lava jato

Mensagens mostram colaboração entre Moro e procurador na Lava Jato, diz site

Folhapress

Foto: Marcelo Camargo (Agência Brasil)

Mensagens atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, do MPF (Ministério Público Federal), que foram divulgadas, neste domingo, pelo site Intercept Brasil mostram que os dois trocavam colaborações quando integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato. Moro, que hoje é ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro (PSL), foi o juiz responsável pela operação em Curitiba. Ele deixou a operação ao aceitar o convite para o cargo, em novembro.

O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. Após a publicação das reportagens, a equipe de procuradores da operação divulgou nota chamando a revelação de mensagens de "ataque criminoso à Lava Jato" e disse que o caso põe em risco a segurança de seus integrantes.

Na troca de mensagens, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que culminou com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex de Guarujá. Preso em decorrência da sentença de Moro, o petista foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado.

A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). A condenação já foi chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que reduziu a pena para oito anos, 10 meses e 20 dias de prisão.

VÍDEO: prefeitura de Santa Maria faz parcerias com empresas para viabilizar obras

Segundo a reportagem, Moro sugeriu ao MPF trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial. Especialistas em direito dizem que não haveria, a princípio, nenhuma ilegalidade, mas pode ter havido desvio ético.

"Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejada (sic)", escreveu Moro a Dallagnol em fevereiro 2016, referindo-se a fases da investigação. As mensagens foram reproduzidas da forma como o site as publicou, sem correções ou revisão gramatical.

Dallagnol disse que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão. No dia seguinte, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.

Em agosto do mesmo ano, depois de decorrido o período de quase um mês sem novas operações da força-tarefa, o ex-magistrado perguntou sobre, embora a decisão, em tese, caberia aos investigadores, e não ao juiz do caso:

"Não é muito tempo sem operação?", questiona Moro.
" É sim", respondeu Dallagnol, de acordo com o Intercept.

A operação seguinte ocorreu três semanas depois do diálogo com o magistrado. O material que veio a público traz também reações à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de soltar em 2015 Alexandrino Alencar, ex-executivo da Odebrecht que se tornou delator. Os diálogos mostram os membros do MPF e do Judiciário debatendo passos que poderiam levar o delator de volta para a prisão.

- Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. [...] Seria possível apreciar hoje? - escreveu Dallagnol.

- Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia. Teriam que ser fatos graves - respondeu Moro.

Depois de ouvir a sugestão, Dallagnol repassou a mensagem do juiz para o grupo de colegas de força-tarefa.

- Falei com russo - explicou, usando o apelido que o ex-juiz tinha entre os procuradores.

Em outro episódio, Moro indicou ao procurador do MPF qual seria a tendência de uma decisão sua no processo de Lula. Em 2017, o ex-juiz cobrou os procuradores sobre uma tentativa de adiar o primeiro depoimento do petista com réu em Curitiba.

 - Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando - escreveu Moro a Dallagnol. - Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem - continuou, questionando contestações que existiam à realização do interrogatório.

Dias depois, após trocas de esclarecimentos, o procurador buscou tranquilizar o magistrado.

- De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia - falou Dallagnol.

Moro então falou a Dallagnol sobre como procederia diante de pedido da defesa de Lula para adiar o depoimento:

- Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo.

MEC divulga a lista de aprovados no Sisu nesta segunda-feira

Um outro episódio da Lava Jato abordado na troca de mensagens é o pedido de entrevista com o ex-presidente na prisão barrado na Justiça no ano passado. Segundo conversas reproduzidas pela reportagem, procuradores do MPF envolvidos na Lava Jato reagiram com indignação à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de autorizar o jornal Folha de São Paulo a entrevistar Lula pouco antes do primeiro turno.

Derrubada no mesmo dia, a permissão só voltaria a ser concedida pela corte neste ano, quando o jornal entrevistou o petista em Curitiba em abril.

No dia da decisão favorável, em 2018, procuradora Laura Tessler escreveu no grupo de membros do MPF:

- Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo [colunista da Folha de S.Paulo], pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas... e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse...

- Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! - respondeu a procuradora Isabel Groba.

- Sei lá...mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad - afirmou Tessler, na sequência, referindo-se ao candidato que substituiu Lula na campanha do PT, Fernando Haddad.

Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal adotasse uma manobra para adiar a entrevista para depois da eleição, sem que tivesse de descumprir a decisão da Justiça.

- N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao. E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro - afirmou Costa.

Em outra mensagem, de março de 2016, Dallagnol cumprimentou Moro pelo fato de o então juiz ter sido destaque em manifestações de rua pelo país que pediam a saída de Dilma.

- E parabéns pelo imenso apoio público hoje. [...] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. [...] -  escreveu o procurador ao juiz.

O magistrado afirmou que havia feito uma manifestação oficial sobre o tema.

- Parabens a todos nós - acrescentou.

Na sequência, Moro emitiu opinião sobre o momento político do país:

- Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.

A difícil rotina dos índios que estudam em colégio sem luz nem água em Arroio Grande

As conversas tornadas públicas sugerem ainda dúvidas de membros do MPF quanto à denúncia contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, sentença que acabou levando o petista à prisão.

Quatro dias antes da apresentação da denúncia da Procuradoria, Dallagnol afirmou em um grupo que tinha receio sobre pontos da peça jurídica, como, por exemplo, a relação entre os desvios na Petrobras e a acusação de enriquecimento.

- Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis... então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto... São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua - escreveu o procurador.

Cerca de 24 horas depois, Dallagnol se expressou com entusiasmo ao tomar conhecimento de uma reportagem do jornal O Globo que poderia sustentar a acusação.

- Tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso - ele escreveu, às 22h45 de um sábado.

Na véspera da denúncia contra Lula, o representante do MPF afirmou em um grupo:

- A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão.

Dias depois, ele comentou em mensagem direta a Moro. 

- A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto - escreveu o procurador.

Em outro dia, enquanto procuradores eram atacados por causa de pontos considerados frágeis na denúncia, o ex-juiz e hoje ministro enviou palavras de apoio a Dallagnol:

- Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme.

O material divulgado pelo Intercept permite também se ter uma ideia sobre o planejamento do célebre PowerPoint contra Lula que o procurador do MPF exibiu ao comentar a denúncia.

- Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono - escreveu Dallagnol em grupo de colegas, dias antes de apresentar a tela com o esquema.

SIGILO
O jornalista Glenn Greenwald, fundador e editor do Intercept Brasil, disse à reportagem que o site respeitará o direito ao sigilo da fonte que repassou as conversas e que, por isso, não pode detalhar a origem do material. Ele afirmou, no entanto, ter "absoluto nível de confiança" na veracidade do conteúdo.

- É um material tão vasto que seria impossível alguém falsificar - Greenwald afirmou que não teria como mensurar a extensão dos arquivos, mas relatou que o conjunto inclui mensagens de texto, áudios e vídeos.

O site informou que tomou providências para proteger a íntegra do material, com cópias no Brasil e no exterior. Segundo o jornalista, o objetivo é evitar que qualquer autoridade brasileira tente impedir sua divulgação.

Greenwald disse ainda que a obtenção do material não tem nenhuma relação com a invasão, na terça-feira, ao celular de Moro. O próprio ministro afirmou que nenhuma informação foi roubada do aparelho.

- O arquivo que possuímos não tem nada a ver com esse episódio do hacker. Recebemos tudo semanas atrás. A fonte nos procurou há cerca de um mês - disse o editor.

OUTRO LADO
A força-tarefa da Lava Jato afirmou em nota que os procuradores "foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes".

- A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado e se coaduna com o objetivo de obstar a continuidade da Operação, expondo a vida dos seus membros e famílias a riscos pessoais - diz o texto.

A Procuradoria afirma ainda que não sabe a extensão da invasão e que não houve pedido de esclarecimento antes da publicação das reportagens. Sobre o teor dos diálogos, diz que as informações foram tiradas de contexto, o que pode gerar uma interpretação equivocada.

- Vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras. Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas. A força-tarefa lamenta profundamente pelo desconforto daqueles que eventualmente tenham se sentido atingidos.

A reportagem procurou o ministro Sergio Moro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A defesa de Lula afirmou em nota que a reportagem do Intercept revela detalhes de uma trama, já denunciada pelos advogados, que envolve "uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro, com o objetivo preestabelecido e com clara motivação política, de processar, condenar e retirar a liberdade do ex-presidente".

- A atuação ajustada dos procuradores e do ex-juiz da causa, com objetivos políticos, sujeitou Lula e sua família às mais diversas arbitrariedades. A esse cenário devem ser somadas diversas outras grosseiras ilegalidades - diz o comunicado.

Reportagem da Folha de São Paulo, na última quinta-feira, mostrou que a defesa de Lula argumentará no STF que a Lava Jato produziu relatórios sobre 14 horas de conversas gravadas entre advogados do ex-presidente, o que contraria a legislação.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Bolsonaristas querem rever título de 'persona non grata' dado ao presidente Anterior

Bolsonaristas querem rever título de 'persona non grata' dado ao presidente

VÍDEO: prefeitura de Santa Maria faz parcerias com empresas para viabilizar obras Próximo

VÍDEO: prefeitura de Santa Maria faz parcerias com empresas para viabilizar obras

Política