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Uma saudade que não passa nunca

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Meu pai, Alfeu Pizarro, foi um dos primeiros enfermeiros de Santa Maria. Naquela época, não existiam os cursos de enfermagem. E nem de técnicos em enfermagem. Eram ministrados cursos rápidos, de algumas semanas. Feitos estágios em hospitais de Porto Alegre. E eram nomeados pelo presidente Getúlio Vargas com uma portaria declarando-os "práticos-licenciados". Estou falando dos anos 1940 e anos 1950. Os dois primeiros enfermeiros dos quais tenho notícia em Santa Maria foram meu pai e o seu companheiro Olmiro Vargas, de apelido "Varguinhas".

Meu pai trabalhou no Centro de Saúde 7, que funcionava à Rua do Acampamento, no prédio onde hoje está a Sociedade Italiana. Ali ele foi responsável, por mais de 40 anos, pela Sala de Vacinação. Lembro de alguns colegas dele, embora eu fosse um garoto: Julinha Nunes da Silva (servente), Tolentino (portaria), Vicente de Oliveira (de apelido "Vicentão", do qual eu ganhei meu primeiro livro de presente, "As Aventuras de Tibicuera", de Érico Veríssimo), Dona Maria (do Raio-X), Dr. Massot, Dr. Crossetti e Dr. Izidoro Lima Garcia (pai), médicos que chefiaram aquela repartição e tantos outros.

Além de trabalhar no Centro de Saúde, meu pai trabalhou no Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), uma criação do presidente João Goulart, uma das coisas mais sérias que já existiu no Brasil em matéria de assistência pública. Meu pai participou da equipe do SAMDU desde a sua inauguração, tendo por chefe o médico militar baiano, Dr. Raymundo Braga.

Depois dele, o chefe do Posto 4 do SAMDU em Santa Maria foi o Dr. Clândio Marques da Rocha. Eu fui seu auxiliar administrativo, depois de ter prestado concurso público entre mais de 150 candidatos e ter tirado primeiro lugar. Ali convivi com cerca de 100 funcionários (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, motoristas, porteiros, atendentes, serventes, burocratas). Além do Dr. Clândio, pelo qual tenho imenso carinho (fez um horário especial - permitido por lei - para que eu pudesse fazer meu curso de Agronomia na UFSM), lembro de quase todos : Dr. Ronald Bossemeyer, Dr. Eugênio Streliaev, Dr. Agostinho, Dr. Meyer, Dr. Oz, Dr. Mazza, etc...

De sorte que meu pai trabalhava durante o turno diurno no Centro de Saúde e 15 vezes por mês também acumulava o trabalho do período noturno no SAMDU. Eu o via, portanto, muito pouco. Além disso, tinha os clientes particulares que o contratavam para que ele desse injeções a domicílio.

Era uma vida dura. Criou a mim e minha irmã de forma digna. Conseguiu formar os dois. E levou quase oito anos para construir uma casa própria, de alvenaria.

Uma coisa que meus amigos sempre invejaram na minha vida estudantil era o fato de meu pai, embora de difícil situação financeira, ter aberto uma conta com crédito ilimitado na Livraria do Globo, cujo gerente era o seu Valdemar Cavalheiro. Graças a isso eu pude ter, como estudante universitário, uma biblioteca com mais de 600 volumes. Graças ao sacrifício do meu pai. Lembro bem de que eu já tinha casado quando meu pai conseguiu quitar toda a conta dos meus livros.

Aos 84 anos, fez uma cirurgia cardíaca para correção duma anomalia nas válvulas do coração. Operou-se numa quarta-feira. Ao entardecer do domingo (9 de maio de 2004) , quatro dias depois, faleceu com ruptura de aneurisma da aorta abdominal. Foi velado na sala de sessões da Câmara de Vereadores, ex-vereador e vereador emérito da cidade que era. Sua morte teve ampla divulgação pela imprensa, pois liderava o movimento da Terceira Idade e era pessoa com livre trânsito na mídia. Presidiu o Conselho Municipal de Idosos, era presidente do Grupo Mexe Coração e lutou pela implantação da Delegacia do Idoso, pioneira no Estado. Seu enterro teve enorme acompanhamento de idosos, políticos, sacerdotes, amigos, vizinhos, público em geral. Foi um grande homem. E um pai fora-de-série.

Cada domingo dedicado aos pais sinto um aperto no peito.

E uma saudade que não passa nunca.

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