O aterro da Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR), localizado na região oeste de Santa Maria, tem sido o local de destino de todo o lixo descartado, tanto na coleta conteinerizada quanto na coleta convencional da cidade. Diariamente, são enviadas 250 toneladas de lixo da população santa-mariense ao aterro, e outras cerca de 250 a 350 toneladas destinadas por outros 41 municípios da região, segundo a CRVR, além de 12 clientes privados atendidos.
O aterro sanitário só se tornou alternativa em Santa Maria porque precisou atender uma determinação da Justiça. Isso porque era preciso encerrar as atividades do Lixão da Caturrita, usado por 26 anos pela cidade, até março de 2008. Três anos antes, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) havia entrado com ação judicial contra a prefeitura pedindo a interdição imediata da área e a retirada dos catadores do local.
Frente à necessidade e à urgência, a prefeitura optou por um contrato emergencial, assinado com a Tecnoresíduos Serviços Ambientais, que construiu a Central de Tratamento de Resíduos para encaminhar o lixo para um novo local, o qual permanece até hoje e custa, aos cofres públicos, R$ 8,5 milhões por ano. Isso significa um gasto R$ 23 mil por dia apenas para enterrar lixo. O contrato é realizado por meio de inexigibilidade de licitação, pela impossibilidade de competição com outras empresas.
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A cada uso, o solo que servirá como aterro recebe uma camada de impermeabilizante, com argila e geomembranas protegidas com geotêxtil, e um tapete drenante em que o lixo será disposto. Após preenchido, o lixo é coberto por terra e grama, que auxiliam na impermeabilização do solo utilizado. Ainda, são instalados pontos que queimam o gás metano gerado sobre a terra. Segundo o supervisor da CRVR da unidade de Santa Maria, Dieméli Tessele, esta prática seria uma melhor alternativa ao lixão, por conta do cuidado com o solo:
— No lixão o resíduo é depositado direto no solo, sem qualquer proteção e sem qualquer tratamento de chorume. E no aterro sanitário a gente tem todo esse controle, de impermeabilidade do solo e tratamento do chorume.
Sem aproveitamento
No aterro, lixo seco e orgânico são despejados juntos
O fluxo de caminhões que chegam no aterro é praticamente contínuo, de segunda a sábado, carregados de resíduos para descarregá-los nos montes que chegam a 30 metros de altura. O processo é acompanhado por equipes da CRVR, que pesam os veículos na entrada e saída, como forma identificar o recebedor e de cobrar pelo conteúdo trazido. Após o controle, o volume de tudo que se encaixa como resíduo sólido urbano é despejado, compactado e espalhado por um trator de esteira e coberto com terra ao final do dia.
No conteúdo descarregado, é possível enxergar todo o tipo de material. Boa parte do montante é lixo orgânico, mas se destacam as embalagens plásticas e em vidro, que fazem barulho ao serem despejadas no solo. Apenas nos resíduos do dia, que ficam descobertos, é possível ver centenas de embalagens de materiais que poderiam ter sido recicladas, mas que serão abandonadas no solo pelos próximos milênios.
Além encerrarem sua vida útil no solo, a cidade perde financeiramente ao não destinar corretamente esses materiais. De acordo com Maria Amélia Zacycki, professora do curso de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Franciscana (UFN), apenas rejeitos deveriam ser enterrados, uma vez que são os únicos materiais sem valor econômico e com possibilidades de tratamento ou recuperação esgotadas.
— O que falta seria uma parte para triagem deste material, só que para isso, teria que ter uma parceria ou forma de conscientização da população para separar. Se tivéssemos coleta seletiva, poderíamos separar esse lixo em seco e orgânico, e o orgânico nós poderíamos compostar. O correto seria unir o aterramento, com a compostagem e a reciclagem. Assim nosso aterro seria realmente sustentável.
O trator esteira que espalha e compacta o lixo
O aterro trabalha com a medida de compactação de 1 tonelada a cada 1 m³, que compreende ao volume de um cubo com medidas de 1 metro, por isso, o uso do trator a cima de cada descarregamento. A área total é de 24 hectares, com espaço para aterrar por mais 8 anos de resíduos. A CRVR trabalha na expansão do espaço, em terrenos vizinhos à sede.
Apenas o chorume recebe tratamento
O chorume gerado durante a decomposição dos resíduos orgânicos desce por tubulações a lagoas de acúmulo. Desta reserva, o líquido é bombeado a estação de tratamento, e tratado por osmose reserva que o devolve como uma água tratada. Nesse processo, membranas filtram o chorume, modificando totalmente a coloração e o cheiro forte, característicos do chorume.
O chorume, escuro e com cheiro forte como sai do aterro
O chorume após ser tratado
A água resultada desse processo é utilizada internamente para irrigação e correção de umidade nas obras de terraplanagem. Quem opera a estação de tratamento de efluentes, André Dias, 46, explica como funciona o processo:
— As membranas funcionam com alta pressão, e só passa por elas o que nós tivermos de materiais mais leves. Os materiais pesados, como os sais, ficam acumulados na membrana. Depois de finalizar o processo de filtração do chorume, precisamos limpar as membranas, para retirar todo esse material pesado, que vai para outra estação de tratamento, para dar o destino final dela.
Biogases devem ser tratados a partir do próximo mês
Após a instalação da biotérmica, o gás resultado do aterro será canalizado e direcionado para geração de energia elétrica. A tecnologia serve para transformar em energia limpa o biogás extraído da decomposição de resíduos orgânicos no aterro sanitário. Os gases são resultado da transformação de matéria orgânica no biogás com potencial energético, composto por metano, dióxido de carbono, nitrogênio, oxigênio e gás sulfídrico.
No modelo santa-mariense, o gás será canalizado, purificado e queimado, processo que gera energia para alimentar a rede e um transformador. Com o potencial de lixo enterrado no aterro, a estimativa é que seja gerado 1 megawatt, que corresponde a 1 milhão de watts de potência, quantidade que alimentaria uma cidade de 60 mil habitantes. A previsão é de que no próximo mês um modelo como este comece a operar em Santa Maria.
— Estamos na parte final de montagem da planta, então a gente estima que em 30 dias comece as fases de teste já a geração de energia, ainda como teste — explica Dieméli.
O lixão da Caturrita
Após o encerramento das atividades do lixão da Caturrita, em 2008, o espaço passou por recuperação, para tornar o local em um “aterro controlado”. Por meio de assessoria, a prefeitura encaminhou imagens de satélite para acompanhamento do espaço, durante a evolução do processo de recuperação da área, entre os anos de 2008 e 2021.
Antigo lixão em 2008
Antigo lixão em 2012
Antigo lixão em 2021