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OPINIÃO: Massaud Moisés, meu professor


Ensaio, rascunho, rabisco este texto há quatro meses. Desde abril, quando meu professor se foi, tento escrevê-lo. Agora, de repente, sai de mim um espasmo de encanto.

Retorno a uma sala de aula no Mackenzie, entre os anos de 1956 e 1958, no então chamado curso clássico. Não sou capaz de dizer quais os dias, mas é como se ele - a fazer a chamada dos alunos e algum não estivesse presente - afirmasse que quem lá não estava "faleceu esta madrugada". Ou - no correr de suas aulas - "estou ouvindo vozes; serão nozes ou avelãs?". A simplicidade é mais do que tudo. Fica para sempre.

Meu professor Massaud Moisés - antes de professor meu amigo - ensinou-me a literatura. Apresentou-me a Fernando Pessoa, despertou em mim o impulso ao estudo da novela de cavalaria. Pelas suas mãos fui ao Amadis de Gaula e circulei pelo século XVI, ao tempo - vejam bem! - em que não havia internet e era necessário frequentarmos a Biblioteca Municipal de São Paulo, onde hoje ainda está, na Rua da Consolação, borda da Praça Dom José Gaspar. Por lá eu ia, pelas suas mãos, à busca do Santo Graal!

Se eu for cretino - talvez seja... - ao ponto de afirmar ser versado em literatura, nada mais direi senão que sou produto intelectual do Massaud. Tornamo-nos amigos e visitei-o mais de uma vez em sua casa, onde falamos e falamos - não como professor e aluno, mas amigos - de literatura. Incorporei ao meu modo de pensar e de escrever o quanto aprendi com ele.

Depois o tempo foi-se indo, lentamente. Por conta da minha vinculação ao mundo jurídico e apenas esporádicos retornos à literatura, passamos longo tempo sem nos vermos. Voltei a encontrá-lo em 2011, quando me candidatei a membro da Academia Paulista de Letras (APL). Já não estava bem de saúde, mas me recebeu como o velho amigo de sempre, serenamente. Mais de uma vez eu disse a mim mesmo, em silêncio, que lá estava, na APL - e ainda estou - pelas suas mãos.

Repito o que lembrei linhas acima: descobri a poesia plenamente em Fernando Pessoa pelas suas mãos.

Um dia desses, falando do Madeira e do Jobim, escrevi aqui mesmo que a amizade, além de maravilhosa, é mágica. É assim como um campo de trigo lançado para além do horizonte, o que me faz dotado de um olhar sem fim. Em meu discurso de posse na APL, lembrei que em um poema jamais completado afirmei, quando jovem, ser o poeta da linha reta, pois a traçava curva. Digo-o agora outra vez pois aos 78 anos (completados semana passada, 19 de agosto) recomeço a adolescer. É como se cá estivéssemos, o Massaud e eu, a caminhar pelo pátio do Mackenzie, sob a sombra daquelas velhas árvores que hão de tê-lo acolhido - e um dia hão de me abraçar, espero - no infinito atemporal dos multiversos, lá no Céu.

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