“A decisão do STJ é perigosa porque deixa porta aberta para que processos possam ser anulados por qualquer fato”, diz procurador-geral de Justiça do RS sobre Caso Kiss

Após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manter a anulação do júri do Caso Kiss, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) se manifestou lamentando profundamente a decisão. Em entrevista à Rádio CDN, o procurador-geral de Justiça do Estado, Alexandre Saltz, reforçou o descontentamento e afirmou que a tragédia da boate Kiss merecia um olhar diferenciado do Poder Judiciário.

– Quero me solidarizar com a comunidade de Santa Maria que não consegue virar a página dessa triste história que assolou não só a cidade, mas o Estado e o país inteiro. Havia uma expectativa favorável do Ministério Público no sentido de que ocorreria uma mudança no rumo do julgamento e que estaríamos mais perto de encerrar esse triste capítulo da história do Judiciário gaúcho. Infelizmente, não foi isso que o Superior Tribunal de Justiça quis fazer – disse à CDN o chefe do Ministério Público Estadual.

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Saltz acompanhou o julgamento do recurso especial em Brasília. Junto com o procurador-geral de Justiça, estiveram a subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, Josiane Superti Brasil Camejo, os procuradores de Justiça Luiz Inácio Vigil Neto e Irene Soares Quadros, e a promotora Lúcia Helena de Lima Callegari, que atuou no júri em dezembro de 2021.

Procurador-geral de Justiça do Estado, Alexandre Saltz, acompanhou o julgamento do recurso especial em BrasíliaFoto: Rafael Luz (STJ)

O procurador-geral destacou que a decisão do STJ contraria o Código de Processo Penal, pois as nulidades alegadas pelas defesas não foram registradas na ata do Tribunal do Júri. Para Saltz, isso abre um precedente que deve causar preocupação não somente no Direito, mas em toda a sociedade:

– É importante deixar claro que nenhuma dessas nulidades que, agora, foram reconhecidas, constam na ata do Tribunal do Júri. Quem é do Direito sabe que se não está na ata, não está no mundo. A decisão do STJ é perigosa porque deixa uma porta aberta para que processos possam ser anulados por qualquer fato a qualquer momento. Isso gera uma insegurança jurídica enorme não só para o MP, mas também para os advogados e, acima de tudo, para a sociedade, para as pessoas que têm os seus interesses, no caso o direito à vida, envolvidos em processos judiciais. Isso é muito sério – comentou Saltz.

A partir de agora, o procurador-geral de Justiça afirmou que a expectativa é pelo novo julgamento. Paralelamente, o MPRS seguirá acompanhando o trâmite do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque, em agosto de 2022, quando o júri de 2021 foi anulado pelo Tribunal de Justiça do RS (TJRS), o Ministério Público Estadual recorreu ao STJ, com o recurso especial, e também ao STF, com o recurso extraordinário.

– Os desafios são acompanhar o recurso que têm em Brasília e aguardar pela designação do novo júri, que certamente ocorrerá em breve. Optamos, por estratégia, otimizar o julgamento, para que o novo júri aconteça, independentemente da apreciação do recurso extraordinário pelo STF, porque como a pauta do supremo está construída há muito tempo e se altera pelos fatos políticos que vão chegando. Vamos investir muito mais na realização de um novo julgamento, em Porto Alegre, para que os acusados dessa tragédia sejam trazidos aos tribunais novamente – reiterou Saltz.

Entenda

O incêndio

O incêndio aconteceu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. Morreram 242 pessoas e outras 636 ficaram feridas.​

O júri

Os quatro réus foram condenados no júri que durou 10 dias e ocorreu no Foro Central I, em Porto Alegre, em dezembro de 2021. Os sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr tiveram pena de 19 anos e 6 meses e de 22 anos e 6 meses, respectivamente. Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, vocalista e roadie da banda, que tocava na boate na noite do incêndio, tiveram pena de 18 anos.

Após o resultado, as defesas recorreram, afirmando que houve várias nulidades durante o processo.​

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Anulação

O pedido dos advogados foi analisado em 3 de agosto de 2022 pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Por dois votos a um, os desembargadores do TJRS entenderam que três nulidades eram válidasanulando, assim, o júri de 2021. Os quatro réus, que tinham sido condenados e cumpriam penas desde dezembro de 2021, foram soltos.

Depois disso, quem recorreu dessa decisão foi o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Em fevereiro deste ano, o MPRS submeteu um recurso especial ao STJ. O recurso especial é sempre dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. No recurso especial do Caso Kiss, o MPRS estava questionando a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O julgamento do recurso especial

No dia 13 de junho deste ano, o STJ começou o julgamento do recurso especial. Na oportunidade, o ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, destacou que nulidades precisam de comprovação de descumprimento de norma e um prejuízo para a defesa, não devendo se basear em argumentos “meramente retóricos”, mas sim em razões plausíveis.​

O ministro comentou cada uma das nulidades, afirmando que todas eram inválidas em função de não ter causado prejuízos aos réus ou de serem atingidas pela preclusão (perda de prazo de manifestação pelas defesas). Dois ministros pediram mais tempo para analisar o processo e o julgamento foi adiado.

Em 5 de setembro, o julgamento teve continuidade no STJ. Os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheironão reconheceram o recurso do MPRS. O desembargador convocado Jesuíno Aparecido Rissato considerou válidas duas nulidades, dando provimento parcial ao recurso. Já a ministra Laurita Vaz avaliou uma nulidade como válida e afastou as outras três alegações das defesas.

Por quatro votos a um a sexta turma do STJ não reconheceu o pedido do MPRS e manteve a anulação do júri de dezembro de 2021.

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