Deni Zolin

Caso Ford foi decisão estratégica que envolve vários problemas. Mas serve de lição ao Brasil

A decisão da multinacional norte-americana de deixar de de fabricar carros no Brasil está ligada a diversos fatores que foram se somando - mas a empresa seguirá vendendo veículos aqui, só que trazidos de outros países. Querer colocar a culpa só em A ou B é simplificar demais um problema muito complexo. Para começar, nenhuma grande empresa iria deixar de produzir no Brasil e desistir de vender produtos populares, como os Ford Ka e Ecosport, que deixarão de ser vendidos aqui no país, antes de lutar muito. É um mercado de 200 milhões de pessoas.

A atual crise econômica, provocada pela pandemia, apenas acelerou a tomada de decisão da montadora norte-americana. A Ford decidiu estrategicamente com base, primeiro, numa grande transformação pela qual está passando a indústria automobilística. Nos últimos anos, todas as montadoras mundo afora estão se obrigando a investir pesado na instalação de bem mais robôs para os processos de fabricação, o que reduz a mão de obra, além de produção com tecnologia 3D e inteligência artificial - a Volks, por exemplo, investiria R$ 2,7 bilhões em sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP), para modernizá-la e instalar 373 novos robôs. Porém, isso faz também com que as fabricantes não precisem mais produzir veículos em países periféricos, onde a mão de obra é barata. Além disso, é uma questão de custo benefício. Como robotizar ainda mais uma fábrica é muito caro, a Ford optou por modernizar apenas as montadoras de alguns países. E daí, entram os problemas do Brasil, como carga pesada de impostos, guerra fiscal entre Estados, burocracia e complexidade fiscal, que reduzem a margem de lucro das indústrias. Isso tudo é resultado das inúmeras reformas que o Brasil deixou de fazer nas últimas décadas. Devido a essa realidade, a Ford optou por seguir fabricando em países mais competitivos.

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Hoje, a Ford tem 7% do mercado brasileiro, contra 17% da GM. Nessa nova estratégia, a empresa criada por Henry Ford já confirmou que vai focar em produtos mais caros e tecnológicos, como Mustang, picapes e utilitários, que serão trazidos de outros países e vendidos no Brasil. Portanto, talvez conseguirá manter a mesma lucratividade que tem hoje aqui no país, mas com um gasto e uma energia muito menores, focando apenas em explorar um nicho de mercado. Com isso, não precisará manter milhares de operários nem investir bilhões em modernização de fábricas, reduzindo muito seus riscos. Em dezembro, a alemã Mercedes-Benz já havia anunciado o fechamento de sua fábrica de carros de luxo em Iracemápolis (SP), que havia sido inaugurada em 2016 - há só 4 anos. No setor empresarial profissional, as decisões difíceis são tomadas antes que a situação se agrave. Porque, se deixar para mudar tarde demais, pode significar a quebra da empresa.

Outro fator que pode ter influenciado na decisão da Ford é a popularização dos carros elétricos, que deve ocorrer em breve. Por que investir pesado em fábricas no Brasil que, em breve, podem se tornar obsoletas? Seria muito gasto e pouco tempo para ter retorno. Ou seja, prejuízo na certa.

É possível que outras montadoras acabem tomando decisões semelhantes nos próximos anos. E a culpa não será só de um ou outro. Vi muita gente criticando a saída da Ford por "culpa do atual governo Bolsonaro". Na prática, a maior culpa é da transformação do setor automobilístico e da falta de competitividade do Brasil, que tem a ver mais com governos das últimas décadas - isso passa por FHC, Lula, Dilma e Temer. Bolsonaro tem pequena parcela de responsabilidade porque assumiu prometendo resolver esses problemas, mas ainda não conseguiu. E porque não inspira confiança no mercado empresarial ao ficar causando mais polêmica do que fazendo reformas.

Fechamento da fábrica de Camaçari reacende a polêmica da Ford em Guaíba

Com o fechamento da tão falada fábrica de Camaçari, na Bahia, que acabou inaugurando, no início deste século, a montadora que a Ford desistiu de instalar em Guaíba, aqui no Estado, ressurgem agora as discussões daquela época. O então governador Olívio Dutra, do PT, foi considerado culpado por ter expulsado a Ford do Rio Grande do Sul, por não ceder os incentivos que a empresa queria. Nesse aspecto, direita e esquerda terão seus argumentos para dizer, agora, quem estava certo ou não. Mas, de novo, a realidade não é tão simples e é uma questão de custo-benefício. Qual o retorno que a fábrica da Ford teria dado ao Rio Grande do Sul, nesses 20 anos, se tivesse ficado em Guaíba, mesmo que o Estado abrisse mão de certos impostos?  

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Apesar de eu ser contra a guerra fiscal e aos incentivos só para certos setores ou empresas, é inegável que, se a Ford tivesse ficado no Rio Grande do Sul, teria valido a pena, pelos milhares de empregos diretos e indiretos, além de tributos gerados. Além do mais, o governo da Bahia já negocia para que grupos chineses, coreanos ou japoneses comprem o complexo de Camaçari para seguir fabricando veículos lá. Ou seja, provavelmente, a Bahia seguirá sendo beneficiada pela fábrica construída lá.

Por outro lado, são, sim, exagerados os incentivos fiscais dados às montadoras, para compensar a grave falta de competitividade do Brasil. A cada crise e ameaça de demissões de 1 mil ou 2 mil funcionários, as montadoras acabavam recorrendo aos governos passados para pedir desonerações de impostos. Com disse o economista Marcos Lisboa, em 2019, em evento para as fabricantes de veículos, as próprias montadoras acabaram se acomodando e deixando de se modernizar e se tornar mais eficientes quando recorriam aos governos para pedir socorro. O resultado disso está agora. Ao solucionar os problemas imediatos, fomos maquiando a realidade e deixando de pressionar pela solução dos graves problemas do Brasil. Se não fosse dado um jeitinho, quem sabe a crise seria maior e obrigasse governo e Congresso e fazer uma reforma tributária, que nunca saiu.

Mas esse cenário revela que reformas são urgentes, para evitar que a situação, já complicada, agrave-se - não só para montadores de veículos, mas para todo o setor empresarial.



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