reportagem especial

'É preciso financiamento adequado, visibilidade na propaganda eleitoral e respeito', diz coordenadora de comissão feminina do TRE

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Débora do Carmo Vicente é mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015-2017). Atualmente é coordenadora da Comissão de Participação Feminina Institucional do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS). Em meio ao trabalho junto à Justiça Eleitoral e a demais representações, participou da 60ª Reunião da Comission on the Status Of Women CSW - UN-NY(Comissão da Situação Jurídica e Social da Mulher) na Organização das Nações Unidas (ONU) em março de 2016. Ao Diário, ela fala sobre a minirreforma eleitoral de 2021, eleições e o cenário das mulheres na política. Na última quinta-feira ela concedeu entrevista ao Diário que integra a reportagem especial sobre os 90 anos do voto feminino e a representatividade da mulher da política

Confira:

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Diário - O voto feminino no Brasil completou 90 anos. Como a senhora avalia essa trajetória?
Débora Vicente - A primeira eleição no Brasil ocorreu em 1532, isto é, homens votam e são votados há 490 anos e, 90 anos após, nós mulheres termos conquistado o direito ao voto e de sermos votadas, nosso desafio é efetivar, tornar realidade o direito de sermos votadas, eleitas e ocuparmos os espaços de decisão. Para que isso se perfectibilize é preciso financiamento adequado, visibilidade na propaganda eleitoral, respeito e igualdade de condições. Ou seja, superar desafios simbólicos, estruturais, sócio-culturais, financeiros e políticos.

Diário - E, no ano passado, tivemos alterações na legislação eleitoral, a popularizada minirreforma, com mudanças para as mulheres na política. Que reflexo social podemos esperar?
Débora -
Convencionou-se chamar de minirreforma eleitoral as alterações que ocorrem nos anos anteriores aos anos eleitorais, em observância ao Princípio da Anterioridade Eleitoral ou Anualidade Eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição de 1988, o qual prevê: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência." O objetivo desse princípio é trazer estabilidade e segurança jurídica às eleições. É a forma de garantir ao eleitor e ao candidato que as regras não serão alteradas no meio do jogo. Em 2021, a mudança legislativa além de alterar a data da posse dos governadores, presidente da República, tratar sobre fidelidade partidária e consultas populares, estabelece que os votos dados a candidatas mulheres e a pessoas negras serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) nas eleições de 2022 a 2030. A ideia é que assim os partidos terão real interesse em aumentar o número de mulheres e pessoas negras eleitas sob suas siglas, pois economicamente elas valerão o dobro para a eleição seguinte.


Diário - E, até então, a falta de incentivo financeiro influenciava no número de mulheres na política?
Débora -
A verdade é que hoje não há incentivo financeiro para os partidos terem mais mulheres eleitas, então, muitas agremiações apresentam candidaturas femininas sem potencial, apenas para cumprir a cota legal, inclusive gerando o que se convencionou de chamar de candidaturas fictícias ou fraudulentas ou "candidaturas laranja". A título ilustrativo, 14.473 candidatas a vereadoras nas eleições de 2016 não receberam nenhum voto sequer, nem o seu próprio voto, em contrapartida há 1.704 candidatos homens sem votos computados . Convém admitir que este número vem mudando, pois, em 2020, 3.454 candidatas mulheres receberam zero votos, enquanto 1.843 homens não tiveram votos. Vamos ver se esse incentivo econômico vai conseguir o que as cotas legais ainda não conseguiram, que é aumentar o número de mulheres eleitas.

Diário - E neste ano há uma novidade que pune a violência política contra as mulheres, correto?
Débora
- Esta será a primeira eleição em que teremos a violência política contra as mulheres tipificada como crime pela Lei 14.192 de 2021, um marco legal para o tema na seara eleitoral, já que altera o Código Eleitoral, Lei das Eleições e Lei dos Partidos Políticos, estabelecendo normas para prevenir, punir e combater a violência política contra a mulher. A lei vem sendo alvo de críticas, na medida em que prevê proteção à "candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo" e sendo a candidatura um ato jurídico formal que só se perfectibiliza após deferimento do registro pela Justiça Eleitoral, há preocupação com as "pré-candidatas". Vale referir que a Lei 14.197/2021, que altera o Código Penal, trazendo os crimes contra o Estado Democrático de Direito prevê no novo art. 359-P o crime de violência política sem a restrição formal de "candidata a cargo eletivo", voltado a proteger o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, com sujeição a pena de reclusão de três a seis anos, e multa, além da pena correspondente a própria violência empregada. Até então, a legislação brasileira não tinha normas para garantir a proteção legal às mulheres, então, será mais uma novidade para ficarmos atentos na eleição de 2022.

NOS 90 ANOS DO VOTO FEMININO, A LUTA É POR ESPAÇO, REPRESENTATIVIDADE E MAIS CARGOS ELETIVOS

Diário - E o número de mulheres em cargos políticos ainda é baixo em relação a outros países...
Débora
- O Brasil, em um ranking mundial que mede a presença feminina nos parlamentos, encontra-se na posição 145 dentre 193 países. Classifica-se atrás de países como Iraque, Afeganistão e Arábia Saudita. Entre os 33 países latino-americanos e caribenhos, o Brasil está na posição 31, à frente apenas de Belize e Haiti. Atualmente, são apenas 77 parlamentares na Câmara de Deputados, o que representa pouco mais de 15% do total. Segundo dados do TSE, em 2018, foram eleitas nove mulheres para atuarem como deputadas estaduais, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, dos 55 cargos em disputa, um percentual de 16,36%. Dos 31 deputados federais que representam o Estado do Rio Grande do Sul no Congresso Nacional, apenas três mulheres foram eleitas, 9,09%. Mas existem Estados em pior situação, como Amazonas, Maranhão e Sergipe, que não elegeram deputadas federais. Além disso, apenas uma mulher foi eleita governadora, nas eleições de 2014 e 2018. Vale destacar que a representatividade feminina no comando dos Estados vem decaindo, pois em 2002 foram eleitas duas mulheres, em 2006, três, e em 2010, duas governadoras. Vale pontuar que Porto Alegre, em 2020, tornou-se a única capital do país que conseguiu superar a marca de 30% de mulheres eleitas para o Legislativo municipal.

Diário - Pode-se adiantar algum cenário quanto à representatividade feminina nas Eleições de 2022?
Débora -
Muito difícil prever, todos os estudiosos no tema estão na expectativa. Sobre o tema de mais mulheres na política, eu gostaria de combater dois mitos: o primeiro deles é que "mulheres não votam em mulheres". Basta relembrar que o Brasil já teve uma mulher eleita presidente, e demonstrar que no primeiro turno da eleição presidencial de 2010, as candidatas Dilma Roussef (PT) e Marina Silva (Rede) angariaram juntas 62,91% dos votos válidos daquela eleição, somando quase 66 milhões de votos. Ou seja, quase 63% da população do Brasil votou em uma mulher para ser presidente do Brasil, evidenciando que o problema não é o preconceito contra as candidatas mulheres, mas sim a baixa visibilidade destinada, em regra, pelos partidos políticos às candidatas. Ademais, basta citar que em 2020, mulheres estão entre as mais votadas em 13 capitais, Porto Alegre foi uma delas. O mesmo ocorreu em 2016, quando mulheres foram as mais bem votadas em quatro capitais: Porto Alegre, Belém, Recife e Belo Horizonte. Outro mito a ser combatido é o de que as mulheres não se interessam ou não querem participar da política, e por isso não se candidatam e, portanto, não são eleitas. O fato é que as mulheres já representam mais de 44% das filiações nos partidos políticos brasileiros. Ninguém filia-se a um partido político por falta de interesse ou de vontade de participar da política. O que se percebe é que as mulheres não chegam aos cargos eletivos por diversos obstáculos que se apresentam em sua trajetória política. Um deles é o financeiro. Em regra, constata-se menor financiamento para as campanhas das mulheres independentemente de sua experiência política. Além disso, gostaria de destacar a importância do papel dos partidos políticos no incremento da representação das mulheres na política. Eles são o elo essencial para alcançar a igualdade e a participação inclusiva das mulheres.

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