Pedido de vista

Julgamento do recurso do Caso Kiss é adiado; o que disse MP, advogados e relator no STJ

Julgamento do recurso do Caso Kiss é adiado; o que disse MP, advogados e relator no STJ

Após sessão de mais de duas horas, o julgamento do recurso especial do Caso Kiss no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi adiado. Isso ocorreu em função do pedido de vista de dois ministros, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior. Na prática, os representantes do tribunal solicitaram mais tempo para analisar o processo. Esse pedido foi feito logo após o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, fazer a leitura do voto favorável ao recurso especial, ou seja, afastando as nulidades alegadas pelas defesas dos réus, restabelecendo, assim, a decisão de condenação do júri de dezembro de 2021.

O julgamento do recurso especial do Caso Kiss começou por volta das 15h35min desta terça-feira (13), com o plenário do STJ, em Brasília, cheio. Antes de começar os trâmites usuais de análise e votação, a ministra presidente da 6ª turma do STJ, Laurita Vaz, falou sobre a complexidade e sensibilidade que requer o tema:

– Trata-se sem dúvida de mais um capítulo que traz angústia e sofrimento para os entes queridos das 242 vítimas e para os 636 sobreviventes. Esperamos que o julgamento represente mais um passo da caminhada de elaboração de um luto denso e profundo. Sem dúvida, esse episódio transcendeu os envolvidos, estará marcado para sempre como uma das piores tragédias vivenciadas pela nossa nação. Tocando e sensibilizando todos nós, brasileiros, em especial, a população de Santa Maria.

Dando sequência aos procedimentos jurídicos, a leitura do relatório foi dispensada e tiveram início as sustentações orais. As falas foram marcadas pelo debate em torno das três nulidades que embasaram a decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que, em 3 de agosto de 2022, anulou o júri de dezembro de 2021. Esse foi o momento em que se discutiu se as alegações trazidas nas nulidades eram relativas (pressupõe um vício processual não tão grave às partes, já que ofende normas que protegem interesse privado) ou absolutas (ofende normas de ordem pública, questão mais grave, portanto, e que pode gerar grandes prejuízos à defesa ou acusação). Também foi abordado em que medida essas nulidades trouxeram prejuízos para os quatro réus, Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão.

As nulidades em debate:

  • Sorteio de jurados (três ao invés de apenas um)
  • Reunião reservada entre juiz e conselho de sentença (sem a presença dos advogados de defesa)
  • Formulação de quesitos (perguntas) pelo juiz aos jurados que geraram dificuldade de compreensão
  • Inovação nas alegações (teoria da cegueira deliberada) do Ministério Público durante o júri (nulidade alegada apenas pela defesa de Mauro Hoffmann)


O que falaram cada parte e a votação adiada

A representante do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), procuradora de Justiça, Irene Soares Quadros, começou a sustentação relembrando os passos do processo e procurou argumentar que todas as nulidades apresentadas pelos advogados de defesa são relativas e não absolutas. Um dos exemplos citados pela procuradora foi a nulidade referente aos três sorteios de jurados (o usual é ser feito apenas um sorteio):

– O prejuízo que isso trouxe? Nenhum. O corpo de jurados foi todo do primeiro sorteio, do dia 3 de novembro de 2021. Na tentativa de evitar que o júri não se realizasse, o juiz optou por sortear suplentes em número superior. O STJ tem jurisprudência no sentido de que o sorteio em número superior é nulidade relativa e não absoluta. O que se pretende com isso é justamente se fazer justiça. 

A procuradora finalizou pedindo que o recurso do MP fosse acolhido e os réus presos novamente:

Na sequência, os advogados de defesa começaram as sustentações orais. O advogado de Luciano Bonilha Leão, Jean Severo, pediu um novo júri e reforçou que a defesa teve prejuízos em relação ao sorteio dos jurados. “Eu nem sei em que lugar se reuniram”, afirmou o advogado sobre a reunião reservada do conselho de sentença com o juiz.

– Não estou defendendo um cliente, mas um homem que saiu de casa para ganhar 30 reais e voltou com 242 homicídios nas costas. Luciano quer ser julgado por Santa Maria porque lá estão seus pares.

O segundo advogado que fez a sustentação oral foi Jader Marques, que atua na defesa de Elissandro Spohr. A posição crítica com relação às nulidades foi mantida e reiterada por Jader, que salientou os momentos em que peticionou procurações questionando a postura que estava sendo adotada pelo magistrado, juiz Orlando Faccini Neto, anteriormente e no decorrer do júri. Jader também frisou que as nulidades são absolutas.

– O magistrado mudava a todo momento o modo como faria a seleção dos jurados. Nós não sabíamos o que aconteceria. A reunião surpreendeu a todos, nos deixou perplexos.

Surpresa durante o júri foi um dos elementos questionados na sustentação oral de Bruno Seligman de Menezes, que defende Mauro Hoffmann. O pedido do advogado foi pelo improvimento do recurso, com a manutenção da decisão do TJ/RS e da liberdade dos réus. Conforme Menezes, os prejuízos estão claros diante da pena de sete meses cumprida pelos réus logo após o júri.

– A tônica das nulidades aqui discutidas se resumem a surpresas, jurados sorteados às vésperas do julgamento, reunião secreta entre juiz e jurados, argumentos acusatórios criados em série de réplica e quesitos construídos a partir de elementos fáticos afastados na decisão de pronúncia. A justiça pressupõe segurança e  estabilidade, jamais surpresa – pontuou Bruno

Tatiana Borsa, advogada de Marcelo de Jesus dos Santos, foi a última que fez a sustentação oral. Ela também procurou ressaltar que as nulidades são absolutas e que a defesa precisou lidar com situações que geraram prejuízo para os réus.

– Nesse momento aqui, repito, queremos justiça, não vingança. Não podemos acreditar que esse ou qualquer tribunal venha a imputar uma pena a quem não merece. (Pedimos) Improvimento do recurso para que seja mantida a decisão da 1ª Câmara Criminal que anulou o júri. Se assim não entender, que seja mantida a liberdade dos réus. Marcelo está trabalhando, se reerguendo e só não veio hoje porque não tinha condições financeiras – declarou Tatiana.

Em seguida, após a exposição dos advogados de defesa, que durou, no total, 30 min, a subprocuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez um pronunciamento. Ela insistiu que houve preclusão, por exemplo, na nulidade dos quesitos, que são as perguntas feitas pelo juiz no momento da decisão do resultado do júri. A preclusão, no caso, refere-se a perda da oportunidade das defesas se manifestarem sobre o tema naquele momento.

– Tem razão o Ministério Público do Rio Grande Sul quando considera que são nulidades relativas, que deveriam ter sido arguidas em um prazo processual definido em lei e não foram. Todas elas precisam de prova de prejuízo sobre o devido processo legal, sobre a imputação da culpa aos réus, e sobre a forma como se desenvolveu a defesa e a acusação no procedimento submetido ao tribunal do júri. Por essas razões, me parece que o recurso deve ser realmente provido para que as nulidades sejam afastadas e as sentenças condenatórias sejam restabelecidas – declarou.

O próximo passo após as sustentações orais foi o voto do relator do recurso especial, Rogerio Schietti Cruz. Durante a fala, o relator destacou que nulidades precisam de comprovação de descumprimento de norma e um prejuízo para a defesa, não devendo se basear em argumentos “meramente retóricos”, mas sim em razões plausíveis. O ministro comentou cada uma das quatro nulidades, afirmando que todas eram inválidas.

– É um julgamento de uma tragédia ímpar cujos efeitos se refletem nas vidas de familiares e de amigos das 242 vítimas fatais e dos 636 sobreviventes do incêndio, circunstâncias que indicam necessidade de maiores cautelas na realização de tal julgamento. Não identifico, portanto, nulidade no ato de convocar suplentes a fim de evitar ocorrência de estouro de urna.

Sobre as nulidades da reunião reservada entre juiz e o conselho de sentença e na formulação dos quesitos, o relator entendeu que houve preclusão. Rogerio também afastou a nulidade sobre a inovação acusatória em réplica (apresentada apenas pela defesa de Mauro Hoffmann), pois, segundo o ministro, “não houve imputação, mas apenas um recurso retórico em hipótese”.

– Parece-me que o juiz presidente do tribunal do júri Orlando Faccini Neto foi zeloso na efetividade da justiça. Tomou todas as providências necessárias para que o processo não se arrastasse por mais tempo. De outro lado, tanto antes quanto durante (o júri), deu sucessivas amostras de respeito às garantias das partes, ao se pautar com transparência, sempre aberto ao diálogo, com elegância, sem perder a firmeza. Eu concluo por não reconhecer o agravo de recurso especial do Luciano Bonilha Leão e por conhecer e dar provimento o recurso especial do Ministério Público do RS para afastar as nulidades reconhecidas – votou o ministro relator.

Com relação ao restabelecimento das penas, o relator falou que não é possível deliberar sobre esse tópico.

Logo após, a expectativa era que o restante da 6ª turma do STJ anunciasse o voto. Contudo, dois ministros, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior, pediram vista (mais tempo para analisar o processo). Com isso, o julgamento teve resultado parcial, sendo adiado para outra data, ainda não informada.


O incêndio

O incêndio aconteceu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. Morreram 242 pessoas e outras 636 ficaram feridas.


O júri

Os quatro réus foram condenados no júri que durou 10 dias e ocorreu no Foro Central I, em Porto Alegre, em dezembro de 2021. Os sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr tiveram pena de 19 anos e 6 meses e de 22 anos e 6 meses, respectivamente. Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, vocalista e roadie da banda, que tocava na boate na noite do incêndio, tiveram pena de 18 anos.


Anulação

No dia 3 de agosto de 2022, foram julgados os recursos de apelação dos quatro condenados no júri do Caso Kiss. Por 2 votos a 1, os três desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) chegaram à decisão. O desembargador e relator, José Manuel Martínez Lucas, foi o primeiro a se manifestar e se posicionou contra a nulidade do julgamento.

O revisor do caso, José Conrado Kurtz, que iniciou a carreira de juiz em Santa Maria, bem como Jaime Weingartner Neto, acataram o pedido de anulação, vencendo por maioria. As nulidades declaradas no documento dizem respeito ao sorteio dos jurados, reunião reservada do juiz com jurados e formulação de quesitos.

Assim, os quatro réus, que tinham sido condenados e cumpriam penas desde dezembro de 2021, foram soltos.


Os recursos

Após essa decisão, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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