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Distâncias


style="width: 100%;" data-filename="retriever">Em certas feitas já escrevi, aqui mesmo, a respeito das sólidas e exitosas uniões forjadas nos seios coletivos, nações sobretudo, quando deparadas com inimigo comum, externo, a fazer suprimidas as diferenças internas ao menos até a superação do agente estranho. Referi, eu bem me lembro, sobre a chance que o vírus de agora trazia consigo e com todas as mazelas de que ele é capaz de causar de, por momentos desta nossa existência mundana compartilhada, cessarmos as beligerâncias mútuas e direcionarmos as energias empenhadas contra os nossos, então, ao combate a este invisível, mas presente inimigo.

Ao chegar ele, o vírus, só nos exigiu segregação social, distanciamento físico.

Não demorou muito, ou nada, para que se reagisse, ou para que reagíssemos com mais que a mania, mas com o pendor da eleição de culpados. Nem bem se deram as primeiras mortes, as iniciais bancarrotas, as sucumbências psicológicas, e já se ouviam brados contra inúmeros, diversos, que não o agente patológico.

Se é que a recordação verdadeiramente me socorre (vi tanta coisa neste período que bem posso ser traído pela noção de realidade), no princípio, a culpa e assim o ódio, foi dirigido a um país e seu povo, a quem se atribuiu a deliberada criação laboratorial do inimigo por premeditadas intenções funestas e dominadoras dada a ideologia política lá adotada e suas óbvias (para alguns) sendas econômicas.

Por aqui, para além do dito, descambou imediatamente após, ou simultaneamente, a imputação de culpas a governantes. Se municipais, culpáveis pela falta de coragem ou desejo por repasses de recursos financeiros no ano que era eleitoral. Se estaduais, culpáveis pela busca de protagonismo a lhes habilitar a, quem sabe, uma disputa à presidência da república que só virá no ano que vem. Se federal, em razão da insensibilidade e ignorância de um governo incapaz de comunicar-se com seu povo e dar-lhe exemplo, crente em fábulas medicamentosas, voltado exclusivamente à manutenção do poder em suas mãos, mesmo que ao custo de milhares de vidas, inclusive tudo operando para sabotar a vacinação salvadora.

Ao Supremo Tribunal Federal, restou a injusta pecha de obstáculo ao chefe do executivo, pois na interpretação leiga da população ávida em opinar ou a só defender seu voto pretérito, a instituição é quem impediu a operação dos milagres salvadores de vidas e negócios que o presidente nunca tentou, tampouco concebeu ou planejou. Claro: sobrou para o parlamento, costumeiro culpado por tudo o que e o tanto quanto que por vezes nem ocorre.

Ah, vimos Brasil afora a crucificação dos especialistas (de verdade), que para alguns (não poucos) se acovardavam ou "certamente" exerciam alguma perniciosa defesa de interesses classistas e/ou individuais. Cientistas pelo mundo, e aqui na Boca do Monte médicos, passaram de indignos de confiança técnica e moral, até a ataques verbais. Depreciaram a Organização Mundial da Sáude...

Mais: Condenados o comércio, a indústria, as igrejas, bares, restaurantes, músicos, e por aí vai. A imprensa, então, admoestada sempre, por tudo e por todos. Quando divulgava números era alarmista para uns e omissa para outros, todos descrentes dos dados publicados.

Sobrou para todo mundo. Menos para o vírus.

A este, que como disse, só demandava distanciamento social físico por algum período, ninguém atacou (aqui excepciono os profissionais da saúde, de todas as categorias, e agentes públicos de toda a ordem que cumpriram seus deveres, na dimensão de suas humanas possibilidades).

Enquanto isso, já que todos distantes animicamente, ocupado com a gritaria humana recíproca, o vírus graça, avança, conquista, progride e mata.

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