Bernadete Schleder: sobre inquisição e rede social

Redação do Diário

Bernadete Schleder dos SantosAdvogada e professora universitária

No momento em que escrevo esse texto, ainda repercutem dois fatos que têm o estupro como ponto em comum: um que gerou uma violência institucional contra uma criança de 11 anos e, outro, que provocou uma violência social contra a vida privada de uma jovem. Em ambos os casos, as vítimas foram sumariamente julgadas pelo exercício de um direito legítimo.

Inimaginável o sofrimento que essa revitimização provocou, não somente às protagonistas, mas também para às próprias famílias. Não pretendo me deter na análise dos fatos em si, mas promover uma reflexão acerca dos efeitos da revelação pública dos mesmos.

Na Idade Média e até o início do Renascimento a severidade moral da Igreja e da Inquisição regrava a vida privada, especialmente interferindo nos casamentos. O sexo deveria servir unicamente para fins reprodutivos, com a prática orientada para evitar o prazer, sendo que seus períodos de interdição eram tantos que podiam chegar a 250 dias no ano.

Assim como a homossexualidade, considerada como pecado contra a natureza, a masturbação, as ações para evitar a gravidez, o uso de porções afrodisíacas, abortivas ou para curar a impotência, poderiam estar associadas à prática de feitiçaria, o que aumentaria a punição do acusado.

Para o controle social, as autoridades eclesiásticas e civis estimulavam a delação. Era comum que os processos iniciassem com as denúncias de vizinhos ou familiares, que reservavam grande parte do tempo para espionar a vida íntima dos outros.

Qualquer semelhança com os dias atuais não parece ser mera coincidência. Nossos tempos, que cada vez mais se parecem com a “idade das trevas”, trouxe um instrumento que potenciou as maledicências. Na busca de “likes”, “seguidores” e das vantagens econômicas que isso proporciona, não há mais limites e autocensura na divulgação dos fatos pela internet. O direito à intimidade e ao esquecimento é posto de lado em nome da “liberdade de expressão”, expondo-se à vida privada de forma criminosa. Ainda que o período de “fama” seja efêmero, o que sai na rede social sempre poderá ser retomado a qualquer tempo, trazendo novamente sofrimento aos inocentes.

A conduta humana, que eufemisticamente chamamos de “fofoca”, deveria ser desestimulada e até mesmo autovigiada, pois pode causar extrema injustiça e vir contra o próprio “fofoqueiro”. Usando um termo atual, é preciso que os profissionais da fofoca sejam “cancelados” por aqueles que reconhecem o tremendo desserviço que eles estão prestando à sociedade.

Como muito bem referiu o Papa Francisco, a fofoca é uma peste pior do que o coronavírus, revelando que esse mal social se estende em todos os setores. Ele não deixa de ter razão, porque a maledicência viraliza, desestrutura emocionalmente, causa dores e pode até matar. Ainda pode ser um vício imperceptível para o próprio fofoqueiro, por isso a necessidade da autovigilância, lembrando sempre que “o ciclo das fofocas acaba quando chega aos ouvidos do inteligente”.

Leia todos os Colunistas

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Variação de preços da gasolina comum chega a R$ 1,20 nos postos em Santa Maria Anterior

Variação de preços da gasolina comum chega a R$ 1,20 nos postos em Santa Maria

Próximo

Antônio Cândido Ribeiro: escolhas

Geral