
Os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2018, divulgados recentemente por uma das mais importantes entidades da sociedade civil do país nesse campo, dão conta de que um policial militar ou civil foi levado a óbito a cada 24 horas no ano passado no Brasil, ao passo que 14 pessoas morreram em confronto com as polícias diariamente. Além da imprescindível reflexão e tomada de consciência do Estado e da sociedade acerca do tamanho continental desse flagelo, que vitima fatalmente mais de 63 mil pessoas por ano, ou seja, 175 cidadãos(ãs) por dia, esse estudo técnico revela a importância de uma maior e melhor atenção pública aos cuidadores que atuam na área da segurança, policiais militares, civis, federais, rodoviários federais, guardas municipais, peritos criminais e agentes penitenciários.
Também eles, por óbvio, seres humanos, vítimas da letalidade das violências no meio urbano (e rural) do país, sem olvidar suas responsabilidades socioprofissionais na observância do correto e adequado uso da força, outro desafio civilizacional contemporâneo. Levantamento realizado na última sexta-feira pela Gaúcha ZH acerca da participação de candidatos gaúchos da área da segurança nas eleições de 2018 demonstra um crescimento de 47%, passando de 36, no último pleito eleitoral, para 53 postulantes das polícias e das Forças Armadas, em geral da reserva, nas eleições proporcionais deste ano. Paradoxal e tragicamente, o maior engajamento desses profissionais não tem elevado o nível do debate público às reais causas e fatores de risco que estão na base do cometimento da vitimização letal e dos crimes violentos no Estado. Pelo contrário, majoritariamente, esses(as) candidatos(as) reforçam a imbecilizante separação entre "nós", "cidadãos de bem", e "eles", "bandidos", agudizando a lógica do confronto, que é parte do problema, e não da solução, como apregoa, ingênua ou indisfarçadamente, o senso comum punitivo, ao reforçar uma espiral de violência que, justamente, se quer enfrentar.
A par disso, continua ausente da cena pública a necessidade imperiosa de se zelar pela integridade física e psicológica dos(as) cuidadores(as) da segurança dos direitos da população. É fato corrente que as condições de trabalho deficitárias e o parcelamento reiterado dos salários concorrem para agregar ainda mais estresse, frustração e desesperança em um contexto já bastante prejudicado pela escalada da criminalidade violenta, cada vez mais municiada pelo emprego de armas de fogo de grosso calibre e pela capilaridade do poderio econômico movimentado pelas facções criminais, dentro e fora das prisões, na inconsequente "guerra às drogas", que marca, historicamente, a política criminal gaúcha e brasileira.
Não por outra razão, entre as 90 propostas concretas da Agenda RS Pela Paz, lançada pelo Instituto Fidedigna, está, já no seu simbólico e primeiro eixo intitulado "Gente, Governança Integrada e Sustentabilidade Financeira", a implementação do "Programa de Saúde Mental do Profissional da Segurança Pública", através da proposição de Projeto de Lei (PL) pelo Poder Executivo Estadual à Assembleia Legislativa para instituir apoio psicológico permanente aos plantonistas de delegacias, policiais militares, guardas municipais, agentes penitenciários e peritos criminais que atuam na ponta, contemplando a realização periódica de pesquisas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) para, ao menos, mitigar os efeitos da somatização das dores cotidianas que constituem o trabalho policial e da segurança com foco prioritário na prevenção dos suicídios e no tratamento das doenças mentais que acometem, em patamares assustadores, os(as) profissionais dessa área. Cuidar dos(as) cuidadores(as) é medida imprescindível para qualificar e aprimorar a qualidade do serviço público prestado a "nós", aqueles(as) que são cuidados, por "eles" e "elas", os(as) cuidadores(as)"!