eleições 2018: desafios nas estradas

8 cidades sem ligação asfáltica, buracos e estradas não duplicadas esperam pelos próximos governantes

Pâmela Rubin Matge

Foto: Renan Mattos (Diário)

A partir da greve dos caminhoneiros, em maio deste ano, a malha rodoviária foi alvo de levantamento e revelou a precariedade das rodovias no país. No Rio Grande do Sul, enquanto as finanças públicas agonizam, a infraestrutura das estradas anda na contramão do desenvolvimento dos municípios. Um levantamento do Anuário da Confederação Nacional do Transporte (CNT) referente a 2017 apontou que o crescimento das rodovias não acompanha a demanda de infraestrutura para o escoamento da produção nem para o deslocamento de pessoas. A frota de veículos aumentou 194,1%, de 2001 para 2016, mas a malha viária continua problemas de qualidade, comprometendo a segurança. No ano passado, mais da metade dos trechos avaliados apresentou danos. Do total da malha avaliada, 1,7 milhão de km, apenas 12,2% (210.618,8 km) têm pavimento.

Na região central do Estado, outro agravante: ainda há várias cidades sem acesso asfáltico, que esperam há anos por pavimentação. Pelos menos oito municípios aguardam por décadas.

Conforme a CNT, o Rio Grande do Sul é o Estado mais dependente do modal rodoviário do Brasil, o que torna imprescindível prever obras de ampliação viária, recuperação, drenagem, sinalização e serviços de manutenção de trechos pavimentados com objetivo de também diminuir o potencial de acidentalidade, e por consequência, evitar mortos. Essas são questões que têm de estar na agenda do próximo governador.

Já a área urbana de Santa Maria, a obra em andamento da Travessia Urbana, embora um projeto federal, deve contar com a articulação do próximo governo, e a ERS-509 com promessa de conclusão neste ano poderá ficará para ano que vem, configurando mais uma responsabilidade com a região. E um dos maiores gargalos do que diz respeito à mobilidade urbana da cidade é centrado na RSC -287, que está em campanha para duplicação e devem inflamar entidades empresarias e população em geral até que seja viabilizada.

Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário segue com uma série abordando que temas aguardam os próximos governantes para Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado . Neste fim de semana, a quinta reportagem mostrará um panorama da infraestrutura.

No Estado

  • Rodovias estaduais - 11.528,48 km, conforme a CNT
  • Rodovias federais  - 5.773,07 km, segundo a CNT
  • Ferrovias - 3.259 km* de linhas e ramais ferroviários utilizados somente para o transporte de cargas, Se acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

Foto: Renan Mattos (Diário)

HÁ DÉCADAS, MUNICÍPIOS ESPERAM PAVIMENTAÇÃO 
Ernesto Braida, 81 anos, era guri quando já andava em cima de carroças pela estrada denominada, hoje, ERS-516, em São Martinho da Serra. Na última terça-feira, enquanto dirigia um trator, o agricultor desabafou: 

- Vou morrer e não vou ver isso aqui asfaltado. Já veio até verba. Todo mundo promete, mas esses políticos são todos iguais. Em épocas de campanha enchem de placa, depois esquecem da gente, aqui, do interior. 

O trecho é mais uma das diversas estradas da região central do Estado na mesma situação: municípios que esperam por infraestrutura e creditam à pavimentação asfáltica o progresso de suas cidades. É que sem asfalto muitas empresas deixam de se instalar, bem como os produtos e fretes acabam encarecendo. A região, essencialmente agrícola, tem, em alguns desses trajetos, a principal via de escoamento da safra. Para o dia a dia da população, o acesso à educação, à saúde ou um simples deslocamento também sai prejudicado.

Enquanto o terreno das finanças públicas do Estado segue acidentado, a população sente no bolso e no cotidiano o abandono de suas estradas:

- Dirigi seis meses a ambulância e estou há três no ônibus. O que a gente faz em uma hora, poderia fazer em 30 minutos. Suspensão, pneus, tudo vai estragando rapidinho. Não há acostamento, tem buracos e falta sinalização. Com frequência, carros capotam por causa das pedras. No inverno, a cabeceira da ponte, que é de madeira, cai e tenho que voltar com o ônibus cheio de alunos - relata o motorista Anderson Cruz, 30 anos, que também dirige pela ERS-516 de segunda a sexta-feira.

Cidades como Pinhal Grande, Itacurubi, São João do Polêsine, Jari, Tupanciretã e Quevedos testemunham do mesmo drama. Assim como a pavimentação da ERS-348, em Ivorá. Em maio, completou 20 anos da assinatura da primeira ordem de serviço. Já em 17 de novembro de 2017, foi assinada outra ordem para início da obra que, segundo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), não começou ainda por problemas técnicos. Deverão ser investidos R$ 14 milhões e o prazo de execução é de 24 meses. Já no trecho que leva ao distrito turístico de Vale Vêneto, a VRS-823, não há nem sequer previsão de um dia receber asfalto, conforme o Daer.

- Trabalhei a vida toda na roça. Plantava fumo, soja, feijão e vendia para as cooperativas de Júlio de Castilhos e de Nova Palma. Sempre morei por aqui e nunca vi mudar nada. As estradas sempre desse jeito, passando o mandato e a promessa de um para o outro. O município de Ivorá tem dificuldade de receber até uma entrega no mercado - conta Paulo Simonetti, 64 anos, que também é agricultor.

ASFALTAMENTO É CRITÉRIO NA ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS
Carlos Félix, doutor em Mobilidade Urbana do Departamento de Transportes do Centro de Tecnologia (CT) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), enfatiza que, nas duas últimas décadas, novos municípios se constituíram sem ter a perspectiva da ligação asfáltica, que, agora, e, por direito, pleiteiam:

 - O desenvolvimento social e econômico dos municípios se embasa na forma de colonização, localização geográfica, recursos naturais, produção local, cultura e empreendedorismo. Mas nenhum deles se sobrepõe ao acesso pavimentado a outro ramal asfáltico ou a rodovias arteriais que interligam os grandes polos regionais. Este diferencial é critério principal na análise de captação de investimentos.

Félix defende, ainda, que a ligação viária com pavimentação prepondera na liberdade e na capacidade de deslocamentos de pessoas, bens e cargas, interferindo diretamente nos custos logísticos.

OITO MUNICÍPIOS DISTANTES DO ASFALTO

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

  • Itacurubi -ERS- 541 - São 25 km de chão batido para quem sai do município em direção a São Borja
  • Ivorá - ERS-348 - São 18 km de Ivorá ao acesso de Faxinal do Soturno. O trecho, que deveria ser mantido pelo Estado, acaba na conta da prefeitura. Segundo o secretário de Obras de Ivorá, Jonas Zancan, em novembro de 2017, o Daer emitiu um documento autorizando a manutenção da estrada pelos municípios
  • Jari - VRS -805 - Nos 24 km que chegam ao município de Toropi, alguns bueiros e sinalizações chegaram a ser instalados para receber, posteriormente, o asfalto. Mas a obra parou aí. A estrada foi até a prioridade apontada pelo orçamento participativo da cidade em mais de uma ocasião. Apesar do trecho ser largo, os desníveis atrapalham o tráfego. João Hohemberger de Oliveira, prefeito municipal, diz que a infraestrutura precária incide em prejuízos à população:                                                                                                     - Nosso polo de saúde é Santa Maria. Precisamos ir a consultas, hospitais e, há 20 anos, é a mesma coisa. O Estado diz que está endividado, que o problema é a falta recursos. Enquanto isso, ficamos aqui. O comércio e a economia também não se desenvolvem mais por não termos asfalto. Algumas empresas não querem nem fazer entregas aos nossos supermercados.
  • Pinhal Grande - ERS-149 - Quem percorre os 32 km de Nova Palma para Pinhal Grande começa o tráfego pela estrada de chão, segue pelo asfalto, encontra mais trecho de chão e novamente chegaà pavimentação. No entorno de um cerro com curvas acentuadas e vários buracos pelo caminho, não há asfalto por "questões ambientais e por ser uma área de preservação", segundo o prefeito Luiz Antonio Burin. Outro pequeno trecho com apenas 3 km sem asfaltamento não foi viabilizado, pois a estrada passava por uma propriedade particular. À época do asfaltamento, a empreiteira acabou indo embora sem terminar o serviço.                                                                                                                   - Nosso asfalto completo ficou só na promessa. Muitas gestões e prefeitos da Quarta Colônia se reuniram, fizeram audiências para conseguir. Isso tem um custo para o município. Um adubo de fora acaba chegando mais caro e até o valor dos fretes aumentam por termos estrada de chão - relata ele.
  • Quevedos - ERS-524 - Cerca de R$ 55 mil por mês é o que a prefeitura de Quevedos gasta para manutenção de uma parte da ERS-524, incluindo valor de combustível, maquinário e recursos humanos. Segundo a prefeita Neusa dos Santos Nickel, nem sempre o patrolamento e as cargas de cascalho são suficientes para amenizar os desníveis da via:                                                                                                                                                                                                                                                                                - A gente que está na ponta do problema é que escuta. Fizemos o que dá, mas o asfalto virou promessa. Tentamos pela prefeitura, por deputados, mas troca governo e nada acontece. Aí nosso município fica sem atrativos. Que empresa, médico ou bons profissionais vão querer vir?
  • São João do Polêsine - ERS -348 e VRS-82 - As duas estradas de chão batido estão com pedras soltas, mas não chegam a inviabilizar o fluxo de veículos. Na primeira, há cerca de 20 anos, ocorreu até licitação para instalação de galerias, mas o trabalho parou. A segunda é o principal acesso à rota turística do Distrito de Vale Vêneto. Ambos trechos são de responsabilidade do Estado, mas que precisam mensalmente da manutenção da prefeitura:                                                                                                                 - A empresa licitada quebrou, estão em renegociação com Estado e não há orçamento. Não temos esperança para ERS-348. Já o nosso cartão postal, que leva aos festivais de Vale Vêneto, também ficou só na promessa - lamenta o prefeito Sonego
  • São Martinho da Serra - ERS-516 - Além de substituir os 17 km de estrada de chão por asfalto, o município tenta há décadas, a substituição de uma ponte de madeira por concreto. A estrada . que é bastante irregular, também é o principal acesso a Santa Maria para onde diariamente deslocam-se ônibus escolares, ambulâncias e demais veículos.     - Foi anunciado o asfalto, mas nunca foram adiante. Toda população ficou na expectativa. Há 50 anos é assim. Nem a ponte que nos prometeram saiu. Quando chove, ficamos ilhados - conta o prefeito da cidade, Gilson de Almeida
  • Tupanciretã - ERS-392 - O secretário de obras de Tupanciretã, Giovani Dalmaso, resume: "Quando não é barro, é poeira. Quando não é atoleiro, é buraco". Os 42 km de chão batido na popular "estrada de Santa Tecla" é, sem dúvida, a reivindicação mais antiga de Tupanciretã.                     
    - Existe um projeto, mas não evolui. Seria uma obra relativamente barata perto de outras, pois não temos córregos, nem pontes, nem passagem de trem. Sem falar que nossa produção agrícola depende desse trecho - diz Dalmaso. 

DUPLICAÇÃO DE RODOVIAS

Foto: Renan Mattos (Diário)

Segundo dados do Plano Estadual de Logística de Transportes (Pelt-RS), a RSC-287 é o sexto trecho mais carregado do Estado, isto é, o de maior fluxo de veículos do interior do Rio Grande do Sul, já que outros cinco trajetos são da Região Metropolitana. Junto de outra rodovia, também estadual, a ERS-509, popular Faixa Velha de Camobi, pulsa a mobilidade urbana de Santa Maria, além de serem acesso para as demais cidades da região. Ambas tem sido motivo de constantes mobilizações por parte do município, entidades empresariais e população em geral.

A primeira foi foco, no mês passado, uma campanha pela duplicação dos 209 km de Santa Maria a Tabaí. O lançamento da "Duplica287" ocorreu em Santa Cruz. Com justificativas baseadas na engenharia de tráfego, as três cidades elaboraram um documento, assinado por associações comerciais, pedindo para que o governador e os deputados eleitos, em outubro, entreguem a rodovia à iniciativa privada como forma de viabilizar a duplicação da RSC-287 em toda a sua extensão.

Já a ERS-509, em processo de duplicação, chegou a ficar nove meses com os serviços paralisados por falta de pagamento à empreiteira, sendo retomada no início de julho, com o trabalho concentrado no viaduto com a Avenida Osvaldo Cruz e a Rua Antônio Botega. Iniciada em 18 de novembro de 2013, com a promessa de ficar pronta em dois anos, a duplicação dos 4,3 km da rodovia tiveram prazos de conclusão revogados diversas vezes. Segundo o último anúncio do Estado, até novembro deste ano os serviços serão finalizados. 

O cenário é de expectativa e m meio à pressão: as medidas em relação as rodovias preocupam os usuários e aumentam carga de responsabilidade, sobretudo, dos próximo gestores estaduais.

O professor Carlos Félix assinala que a demora na conclusão do viaduto da ERS-509 associada com a capacidade viária já comprometida da RSC-287, especialmente no trecho até ao campus da UFSM e a Ala 4 (antiga Base Aérea), afetam diretamente as atividades da cidade, impactando sobre a mobilidade com sérias consequências. Entre elas, congestionamento, redução da velocidade média de circulação dos veículos, além de problemas relativos à segurança, sobretudo, de pedestres. 

- Esse deve ser um compromisso assumido pelos futuros governantes. O trânsito neste trecho, principalmente, nos horários de pico, torna-se caótico impondo um custo elevado e crescente para todos. Pela dimensão que a situação atingiu torna-se imperioso que o poder público adote uma postura mais efetiva no enfrentamento do problema, que compromete a competitividade da economia e a qualidade de vida da população - avalia o professor.

TRAVESSIA URBANA ATÉ 2020

Foto: Renan Mattos (Diário)

Ainda não foi concluída e, no mínimo até 2020, haverá muito trabalho na obra de duplicação dos 14,5 km da Travessia Urbana de Santa Maria. O serviço começou em 16 de dezembro de 2014 e completou 45 meses atingindo um total de 62% dos trabalhos concluídos. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a previsão é que a conclusão fique para 2020. Nos últimos anos, emendas parlamentares contribuíram para o andamento do trabalho. Cabe, pois, à bancada gaúcha e ao futuro governador seguir na articulação que permita a viabilidade de um dos mais importantes projetos que irão impactar na modernização, segurança e ampliação da capacidade do fluxo das BRs 287 e 158.

NA CIDADE FERROVIÁRIA, PROJETOS QUE NÃO SAÍRAM DO PAPEL
É inquestionável que dois grandes projetos federais que contemplam Santa Maria e região não devam ser tratados de perto pelo próximo governador: a Travessia Urbana e a Ferrovia Norte-Sul. Anunciada ainda em 2012, a ferrovia ligaria Panorama (SP) a Rio Grande, passando por Santa Maria. No Coração do Rio Grande, consagrado berço ferroviário, o trecho iria de Itaara em direção a Camobi e a Arroio Grande, seguindo em direção ao Distrito de Pains, segundo traçado informado pela própria Valec, estatal que cuida das ferrovias. Porém, nada saiu do papel.

O professor da UFSM, Carlos Félix enfatiza que para colocar a cidade e o Estado "nos trilhos", seriam necessários investimentos de R$ 4,77 bilhões, somente para a construção da Ferrovia Norte-Sul, conforme consta no Plano Estadual de Logística e Transportes do Rio Grande (Pelt). Contudo, o custo-benefício seria positivo.

- A participação de trens no transporte de carga no Estado vem caindo desde 2011 atingindo em 2016 apenas 57% do que movimentava cinco anos atrás, e que este recuo se dá no transporte de grãos por falta de vagões especializados. O Rio Grande do Sul tem demanda na agropecuária e seus insumos e linhas de maior potencial para o transporte de cargas. Dentro desta visão, deve ser considerada a oportunidade da construção da ferrovia, aumentando a disponibilidade para fretes e evitando o uso indiscriminado do transporte rodoviário de cargas e a deterioração da infraestrutura.

O QUE CABE A CADA UM

  • Deputados e senadores - Deliberar, votar e fiscalizar o Executivo, inclusve, de Intervenção no Domínio Econômico (Cide),criada pela Constituição de 1988, cobrada sobre combustíveis, que deve ser empregada em projetos de infraestrutura urbana de transportes coletivos ou não motorizados, além de subsidiar os preços de combustíveis e investir em projetos ambientais, decorrentes da poluição causada pelos transportes. Está em discussão a criação do Fundo Nacional de Infraestrutura (Fnit), com investimentos nas áreas. Também priorizar emendas em projetos de Transporte, Trânsito e Mobilidade
  • Governador e presidente - Os Executivos devem priorizar os investimentos conforme previstos nos Planos Logísticos e de Transportes, tanto estadual quanto nacional, atendendo dessa forma, que o emprego desses recursos tenham maior alcance e propiciem o desenvolvimento social e econômico da nação. Fazer investimentos na formação de equipes técnicas qualificadas para acompanhamento de projetos e planos governamentais e a capacitação das agências reguladoras para cumprirem seus objetivos. Também investir, especialmente, em programas de educação e segurança para o trânsito, tais como os provenieNtes de multas, taxas e impostos.

*Por Carlos Félix, professor do Departamento de Transportes do Centro de Tecnologia (CT) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

PARTICIPARAM DESTA REPORTAGEM
Texto e produção: Pâmela Rubin Matge
Fotos: Gabriel Haesbaert e Renan Mattos 

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