alvarás

Após Lei Kiss, liberação de PPCI em Santa Maria demora 45 dias em média

Camila Gonçalves


Foto: Renan Mattos (Diário)
Na foto, uma fiscalização dos bombeiros em um shopping da cidade

A criação de legislações federal (Lei 13.425) e estadual (Lei 14.376) sobre prevenção de incêndios veio como uma resposta das autoridades à maior tragédia sofrida pela população gaúcha. Diferentes processos tramitam na Justiça em busca de responsabilização pelo incêndio da boate Kiss, em janeiro de 2013, que matou 242 pessoas, a maioria jovens, e deixou sequelas físicas e emocionais em mais de 600 sobreviventes e suas famílias. Na "Cidade da Kiss", os profissionais que trabalham com a elaboração e a execução do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) e o Corpo de Bombeiros são unânimes em afirmar que a liberação dos alvarás ganhou agilidade com a Lei Kiss. No entanto, há ressalvas quando o assunto é a aplicação das medidas de prevenção nos estabelecimentos comerciais por parte dos proprietários.

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A legislação municipal recebeu a Lei Kiss estadual pelo Projeto de Lei Complementar 8.290, proposto pela prefeitura de Santa Maria em agosto de 2015 - a lei estadual é adotada aqui em detrimento da lei federal. Por isso, o Corpo de Bombeiros exige o que consta no texto legal no que se refere aos tipos de processos para a obtenção de alvará. São três tipos de autorização: o Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB), o Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PSPPCI) e o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI).

O CLCB e o Plano Simplificado podem ser emitidos online e não necessitam de vistoria do Corpo de Bombeiros. Já para o Plano Simplificado, em prédios de médio risco, é preciso cadastrar o projeto com assinatura do responsável técnico. O PPCI completo é o único que exige a visita dos bombeiros para verificar os itens de segurança. A fiscalização das demais modalidades é feita por amostragem.

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Boa parte do que definiu a cartilha de licenças em vigência foi proposta pelo governador José Ivo Sartori ainda em 2016, por meio de alterações aprovadas pela Assembleia Legislativa. A viabilização dos alvarás pela internet para determinados tipos de imóveis e a concessão de algumas licenças sem a obrigatoriedade de vistoria reduziram a fila de espera no guichê dos bombeiros. A legislação, como explica o chefe da Seção de Segurança Contra Incêndio (SSCI) do 4ª Batalhão do Corpo de Bombeiros, capitão Elisandro Machado, baseia-se no pressuposto de que o empresário tem plena responsabilidade sobre os riscos de uma falsa declaração de cumprimento das medidas de segurança.

Os familiares das vítimas do horror vivido em Santa Maria sustentam que o incêndio da boate Kiss foi causado pelo não cumprimento da legislação da época. Mesmo assim, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio da Silva, critica as normas que nasceram pós-Kiss e acusa os agentes envolvidos na criação dos novos mandamentos de colocar interesses políticos e econômicos acima das vidas humanas.

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- Infelizmente, o Rio Grande do Sul e Santa Maria deveriam estar ensinando os outros Estados com leis mais rígidas para proteger os seus cidadãos, mas, o que vemos todos dias, é que a politicagem e os empresários gananciosos estão em primeiro lugar. No futuro, quando abrirem a caixa de Pandora que é a tragédia da Kiss, os órgãos de fiscalização como prefeitura, bombeiros e Ministério Público deverão ter vergonha de quanto mal trouxeram para toda a sociedade - protesta Sérgio Silva.

Os caminhos para adquirir o Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI)*

*É necessário em todas as edificações, exceto em:

  • Residências para uso familiar de até dois pavimentos
  • Propriedades com atividades agropastoris (exceto silos e armazéns, que serão regulamentados pela Resolução Técnica do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (RTCBMRS) nº 22
  • Empreendedor que utilize a casa como trabalho sem atendimento ao público ou estoque de materiais

Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB)

  • Edifícios com menos de 200 m² de até dois pavimentos, entre outras determinações
  • Proprietário pode fazer o pedido online. Basta inserir informações da atividade e tomar medidas como instalação de extintores, luz com indicação de saída, entre outras determinações
  • Vistoria não é obrigatória
  • Prazo médio de emissão é de até duas semanas

Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PSPPCI)

  • Prédios de até 750m² com até 3 pavimentos
  • Não inclui boates ou casas noturnas, revendas de gás, manipulação, armazenamento e comercialização de combustíveis, inflamáveis e explosivos, entre outras determinações
  • Vistoria não é obrigatória
  • Prazo médio de emissão é de até duas semanas

Neste item, há a classificação de risco do empreendimento*. Confira:

Risco Baixo

  • Proprietário pode fazer o pedido online

Risco Médio

  • Também é feito online, mas há a necessidade de o responsável técnico para assinar o Projeto de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PrPCI), projeto técnico que contém o conjunto de medidas que visam prevenir e evitar incêndio e a execução das medidas
  • *O risco é determinado de acordo com o Código Nacional de Atividade Específica (CNAE) do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ)

Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PCCI)

  • Prédios acima de 750m² e locais de alto risco
  • Necessita de Projeto de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PrPCI) elaborado por responsável técnico com descrição das medidas de prevenção de incêndio na planta, alarme de incêndio e outros requisitos previstos para aquele tipo de atividade e edificação
  • Depois de pronto, o plano é entregue ao Corpo de Bombeiros, que devolve o projeto aprovado ou com necessidade de adaptação
  • Quando é aprovado, há um prazo de execução das adequações para o proprietário
  • Vistoria é obrigatória
  • Prazo médio de emissão é de 30 dias para análise do PPCI e 15 dias para vistoria por parte dos bombeiros (mais o prazo de execução das adaptações exigidas no projeto, se houver necessidade)

PALAVRA COMO GARANTIA
A implantação do programa Poupa Tempo pela prefeitura de Santa Maria, no dia 5 de julho, acompanha a lógica da agilidade perseguida pelos legisladores na hora de estabelecer as regras sobre os alvarás concedidos pelo Corpo de Bombeiros. Os interessados em abrir o próprio negócio, hoje, em Santa Maria, podem conseguir um alvará de funcionamento condicional em até 20 dias. O empresário só precisa dar entrada nos documentos exigidos, e, com os protocolos em mãos, deve ir à prefeitura e pedir o alvará condicionado. O documento é válido por um ano, prorrogável por mais um. A lei obriga que a licença de funcionamento da prefeitura só seja liberada a partir do encaminhamento do alvará dos bombeiros.

O testemunho dos profissionais da área de arquitetura e engenharia aponta para a possibilidade de um corre-corre irresponsável. Na pressa de encaminhar a documentação para a abertura de uma empresa, muitos empreendedores terceirizam a tarefa de fazer o certificado a profissionais que, muitas vezes, não têm a capacitação técnica para instruir quais itens de prevenção são necessários. Outros agem por conta própria:

- Tem muitos casos de pessoas que estão com o Certificado de Licenciamento dos Bombeiros, mas não estão usando extintor. Esse novo método tem esse problema - relata um profissional, que preferiu não ser identificado.

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O arquiteto Marcos Giovani Andrades Veiga também presta consultoria na emissão de alvarás online. Nesses casos, ele mesmo procura incentivar o dono do ponto comercial a implantar extintores, luzes de saída e demais medidas, mas, segundo ele, essa é uma postura que cabe a cada profissional.

- A gente aponta os riscos de não incorporar esses dispositivos e alerta também para as vistorias extraordinárias, que podem resultar na cassação do alvará _ exemplifica Veiga.

RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
Um dos pontos da Lei Kiss estadual trata sobre vistorias extraordinárias, aquelas que estão fora do escopo de obrigatoriedade dos bombeiros. Conforme a lei, elas são motivadas por denúncia de irregularidades ou ocorrem em atividades de fiscalização organizadas com iniciativa de órgãos competentes.

Conforme o major Daniel Dalmaso Coelho, que trabalhou por cinco anos no setor de prevenção do Corpo de Bombeiros, um dos pontos questionáveis da legislação é a transferência da responsabilidade na hora de garantir as normas de segurança aos proprietários dos imóveis. Segundo Coelho, 99% das denúncias que vêm da prefeitura resultam em cassação de alvarás.


Foto: Renan Mattos (Diário)

O dado aponta que muitos proprietários não estão cumprindo as medidas de prevenção que atestam ter feito na hora de retirar o certificado ou o plano simplificado por meio eletrônico. O chefe da Seção de Segurança Contra Incêndio (SSCI), capitão Elisandro Machado, alerta para as consequências de assumir o risco:

- A declaração falsa perante autoridade oficial é crime. A pessoa pode responder criminalmente por isso - afirma Machado.

O aviso do capitão é amparado pelo Código de Processo Penal, que prevê pena de prisão de até um ano ou multa para os condenados nesse tipo de crime.

Para a empresária Marceli Dutra, que trabalha com projetos de PPCI desde 2013, a legislação atual reparte a responsabilidade entre o proprietário, a empresa de consultoria e o engenheiro ou arquiteto que assina como responsável técnico.

- Dessa forma, todo mundo é responsável. Cada um vai ter que saber até onde vai a sua responsabilidade. Eu procuro sempre alertar cliente e engenheiro quando algo previsto na lei não está sendo cumprido. E, se algum deles não concordar com a execução do que é pedido, eu chamo as partes, e assinamos um documento em que fica registrado que a empresa alertou a necessidade da adaptação - conta Marceli.

PRAZOS MAIS CURTOS
Com um efetivo de 20 pessoas, a Divisão de Segurança Contra Incêndios (DSI) do Corpo de Bombeiros consegue liberar os alvarás mais demorados, os PPCIs completos, em até 45 dias. O tempo de análise do projeto é de até 30 dias, e o da vistoria é de mais 15 dias. No papel, a lei prevê que a análise e a vistoria podem levar 45 dias em cada etapa. O período em que o responsável técnico executa as alterações pedidas após a análise não é contado nesse prazo. Na última segunda-feira, havia 68 projetos na fila para análise do 4ª Batalhão de Bombeiros de Santa Maria e 20 projetos aguardando vistoria. O mais antigo projeto protocolado era de 3 de julho deste ano.

Segundo a empresária Marceli Dutra, a corporação consegue atender análises de projetos em até 30 dias, em média. Já a vistoria pode demorar menos tempo que o previsto: entre 7 e 15 dias. O problema, explica ela, ocorre quando a primeira vistoria é feita, e as alterações pedidas no projeto não são atendidas. Daí, o estabelecimento ganha um prazo para as adequações, mas retorna para o fim da fila.

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No Elegância Center Shop, uma estrutura de 1.667 m² localizada na esquina das ruas Dr. Bozano e Floriano Peixoto, o pedido de inspeção do local foi feito no dia 3 de julho. Treze dias depois, a equipe atendeu ao chamado. Segundo a auxiliar administrativa do estabelecimento, Beatriz Farias, o empreendimento encaminhou o processo de renovação do alvará vencido em maio. Os bombeiros exigiram a instalação de um corrimão em uma das lojas, por isso, ainda devem fazer nova vistoria quando vencer o prazo de execução do reparo.

- Fiquei surpresa. O pedido foi protocolado há poucos dias e, hoje (na última segunda-feira), já apareceram (os bombeiros). Antes, levava meses. Lembro que o último alvará foi complicado. Eles diziam que havia pouco efetivo para muita vistoria - elogia Beatriz.

Relembre um pouco do vaivém da legislação

Lei Kiss estadual (Lei 14.376)

  • 26 de dezembro de 2013 - Lei Kiss estadual é sancionada pelo governo Tarso Genro
  • 4 de junho de 2014 - Aprovado Projeto de Lei Complementar, na Assembleia Legislativa (AL) gaúcha, que altera a Lei Kiss estadual. Entre as modificações ao projeto original, está a permissão aos estabelecimentos de até 750 metros quadrados, com carga de incêndio média, de apresentar o Plano Simplificado de Prevenção e Proteção, desde que tenha assinatura de um responsável técnico
  • Março de 2016 - Projeto de Lei encaminhado pelo governador José Ivo Sartori à Assembleia Legislativa altera regras para liberação de alvarás em casos de baixo e médio risco de incêndio e com pequenas dimensões
  • 30 de agosto de 2016 - Lei Kiss sofre mais uma modificação com a aprovação de projeto aprovado na Assembleia Legislativa. A partir dessa norma, estabelecimentos rurais, com exceção de silos e armazéns, não precisam de alvará. Permite também que prédios de até 200 metros quadrados podem obter licenciamento pela internet. Também aumentam os prazos de renovação. Os alvarás que eram de um ano passam para dois, e os que eram de de três anos passam para cinco
  • Setembro de 2016 - Mudanças são sancionadas pelo governador José Ivo Sartori
  • Novembro de 2016 - Publicado decreto com as alterações

Lei Kiss federal (Lei 13.425)

  • 2013 - Projeto de Lei 2.020 de 2007 é reformulado por comissão criada na Câmara dos Deputados depois do incêndio da boate Kiss
  • 2014 - PL 2.020 é aprovado pela Câmara dos Deputados
  • 2015 - Lei Kiss federal sofre emendas no Senado
  • 7 de março de 2017 - Lei Kiss federal é aprovada na Câmara dos Deputados com três emendas
  • 30 de março de 2017 - Lei Kiss federal é sancionada pelo presidente Michel Temer
  • Setembro de 2017 - Lei entra em vigor determinando que os cursos de Engenharia e Arquitetura incluirão nas disciplinas ministradas conteúdo relativo à prevenção e ao combate a incêndio e a desastres. Também acresce artigos no Código de Defesa do Consumidor que enquadra responsáveis por estabelecimentos comerciais em casos de prática abusiva e infração penal. Os empresários poderão responder criminalmente se permitirem a entrada de pessoas em número superior ao máximo fixado pelas autoridades. A pena é de seis meses a dois anos de reclusão e multa

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