacinhos e buscar sentir os que já se foram por perto. Apesar de o programa incluir dormirem as três no mesmo quarto, dessa vez, não será permitido acender o cigarro. Com o olhar mais manso de quem sabe o valor das coisas, encontraremos novamente o sorriso. Provavelmente seja a o aniversário mais esperado dos últimos tempos. Estar com partes importantes de mim será muito emocionante. Gostaria de ter a certeza de que minha mãe estará assistindo ao evento. Caso o sol brilhe nesse dia, vou pensar que é ela nos mandando sinais. Se chover, talvez sejam as lágrimas de felicidade de quem passou uma vida inteira desejando que esse amor nunca acabe. Obrigada Yara e Ana, por toparem todas as peripécias. Amo vocês!

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Um tapa na cara da descência Anterior

Um tapa na cara da descência

ESA  e UFSM Próximo

ESA e UFSM

Colunistas do Impresso