plural

PLURAL: os textos de Giorgio Forgiarini e Rogério Koff

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Nobres em fuga 
Giorgio Forgiarini
Advogado e professor universitário


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Em 1807, a Coroa Portuguesa se retirava de Coimbra em fuga ao temível exército de Napoleão. Consideradas imbatíveis à época, já tinham as forças imperiais francesas dominado quase a íntegra da Europa continental. A invasão de Portugal era iminente. De fato ocorreu.

Ao chegar em terras lusas, as tropas do General Junot se depararam com um território vazio, sem rei, sem governo. Secreta e inadvertidamente, a Corte de Dom João VI havia se evadido da Europa, mas não sozinha. Trouxe consigo cerca de 16 mil membros da alta aristocracia portuguesa e, obviamente, toda a riqueza que conseguiria carregar.

Junto da comitiva veio metade das moedas em circulação em Portugal, além de ouro, prata e diamantes que, curiosamente, haviam sido levados do Brasil. Nem mesmo livros e o tipógrafo imperial foram esquecidos. Tudo veio para cá. Para trás apenas um povo desolado e desesperado, que se sentia traído por quem antes era objeto de devoção.

Os poucos "nobres" (atenção às aspas) que restaram em Coimbra foram orientados a bem receber os franceses. Chegaram a corteja-los. Acreditavam que, se não oferecessem resistência, poderiam ser preservados pelos invasores. Ledo engano. Quando destituída a Dinastia de Bragança, hasteada a bandeira francesa no Palácio Real e sequestrados os bens da nobreza, aí sim dignou-se Dom João VI a declarar guerra.  

SABE MOÇO

Sendo mais cioso com a verdade, a declaração de guerra não foi exatamente uma declaração de guerra. Não foram manejados exércitos para combater os franceses. Os líderes militares portugueses, em sua maioria, haviam fugido para o Brasil. Resumiu-se Dom João a autorizar que seus vassalos fossem hostis aos franceses. Apenas isso.

E eles o fizeram. Com foices, tridentes, paus, pedras e aos gritos de "Morra a França", populares portugueses se meteram em lutas brutas e feias e fizeram de Portugal o inferno de Napoleão. Um alvoroço, desde o começo até o fim.

Debelada a ameaça francesa, Dom João VI retorna a Portugal acompanhado de muitos de seus coronéis, não sem antes raspar os cofres do recém criado Banco do Brasil que, vazio, só viria a ser reaberto em 1829. Em Coimbra, "tudo como dantes no quartel de Abrantes", para utilizar uma expressão surgida justamente nessa época. Viu-se cintilarem anéis, assinaturas em papéis e honrarias para heróis, mas não para os verdadeiros heróis. Para estes em vez de medalhas, cicatrizes de batalhas. Nada mais!

A VIRTUDE

Nem toda história traz consigo uma moral, mas essa, sem dúvida, traz: a valentia pode fazer com que um povo subjugue os exércitos mais poderosos, mas não evitará que permaneça vassalo se não vier acompanhada de virtude.

Em tempo: Por "virtude", leia-se "consciência de classe". Eis a única e verdadeira virtude capaz de emancipar um povo! 

Cultura do cancelamento

Rogério Koff
Professor universitário

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Amáquina esquerdista de assassinar reputações é cruel. Conheço pessoas que receiam assumir que são de direita porque não desejam ser chamadas de racistas, fascistas ou homofóbicas. A nova expressão da moda, referendada pela mídia progressista, é "cultura do cancelamento". Funciona assim: qualquer pessoa ou empresa que tiver um comportamento "errado" ou "inadequado" aos olhos da esquerda, acaba sofrendo um boicote. Tudo começa nas redes sociais, onde patrulheiros vigiam comentários politicamente incorretos e partem para o ataque contra seus inimigos imaginários. Estas campanhas de difamação logo produzem consequências ainda mais perturbadoras, como veremos a seguir.

A esquerda acredita ter o monopólio sobre as virtudes. Pessoas que não se enquadram no pensamento progressista dominante são constantemente acusadas por seus "crimes de opinião". Quem desconhece ambientes universitários pode não acreditar no que digo, mas asseguro que já fui vítima destes grupos quixotescos e seus ataques histéricos.

ASSASSINATO DE REPUTAÇÕES

Tratarei de alguns episódios recentes. O primeiro envolveu Roger Scruton, falecido no início deste ano. Um dos intelectuais conservadores mais importantes dos últimos anos, Scruton publicou livros em campos variados como ética, política e estética. Em 2018, sua contribuição em estudos sobre arquitetura lhe rendeu um convite para a direção de um conselho interministerial responsável pela construção de casas populares financiadas pelo governo britânico. Mas Scruton sequer conseguiu assumir, por conta de ataques movidos pela mídia progressista, que o acusou, dentre outras coisas, de islamofobia e antissemitismo. Pouco importou que as acusações tenham resultado de uma campanha deliberada de difamação conduzida por um editor chamado George Eaton, que publicou trechos distorcidos de uma entrevista com Scruton. Depois da molecagem, Eaton foi flagrado bebendo champanhe e comemorando a derrota dos conservadores.

SUPREMACIA BRANCA

A mais recente vítima da cultura do cancelamento foi um norte-americano de 47 anos chamado Emmanuel Cafferty. Na época dos protestos pela morte de George Floyd pela polícia, ele voltava do trabalho dirigindo seu carro com o braço para fora da janela. De forma distraída, estalava as juntas dos dedos da mão esquerda. Um desconhecido ultrapassou seu carro e capturou a cena com a câmera do celular. O gesto foi interpretado como símbolo de movimentos de supremacia branca. Duas horas depois do episódio, Cafferty recebeu um telefonema de seu supervisor avisando que havia sido denunciado nas redes sociais por racismo. Cinco dias depois, seus patrões o demitiram.

No carnaval de tendências da atualidade, os fanáticos da cultura do cancelamento parecem a versão esquerdista dos terraplanistas. A diferença é que, pelo menos, os terraplanistas são inofensivos.

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