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A cortina do abraço

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O entardecer ensolarado nas ruínas da Gare de Santa Maria apresenta uma luminosidade esplendorosa. Por isso, nesse horário, muitas pessoas costumam ir até o local para fotografar.
Há algum tempo, naquele local, observava um pai acompanhado de seu filho, com 5 ou 6 anos de idade. Estavam no antigo local de embarque, quando ele entregou para a criança o seu celular, explicando como fotografar. Achei a cena pitoresca, pois os papéis se invertiam: o fotógrafo pedia para ser fotografado. O rapaz se distanciou para que os trilhos aparecessem na imagem, enquanto a criança posicionava a câmera.

Naquele momento se aproximou um trem por detrás do menino, sem que ele percebesse, quando soou o forte e tradicional apito. A criança assustada, sem nem mesmo olhar para trás, correu em direção ao pai que se agachou e a recebeu num forte abraço. Ela deitou o rosto em seus ombros e se aconchegou a ele fortemente. Foi uma cena comovente, que expressou o sentido da paternidade e do dever do cuidado.   

Um artefato divulgado pela internet tem possibilitado o abraço entre as pessoas que se encontram impedidas de exercer esse direito singelo e necessário: tocar e ser tocado pelos seus afetos. Trata-se de uma cortina feita com plástico grosso e transparente, onde são costuradas quatro "mangas" para inserir os braços de quem se encontra de um e do outro lado. A "cortina do abraço" serve para que a necessidade de comunicar as emoções e sentimentos através do contato corporal, possa ser exercida sem riscos para a saúde.

Alguém já disse que o abraço é uma roupa que se ajusta a qualquer corpo. Esse gesto tão comum nas despedidas, nos reencontros, nos momentos felizes e também nos tristes, fazem parte de nossa cultura como expressão instintiva de nossos sentimentos.

Gilberto Gil, na época de seu exílio, compôs e cantou o refrão "aquele abraço" para o Rio de Janeiro, expressando assim sua saudade e seu amor pela cidade. Dormir com a pessoa amada sentindo seu corpo num abraço noturno, consolida o relacionamento afetivo e muitas vezes é o meio facilitador de uma reconciliação. Um abraço sincero é muito mais do que uma saudação, pois o calor humano dividido equivale ao aconchego e à segurança do colo materno.

Quando pela primeira vez uma mãe envolve nos braços o seu recém-nascido, ela materializa e consolida um vínculo de amor eterno. No momento em que um pai abre seus braços para receber o pequeno filho, que corre em sua direção em busca da proteção, a humanidade encontra a sua razão de ser. As relações afetivas que construímos no decorrer da vida são o que dá sentido à nossa existência. Por essas relações é que vale a pena viver, por elas devemos lutar, por elas não devemos desistir.

Que venham mais "cortinas de abraços", mais mensagens de carinho, fotos, emojis e áudios carinhosos. Essas manifestações de afeto e atenção irão nos sustentar e nos fortalecer, até que, finalmente, possamos voltar a abraçar e acarinhar aqueles que moram em nossos corações.

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