reportagem especial

VÍDEO: no Dia da Criança, o dilema sobre o uso de smartphone pelos pequenos

Eduardo Tesch

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)

O Brasil é o 5º país em que as pessoas mais usam o smartphone no mundo. Em média, os brasileiros passaram mais de três horas por dia usando o celular no ano passado. A pesquisa foi divulgada pelo relatório Estado de Serviços Móveis, que é elaborado por uma consultoria especializada em dados sobre aplicativos para celulares, a App Annie.


E o que esses dados têm a ver com o Dia da Criança? A pesquisa traça um panorama que é notável nas ruas e dentro de casa: o uso de celular não para de crescer. E a utilização não está restrita aos adultos - crianças estão cada vez mais conectadas ao mundo virtual.

Segundo o estudo TIC Kids Online, realizado pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil, com o apoio das Organizações Unidas, 88% das crianças e adolescentes brasileiros, entre 9 e 17 anos, acessaram a internet nos últimos três meses. O celular é o principal meio de conexão, representando 53% do total de acessos exclusivamente pelo aparelho. Enquanto isso, o uso do computador está em baixa. Apenas 3% das crianças e adolescentes no Brasil acessam a internet somente pelo micro.

Acesso à Internet

O crescimento do uso de smartphones pelas crianças caminha no mesmo passo da preocupação que muitos pais têm com a utilização dos aparelhos pelos filhos. Tentar mediar essa relação nem sempre é fácil e, na maioria das vezes, acaba gerando atritos na família.

A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e líder do grupo de pesquisa Consumo e Culturas Digitais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Sandra Rúbia da Silva, começou a estudar tecnologias móveis em 2006, em uma tese de doutorado, onde foi feito um trabalho de etnografia em grupos de camadas populares.

- Desde o início, o uso do celular por crianças foi polêmico, e continua. Crianças devem usar? Não devem usar? Até que ponto? O que eu pude observar na minha pesquisa é que há tanto características positivas, quanto negativas. Entre os pontos positivos, as pessoas que participaram da minha pesquisa falaram muito da segurança, para saber onde o filho está. Mas, ao mesmo tempo, outros pais acreditam que o uso pode fazer mal de diversas maneiras, principalmente em relação a problemas de bullying e a ser influenciado por más companhias - relata a professora. 

NO YOUTUBE
Segundo a pesquisa TIC Kids Online, 83% das crianças e adolescentes brasileiros assistem vídeos, programas, filmes ou séries online. O acesso se dá principalmente pelo YouTube - o maior site de compartilhamento de vídeos do mundo. A dissertação de mestrado "Crianças no YouTube: um estudo etnográfico sobre as infâncias e suas estratégias de relacionamento nas mídias digitais", realizada pela acadêmica Fárida Rabuske, defendida do ano passado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), traçou um panorama da relação com as crianças com o site.

- O meu foco foi conhecer melhor a dinâmica das crianças que estão no YouTube, enquanto consumidoras ou produtoras de vídeos, e refletir sobre as relações sociais que as elas estavam desenvolvendo naquele espaço. Eu acompanhei a experiência de crianças com pequenos canais, mais "gente como a gente", e não webcelebridades mirins - que estão mais para exceções do que se encontra no YouTube comumente - explica.

Segundo ela, os resultados apontam que as crianças que produzem conteúdo para o site acabam melhorando sua relação interpessoal.

 - De um modo geral, todos os youtubers com quem conversei expandiam, pela plataforma, a sua sociabilidade - o que diverge do senso comum de que as redes sociais isolam as pessoas. Além disso, alguns entrevistados fortaleciam seu vínculo com a família também, porque incluía os pais ou outros familiares na atividade de produzir material e gerenciar seu canal - afirma Fárida.

Dentro de casa, estabelecer limites é a melhor saída 

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
Henrique (esq.) afirma que desde cedo estabelece limites para o uso do celular dentro de casa

O uso do smartphone já está enraizado na rotina de muita gente, inclusive na dos pequenos, como vimos na página anterior. Pode parecer cedo e até impensável há alguns anos, mas é cada vez mais comum vermos uma criança mexendo em seu celular - e, na maioria das vezes, sabendo até mesmo mais funções do que os adultos. Entretanto, moderar o uso das tecnologias dentro de casa nem sempre é uma tarefa fácil e pode gerar conflitos entre pais e filhos.

Para a psicopedagoga Franciele Grapiglia, a conversa entre a família é fundamental para estabelecer limites para o uso da tecnologia.

- Antes de qualquer decisão, é preciso ter bem claro dentro da família o que pode e o que não pode. Já deve existir esse combinado pré-estabelecido, não só para o uso do celular, mas também para outras coisas que envolvam limites. Por vezes, essas questões são muito conflituosas para as famílias porque, muitas vezes, os filhos não sabem até onde podem ir e nem os pais até onde ceder - esclarece a profissional.

Para isso, existem perguntas fáceis que podem ser feitas dentro de casa e que ajudam os pais e filhos a chegarem em um consenso sobre o uso do aparelho.

- Alguns questionamentos precisam ser feitos. Bom, como vai funcionar o uso aqui na nossa casa? Até onde pode? Quais são os sites que podem ser acessados? O que é permitido e o que não é? - orienta Franciele.

E é justamente isso que o treinador de futsal Henrique Fortes Braibante, 41 anos, tenta fazer dentro de casa. Ele é pai da Helena, que tem 9 anos e está no 4º ano do Ensino Fundamental. Ela ganhou o primeiro celular neste ano. Com o uso cada vez mais comum entre os colegas da escola, o pai estabeleceu critérios de utilização:

- A regra que a gente colocou é que podemos olhar todas as mensagens que ela vai postar ou receber. Todos os contatos que ela recebe, precisa nos comunicar. Combinamos que se não tivéssemos essa relação, ela não poderia usar o celular. Sabemos que hoje muitas coisas acontecem e podem fugir do nosso controle, mas queremos preservar o que é de positivo nos celulares.

Porém, não são apenas filhos que, por muitas vezes, acabam deixando de lado alguma tarefa em função do smartphone. É cada vez mais comum que o contrário aconteça: pais que não sabem moderar o uso da tecnologia. A psicopedagoga Franciele, que atua na clínica Ped & Neo, afirma que esses casos não param de crescer.

- É algo muito grave e é cada vez mais recorrente no consultório. Os pais argumentam que estão trabalhando, mas o que acontece é uma fuga também. Então, a gente precisa pensar de que forma eu vou cobrar o limite do celular se nem eu mesmo tenho? Os nossos filhos se espelham nas nossas atitudes - explica. 

A tecnologia a serviço dos pais 

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
Mateus (esq.) pode monitorar em tempo real o que Henrique está fazendo

O uso de aplicativos de segurança pode ser um importante aliado na hora de controlar o uso de celular por crianças. O Diner Time, disponível para Android e iOS, é um exemplo. Por meio do app, é possível estabelecer quanto tempo os filhos podem usar o smartphone, que aplicativos são permitidos, além de monitorar em tempo real o que a criança está fazendo no aparelho.

Desde que ganhou o seu primeiro celular, Henrique Garcia, 12 anos, é monitorado em tempo real pelos pais. Ele pode usar o aparelho durante três horas por dia - se passar desse limite, o smartphone é bloqueado automaticamente e só é liberado após a autorização. Apesar da restrição, ele reconhece:

- Ele ajuda mesmo, porque, se eu não cuidar, passo o dia inteiro no telefone.

A ideia de instalar o aplicativo veio do analista de suporte Mateus Hausen, 36 anos, que é padrasto de Henrique. Trabalhando com tecnologia diariamente, ele acredita nos benefícios no uso desse tipo de programa.

- É só baixar e instalar no dispositivo do pai e também no da criança. A hora que eu quiser, por exemplo, eu bloqueio o celular dele. Inclusive, a gente tem como monitorar o que ele está acessando. O aplicativo gera uma estatística que mostra quanto tempo ele ficou em cada programa - destaca Hausen.

A organizadora de eventos Jaqueline Mello, 42 anos, mãe de Henrique, diz que, desde cedo, deixou muito claro para o filho os sites e os aplicativos que ele podia ou não acessar.

- Ele sempre foi muito acessível, sempre aceitou muito bem os limites. Trabalhamos a questão do horário, do que pode e do que não pode acessar. O principal motivo de termos dado o celular para ele foi a comunicação - afirma.

A família também não abre mão de passeios, de atividades ao ar livre e de reuniões com amigos.

Lugar de celular é dentro da sala de aula? 

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Renan Mattos (Diário) 

Foi-se o tempo em que o celular era expressamente proibido dentro da sala de aula. A utilização do aparelho, em especial nas escolas municipais de Santa Maria, tem sido cada vez mais fomentada. No lugar das redes sociais e de aplicativos de bate papo, o smartphone possibilita que professores tenham mais recursos dentro da sala de aula, melhorando o interesse do aluno pela matéria e, consequentemente, a aprendizagem do conteúdo proposto.

Desde o início do ano, o Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal, ligado à Secretaria de Educação, realiza oficinas para professores municipais visando incentivar o uso de celulares dentro da sala de aula. Até agora, 40 educadores já passaram pela capacitação.

- Os nossos alunos, embora sejam na sua maioria da periferia, dá para dizer que são crianças conectadas. Hoje em dia, as crianças já nascem dominando a tecnologia. O relato que a gente escuta dos professores que passam pela oficina é de que, quando a gente promove um trabalho interativo, utilizando computador ou celular dentro da sala de aula, o conteúdo se torna muito mais atrativo - relata a coordenadora do Núcleo, Maritê Moro Neocato.

Embora o uso de equipamentos eletrônicos dentro da sala de aula seja incentivado pela prefeitura, uma lei assinada pelo então prefeito Valdeci Oliveira (PT), em 2008, proíbe a utilização de celulares dentro de escolas públicas e privadas da cidade. No entanto, existe um movimento para que haja uma alteração no texto.

- Estamos buscando modificar essa lei porque entendemos que o celular, usado de forma pedagógica, tem muito a contribuir dentro da sala de aula - afirma Maritê.

Dentro dos colégios, os professores garantem que o resultado é positivo. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dom Antônio Reis, no Bairro Nossa Senhora Medianeira, a professora de artes Jaqueline Inês Both, 42 anos, autoriza que os alunos utilizem o aparelho para realização de pesquisas e trabalhos.

- Acredito que o celular seja uma ferramenta que auxilia as aulas. Como eu trabalho muito com a parte visual, quando a gente não tem a possibilidade de mostrar uma imagem grande para todo mundo, eu permito que eles peguem o celular para pesquisar, por exemplo - relata a professora.

O trabalho mais recente envolve educação alimentar. Com o smartphone, os alunos produziram vídeos - como se fossem propagadas - para alertar os colegas sobre a importância de consumir alimentos saudáveis.

- Estudamos toda a parte da propaganda e como eles podem utilizar esse artifício para convencer outras crianças. A partir daí, eles criaram um material produzido no celular deles. É interessante porque eles podem utilizar outros artifícios, como aplicativos, que ajudam a melhorar ainda mais o trabalho final - afirma a educadora. 

Cuidado com os olhos e também com a saúde
Preocupação para muito pais, a exposição dos olhos de crianças por longos períodos a telas de smartphones pode estar associada ao aumento do número de casos de pessoas com problemas de visão em todo o planeta. Segundo a Academia Americana de Oftalmologia, desde a década de 1970, a incidência de míopes nos Estados Unidos aumentou em 42%. Já em pontos da Ásia, até 90% de adultos e adolescentes podem ter desenvolvido o problema.

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo oftalmologista Leôncio Neto, do Instituto Penido Burnier, de Campinas, estudou 360 crianças de 9 a 13 anos que ficaram expostas por, no mínimo, 6 horas diárias em frente a telas. Delas, 21% apresentaram miopia.

O aumento substancial de casos de problemas de visão em todo o planeta se encontra justamente com o desenvolvimento de tecnologias que facilitaram o nosso dia a dia. Entretanto, ficar horas exposto à incidência da luz emitida pelas telas de dispositivos, sejam eles smartphones, computadores ou TVs, pode estar diretamente associado a problemas oftalmológicos em crianças e adolescentes.

- É uma preocupação nova na oftalmologia É só pensar no nosso dia a dia. Como era a infância antes e como é hoje. Mudou o comportamento, mas também o uso da visão. Se fosse meu filho, eu não pagaria para ver. O que a Academia Americana de Oftalmologia orienta é que crianças de até 7 anos não fiquem por mais de 1h, 1h30min, na frente de celulares. Até os 14 anos, não pode passar de 2h por dia - destaca o médico oftalmologista Gustavo Hüning, um dos responsáveis pela clínica oftalmológica do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo.

Enquanto cientistas tentam comprovar os danos causados à visão a longo prazo pelas telas de dispositivos, existe um sintoma que é comum a crianças e adultos e, provavelmente, você que está lendo essa reportagem já sentiu: os olhos ressecados. Segundo Hüning, um ser humano pisca, em média, de 12 a 15 vezes por minuto. Quando estamos concentrados olhando televisão ou mexendo no celular, esse número pode cair para apenas três repetições por minuto. Com isso, dentro de 60 segundos, os olhos podem estar secos durante mais da metade do tempo.

- Eu recomendaria usar lubrificante sem conservante, que agride menos o olho. Na frente de um computador, pode-se usar o produto a cada uma ou duas horas - orienta o oftalmologista. 

SONO
Olhar as últimas mensagens e verificar as redes sociais antes de dormir é um hábito muito comum. Todavia, essa prática pode afetar a qualidade do sono de adultos e crianças. A chamada "luz azul", que é emitida por telas de celular, pode confundir o cérebro e nos induzir a ficar mais tempo acordados. Isso porque a luz azul também é emitida pelo sol, e a exposição a esse tipo de luminosidade tende a deixar o corpo ativo.

- Os raios azuis interferem no ciclo circadiano do sono. Então, antes de dormir, a exposição retardaria e prejudicaria do repouso, em função de o cérebro achar que ainda é dia - afirma Hüning.

FIQUE DE OLHO  

  • Um ser humano pisca, em média, 12 a 15 vezes por minuto  
  • Em frente a telas, sejam elas smartphone ou TVs, a frequência pode cair para até 3 vezes por minuto

O QUE É RECOMENDADO 

A Academia Americana de Oftalmologia recomenda que a exposição dos olhos de crianças às telas siga o seguinte critério:

  • Crianças de até 7 anos devem ficar, no máximo, de 1h a 1h30min expostas
  • Crianças até 14 anos devem ficar, no máximo, de 2h a 2h30min expostas

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