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Paz e ternura, Santa Maria

Na busca de um visão menos emocional sobre a tragédia da Kiss e reconhecendo a sua relevância jurídica, desde o início dos acontecimentos venho arquivando documentos e publicações a respeito do tema, na tentativa de uma análise imparcial e técnica.

Entendia que a realização do julgamento criminal seria o início do fim. Vejo que me enganei. Abriu-se, desde então, uma discussão jurídico-penal que vai muito além do fato, revelando a necessidade de uma mudança total de paradigmas que, como toda a transformação radical, passa por um período de polêmicas e discussões. Exemplifica-se com as recentes manifestações críticas em relação à decisão do STF que sustou o "habeas corpus" deferido, que agora tem ocupado o centro das discussões jurídicas.

Sem ter a pretensão de entrar no mérito das decisões, ouso referir uma verdade mal escondida que tenho testemunhado especialmente junto aos colegas da área do Direito: o entendimento de que o trauma e a repercussão social, somada à dor dos familiares e sobreviventes, foi o que motivou a tipificação do crime, a condenação pelo júri e também o que definiu a pena dos quatro acusados.

A própria estratégia da defesa em levar o júri para Porto Alegre tem sido questionada. Os sete integrantes do Conselho de Sentença, durante os dez dias de julgamento, vivenciaram todo o horror da tragédia e não tiveram tempo de elaborar o luto, o que já havia acontecido com a população de Santa Maria no decorrer desses oito anos.

As reações espontâneas do próprio juiz, as perguntas dos representantes do Ministério Público e aquelas encaminhadas pelos jurados, demonstraram que algumas informações eram inéditas e estarrecedoras. Soma-se a isso a forte e sofrida presença dos familiares que despertava um compreensível sentimento de solidariedade e de empatia. Era como se o fato tivesse sido julgado ao calor dos acontecimentos, sendo perfeitamente previsível o resultado.

Há muito tempo, juristas defendem a necessidade de ser superado o sistema binário do Direito Penal, onde o réu é "bom ou mau", "culpado ou inocente", pois ela apresenta uma visão reducionista do ser humano. É preciso que a solução punitivista e carcerária seja ultrapassada através da chamada Justiça Restaurativa, onde a questão humana possa ser analisada e confrontada pelo diálogo, interação e encontro entre as partes envolvidas: vítimas, ofensores e comunidade.

A tragédia da Kiss seria um caso ideal para se pudesse por em prática esse modelo, mas a paz e a ternura de Santa Maria ainda é apenas uma esperança. Nenhuma organização estatal, privada ou mesmo religiosa tomou uma iniciativa mediadora na busca de soluções para a pacificação e o equilíbrio, o que certamente atenuaria as dores não somente dos envolvidos, mas de toda a sociedade.

O que não pode acontecer é que, em nome de um abalo emocional coletivo, venham a ser tomadas decisões que ferem direitos fundamentais seculares, entre eles o próprio direito de defesa e de um julgamento justo.

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