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Mais que apenas números nas estatísticas

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Quanto mais próxima de nós, mais real a morte se torna. Esta indesejada senhora, com a qual normalmente, quando a vida segue seu fluxo lógico, temos os primeiros e dolorosos contatos na infância e adolescência, com a perda de avós e parentes idosos, segue sua trilha de ceifas, levando consigo nossos pais e tios. Todavia, muitas vezes, há inversão desse processo lógico e pais precisam enterrar filhos, o que agrega um componente inimaginável de dor às vidas e às tragédias pessoais de quem se vê confrontando com tamanho sofrimento.

Mesmo para quem tem convicção de que a morte é apenas o encerramento de um ciclo e o início de um outro, pleno de possibilidades de renovação, os sentimentos nascidos da separação física e da perda afetiva abrem buracos em nosso peito e machucam as certezas de que o afastamento é temporário, apenas um hiato que adiante se fechará, transformado em reencontro.

É possível que alguém esteja a se perguntar as razões pelas quais estou enveredando pelo tema morte de forma aparentemente menos impessoal, em um tempo de perdas coletivas tão drásticas, tão contundentes e tão subestimadas por autoridades que deveriam ter a humildade de - pelo menos isso - fazendo um mea-culpa, reconhecer que não tiveram e não têm comportamento adequado no enfrentamento da pandemia que já vitimou mais de 120 mil brasileiros, seja simplesmente por agir de forma negacionista seja por difundir ideias sobre o uso de miraculosas panaceias que se contrapõem a tudo quanto a ciência e o conhecimento acumulado indicam ser verdadeiro.

Disse, no início, que a morte, como regra, se torna tão mais real quanto mais próxima fica de nós. E não é diferente nestes intrigantes e estranhos tempos de Covid-19. Todos nós, certamente, conhecemos alguém que enfrentou o coronavírus e, eventualmente, alguém que teve perdas em razão dele, perdas nas quais se incluem familiares, amigos, vizinhos, conhecidos.

Não sou diferente da maioria e tenho amigos queridos que enfrentaram e venceram a doença. Mas, agora, também tenho amigos que a enfrentaram e não resistiram às complicações dela decorrentes. Nos últimos dias, dois amigos foram levados pela "gripezinha" do presidente da República, deixando viúvas desconsoladas e subtraindo de netos a possibilidade da prazerosa e enriquecedora convivência com os avôs. Mas isso, para muita gente, nada significa senão um débil reforço nas estatísticas, pois, afinal, o que são 120 mil mortos diante dos números de mortes por câncer, acidentes, etc, etc. E quando chegarmos a 150, a 200 mil mortos estes, infelizmente, ainda serão apenas números na estatística alarmista de quem quer prejudicar o novo e truculento salvador da pátria.

Pena, queridos Rui Paim e Breno Sanches, que, fora dos círculos familiares e dos amigos, entre quais semearam amor e generosidade, vocês tenham se transformado apenas em dois números a mais nas estatísticas das mortes pela "gripezinha", da indiferença pela vida e do desprezo oficial pelo sofrimento alheio.

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