reportagem especial

Estrada do Perau, 5,1 km de histórias e um patrimônio turístico a ser potencializado

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Marcelo Oliveira (Diário)

Um ato em um dos três mirantes localizados no limite entre Santa Maria e Itaara, no dia 27 de maio, reforçou uma parceria entre as prefeituras para a preservação e a valorização de um conhecido trecho: a Estrada do Perau. Intitulada Arte no Perau, com pinturas de representantes do coletivo Instituto Art 13/40, a ação integra o ReViva o Perau e prevê definir, por meio de edital, artistas que pintarão murais nos mirantes da estrada. Porém, o edital acabou sendo transferido, e segundo a prefeitura, será publicado ainda na primeira quinzena de junho.

Se a cultura ganhou espaço em plena área histórica de Santa Maria, já que a estrada foi tombada como patrimônio pela Lei 4.950, em 16 novembro de 2016, a necessidade de considerar aspectos ambientais, turísticos, econômicos e históricos do trecho urgem e têm décadas.

Ainda na semana que antecedeu o aniversário do Coração do Rio Grande, as prefeituras vizinhas trabalharam na revitalização da área com serviços de limpeza da calçada e acostamento, poda de árvores, reposição do calçamento e lavagem e pintura dos mirantes localizados ao longo do trecho. É verdade que ainda há muito a se desenvolver e permanecer na via, sobretudo as constantes manutenções que ofereçam condições de trafegabilidade e segurança a pedestres, ciclistas e motoristas. Essa é, a propósito, uma das principais reclamações de quem cruza pelo trajeto.

A coleta de resíduos sólidos e a recorrente problemática do descarte irregular do lixo na região também é tarefa a ser discutida e melhorada pelo poder público e, principalmente, por uma mudança de postura da população. O secretário de Meio Ambiente de Santa Maria conta com apoio da comunidade e faz um apelo.

- É uma importante e antiga ligação entre Santa Maria e Itaara, entre o planalto e a depressão, que além dessa relevância histórica, tem enorme valor paisagístico - argumenta.


Foto: Pedro Piegas (Diário)

 NOVIDADES NA ROTA

Contudo, no caminho de 5,1 km entre Santa Maria e Itaara, repleto de histórias e personagens, também existem projetos que podem o reforçar potencial da região. Entre eles, o de uma rota gastronômica, cuja iniciativa é do município de Itaara e a instituição de uma unidade de preservação ambiental, pelo executivo municipal de Santa Maria. Moradores dos dois municípios, bem como visitantes das mais diversas cidades, aguardam desde já.


 COMPROMISSO COM A BIODIVERSIDADE

Marcelo Oliveira (Diário)

A Estrada do Perau supera o Rebordo do Planalto (grande degrau entre o planalto e a depressão) e está inserida no Bioma Mata Atlântica. A estrada está integra um fragmento muito bem conservado de mata, com toda a biodiversidade característica da região. Inclusive, com frequência, animais são vistos no trecho em perigosas travessias, principalmente grandes grupos de quatis. Outros bichos já foram avistados na via ou próximo da mata, como graxains, gatos-do-mato, veados, serelepes, gambás e ouriços. Não é por acaso que, há cerca de dois anos, estão instaladas quatro placas sobre a fauna e sobre a importância da preservação.

Segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Santa Maria, por meio da Secretaria de Comunicação, a estrada também está inserida na área de conservação natural da sub-bacia do Rio Vacacaí Mirim, definida na Lei de Uso e Ocupação do Solo, onde podem conviver homem e ecossistemas, sem grandes impactos ou traumas ambientais. Por isso, são áreas que permitem o turismo ecológico, atividades culturais, educacionais, recreativas, de lazer e loteamentos, desde que respeitados os recursos naturais.

Boa parte da Estrada do Perau atravessa a zona núcleo do Corredor Ecológico da Quarta Colônia, instituído pelo Estado em 2014 com o objetivo de promover a conservação da biodiversidade por meio de estratégias de gestão territorial que mantenham ou recuperem processos ecológicos, especialmente o fluxo gênico e de organismos. Por estar no Bioma Mata Atlântica, possui regime protetivo especial definido pela Lei nº 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica).

COMPENSAÇÃO

Estuda-se, ainda, a possibilidade de ser instituída a faixa de estrada - de domínio municipal - como unidade de conservação, inclusive de forma a aplicar recursos oriundos de compensações ambientais diversas, deixando o local mais aprazível e possibilitando melhorar o monitoramento e a fiscalização.

A Secretaria de Meio Ambiente também pretende instalar duas chamadas "passagens de fauna". E, em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, a Secretaria de Cultura e a Secretaria de Esporte e Lazer, planeja-se alternativas para uso e a atratividade do local, especialmente nos mirantes. Os detalhes e datas para essas alternativas não foram informados ao Diário.

DESCARTE IRREGULAR


Marcelo Oliveira (Diário)

Recentemente, a Guarda Municipal e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, com apoio da gestão do Parque Natural Municipal dos Morros (por estar na Zona de Amortecimento da Unidade de Conservação), fazem rondas alternadas para coibir descartes de resíduos e vandalismos no local.

Ocorre, segundo servidores municipais que trabalham no trecho, de o local ser limpo durante a semana e, dois dias depois, sobretudo com a intensificação de visitas nos finais de semana, haver um acúmulo de garrafas PETs, embalagens, pneus e resto de comida. Não raro, são flagrados e autuados motoristas de caminhonetes carregadas de lixo, que saem da cidade para fazer o descarte ao longo da Estrada do Perau.

FOMENTO AO TURISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL

"Reviver o Perau" e reiterar a apropriação do espaço é uma responsabilidade que extrapola o poder público e conta com a cultura de preservação da população, segundo a prefeitura de Itaara. Além da ação de grafite conjunta com Santa Maria, está prevista a revitalização dos totens com informações turísticas e campanhas educativas ao longo do ano. No dia 22 de junho, a prefeitura de Itaara fará o plantio de árvores nativas do bioma da Mata Atlântica na estrada. A ação terá a participação de todas as secretarias do município.


Foto: Pedro Piegas (Diário)

Segundo o responsável pela comunicação institucional, Zenir Oliveira, o município trabalha para a criação da rota turística gastronômica. A ideia é que o projeto da iniciativa seja finalizado até julho deste ano. Segundo a prefeitura, a estrada possui, além do tradicional Bar do Perau, cabanas e pousadas. Para a segurança do trecho, que já conta com uma câmera de vigilância sincronizada à Brigada Militar e à Policia Rodoviária Federal, também há a ideia é de investir em novos equipamentos e fazer parcerias com a comunidade de Itaara. Os prazos, porém, não foram informados. O que também não tem data, mas, segundo a prefeitura, é uma das prioridades é a de abrir uma nova licitação para coleta do lixo, já que os caminhões não passam na estrada, e o recolhimento tem sido feito pela Secretaria de Obras.


HISTÓRIAS QUE NÃO CABEM EM 5,1 KM


Marcelo Oliveira (Diário)

Até o ano de 1840, onde situa-se o trecho de 5,1 km que liga Santa Maria a Itaara, pertencendo a esse município 2 km, era um lugar esquecido e isolado. Foi em plena revolução Farroupilha, por ordem do governo republicano, que foi aberta uma estrada estratégica com o nome de "Picada do Pinhal" com largura suficiente para o tráfego de tropas e carretas. À época, a capital rio-grandense era Caçapava do Sul e na eventualidade do envio de tropas em direção a Cruz Alta , ou no caso de uma retirada estratégica, seria o caminho seria encurtado em cinco léguas. O percurso antes era feito pela Estrada de São Martinho da Serra.

Anos mais tarde, por contornar a montanha beirando barrancos profundos, ficou conhecida por "Estrada do Perau ". As informações integram uma pesquisa do militar aposentado Carlos Gomide, 73 anos, que pretende reunir os levantamentos históricos em um livro.

Outro fato que conta nos ensaios bibliográficos é que em 1885 foi criado um pedágio pelo governo da província, o que revoltou usuários contra o pagamento de uma espécie de imposto. A Câmara Municipal de Santa Maria da Boca do Monte, atendendo às reclamações dos usuários, por meio do então presidente da Casa, o vereador Gaspar Pereira da Silva, mandou um relatório à Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul, que acatou o pedido e extinguiu o pedágio.

Ao longo das décadas, sem empedramento, a erosão abria enormes fendas na via e, em épocas de chuvas, só transitavam carretas puxadas por juntas de bois. Foi só em 1942 que o trajeto foi totalmente calçado com paralelepípedos, que começam na Rua Amâncio Pires de Arruda, no Bairro Campestre do Menino Deus, e termina na junção com a BR-158 .

CHÁCARA DO AMOR

Uma curiosidade, bastante disseminada por populares, é que foi na Estada do Perau que se teve o "primeiro motel a céu aberto" da cidade. Na década de 1980, os proprietários de um terreno situado no início da estrada cobravam a entrada de carros, cujos condutores iam até lá para namorar. O local ficou conhecido como "Chácara do Amor".


O MELHOR PASTEL E A POPULARIDADE DE TIO LITO

Arquivo pessoal

Ele jura conhecer cada metro da estrada e sabe cada um dos 29 buracos do trecho, pois vai e volta de Itaara para Santa Maria pelo menos três vez por dia. Mas tão conhecido quanto a estrada é ele: Dilvio Silveira de Moura, 77 anos, o "tio Lito. Proprietário do tradicional Bar do Perau desde a curiosa data de 9 de setembro de 1999 (9/9/99), faz do estabelecimento homônimo à estrada uma espécie de ponto turístico, sobretudo, pela fama do sabor inigualável de seus pastéis. O bar, porém, começou com uma "venda de madeira" que já existia no outro lado da via, desde 1995. A troca para a sede atual ocorreu junto do projeto urbanístico da estrada.

Divorciado três vezes, pai de quatro filhos e avô de dois netos, vive em uma casa aos fundos do estabelecimento. Tio Lito tem o dom de transformar clientes em grandes amigos. E não é à toa. Agregador, ele um é piadista nato, dono de um humor peculiar. Por muito tempo, anunciava os pedidos dos fregueses por meio de um alto-falante: "fulano seu lanche está pronto. Pode retirar no balcão".

- Aqui não tem frescura. Se eu estou atendendo, alguém vai e se serve. Gosto muito do Perau, minha reclamação é sempre a pavimentação, mas principalmente a falta de fiscalização das prefeituras nos serviços que contratam - desabafa o dono do bar.

Arquivo pessoal

Tio Lito conta que gente do mundo todo já comeu seu pastel, até quem mal pronuncia palavras em português. Isso porque o local costuma reunir professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que, com frequência, levam intercambistas e pesquisadores de outros países. Entre a coleção de histórias que guarda fresquinhas na boa memória, o dono do estabelecimento recorda de uma viagem a Rio Grande, no sul do Estado, anos atrás. Ele andava pela cidade quando ouviu uma voz solicitar: "me vê um pastel? Era um antigo cliente.

Outro público fiel ao Bar do Perau são motociclistas trilheiros. A parada é obrigatória não só pelo bar estar na rota dos passeios, mas pela receptividade do dono do estabelecimento.

- Frequento há mais de 12 anos. É ponto de encontro no sábado à tarde, pois chegamos ali para fazer um lanche e conversar. Sempre somos bem recebidos com o carinho e com as brincadeiras do tio Lito, que é muito meu amigo - conta o militar Leandro Barbosa, 43 anos, que integra o motogrupo de trilheiros Mão no Bucho.




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