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PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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Quarentena na quarentena

Juliana Petermann 
Professora universitária

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Se tem um tipo de gente que, teoricamente, está apto a viver em quarentena são as mães. Isso porque os meses de gestação parecem ser uma preparação para o que virá depois do nascimento do bebê. No entanto, mesmo que culturalmente se convencione que toda mãe esteja preparada, na verdade, não há treinamento suficiente para encarar o puerpério: o momento de afastar-se do trabalho, de reduzir a sociabilidade e experimentar modificações físicas e psíquicas. Por crendices e proibições, esse período de resguardo já foi, inclusive, pior. Hoje sabe-se que, ao contrário do que se dizia, é possível tomar um bom banho e lavar os cabelos. Todo dia, inclusive, é só querer e conseguir tempo na nova rotina com o bebê. Também é possível apostar em cardápio variado, derrubando o mito de que as puérperas deveriam ingerir somente canja de galinha.

UM TEMPO INESPERADO

Somente no dia e na maternidade em que meu filho nasceu, nasceram outras catorze crianças. A maternidade, lotada, acumulava plaquinhas de nomes de bebês nas portas dos quartos. Assim, eu e muitas outras mulheres - mães de bebês nascidos no início do ano - vivemos a nossa quarentena de um jeito inesperado: ela não apenas não acabou como está elevada ao quadrado. É quarentena na quarentena. Tem sido ambíguo viver esse período que é, ao mesmo tempo, histórico para mim - registrado como o tempo em que venho aprendendo a ser mãe - e também histórico para a humanidade.

SEM APOIO, COM SEGURANÇA

De acordo com um provérbio africano "é preciso uma aldeia para criar uma criança". Não contar com uma rede de apoio é reinventar a maternidade diariamente. Além de ficar sem rede de apoio, ficamos também sem a rede de pitacos, o que, em princípio, até seria positivo. Mas quem é que vai olhar para o meu bebê e dizer se está com muita ou pouca roupa, mais corado, menos corado e que tal fralda não presta? Quem é que vai dizer que são os dentes, que esse choro é cólica, que está mamando muito ou pouco. Os pitacos são fonte de experiência e eliminá-los exige que se corra dobrado. Além disso, sinto muito por não poder compartilhar o sorriso do meu filho e solicitar que alguém lhe ceda um colinho por alguns minutos. Por outro lado, percebo o privilégio de estar segura em casa com o meu companheiro, podendo dar atenção ao nosso filho, resguardando a fragilidade de seus primeiros meses de vida. Agradeço muito por, em meio a tanta brutalidade lá fora, poder viver tanta doçura aqui, dentro de casa.

Quem tem boca vai a Roma (ou seria Lisboa?)
Eni Celidonio 
Professora universitária


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Quem é burro pede a Deus que o mate e o Diabo que o carregue! Ouvi essa frase durante metade do meu Curso Primário, de uma professora chamada Maria Helena. Ainda vejo a expressão dela, os cabelos "negros como a asa da graúna" sempre bem penteados, a pele morena de sol, os dentes bem brancos e um jeito só dela de levantar os braços, olhar para cima e soltar essa frase que nos deixava estarrecidos. Qualquer errinho de matemática, qualquer barulho na "Leitura Silenciosa" e ela soltava esse mantra. Eu não sabia o que era pior: se era morrer pelas mãos de Deus aos oito/nove anos ou o Diabo me carregar... Isso foi há mais de meio século e eu ainda lembro.

Mas quem não tem suas frases guardadas na memória? Eu guardo algumas, nem tanto pela frase em si, mas pelo contexto. Por exemplo, meu pai repetia ad nauseam "primo nosce te ipsum", que ele fazia questão de dizer que era uma versão chique do popular "macaco olha seu rabo". Meu professor de Português do Colégio Pedro II, Cândido Jucá Filho, repetiu durante dois anos do Curso Clássico: "se você é brasileiro nato, vive no Brasil e ainda não aprendeu a Língua Portuguesa, não vai aprender mais nada nessa vida"!

EMBROCAÇÃO NA GARGANTA

As farmácias distribuíam almanaques, como o Eucalol, que traziam várias frases de pensadores famosos em meio a anúncios de Vick Vaporube, Magnésia de Phillips, Anginotrat e o nosso terror: Colubiazol. Não conhecem Colubiazol? Explico: era um remédio cor de cobre, oleoso, que servia para que se fizesse embrocação na garganta inflamada. Ah, nunca ouviu falar em embrocação? Era assim: colocava-se uma mecha de algodão em volta do indicador, amarrava-se com uma linha, molhava-se o algodão com Colubiazol e pincelava-se na garganta inflamada, enquanto o doente berrava, chorava e esperneava, pelo menos até operar para, glória das glórias, só se alimentar de sorvete.

Tinha até uma moda de ter caderno de frases importantes, a tal ponto que, em 1973, Chico Buarque lançou uma canção que subvertia todos os provérbios populares: Ouça um bom conselho/que eu lhe dou de graça/inútil dormir que a dor não passa./Espere sentado/ou você se cansa/está provado, quem espera nunca alcança!

O PROFESSOR CELSO

Mas a frase que mais eu tenho lembrado é a que ouvi na Faculdade Nacional de Direito, do professor Celso Duarte de Albuquerque e Mello. O professor Celso era uma figura ímpar. Professor Adjunto de Direito Internacional Público, era o único que fumava cachimbo em aula e tinha uma voz arrastada, de carioca que cumpria uma obrigação, podendo estar na praia. Começava sempre a aula com "Meus filhos, bom dia!"... Pois bem, em pleno ano da graça de 1972, sob a égide do General Médici, ele repetia na maioria de suas aulas "Meus filhos! Lembrem-se: em caso de dúvida, estou com o governo, mas se a dúvida persistir, eu estou com as Forças Armadas".

Acho que tem ministro por aí que foi aluno do professor Celso também...

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