Reportagem especial

Santa Maria da Boca do Monte: da origem do nome à riqueza natural de seus morros

Pâmela Rubin Matge

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Rodeada de morros, a maioria ao norte do município, Santa Maria é, frequentemente, mencionada como Santa Maria da Boca do Monte. De riquezas naturais a curiosidades históricas, estes morros ou montes são, pois, objeto de apreciação e inspiração. Carregado de saudosismo e nostalgia, o cantor Beto Pires já traduziu na música Santa Maria, o que muitas pessoas têm emoldurado na memória: "Santa maria me guarde estes montes, que em suas fontes há som de oração.Santa Maria da Boca do Monte, pra ti meu canto, acalanto e canção..."

Mas, afinal, por que a cidade é chamada de Boca do Monte? Você sabia, por exemplo, que nenhum morro da cidade leva esse nome, enquanto outros chegam a ser conhecidos por pelo menos quatro denominações? É o caso do Morro do Carmo, que é o mesmo Morro dos Link, Morro da Casinha Branca ou, ainda, Morro do Campestre.

Entre os mais conhecidos, também estão o Morro dos Marianos, Morro do Cerrito, Morro da Pedreira, Morro do Cechella, Morro do Monumento ao Ferroviário, Morro dos Tucanos, Morro das Antenas, Morro do Elefante, além de outros mais distantes, localizados nos distritos, como o Morro de Santo Antão.

Já o professor aposentado da Universidade de Santa Maria (UFSM)e apaixonado pelo Coração do Rio Grande James Pizarro assegura que, segundo artigo de pesquisa de Eduardo Rolim, conhecido pesquisador da cidade, "o nome de Santa Maria da Boca do Monte aparece pela primeira vez em documento oficial do ano de 1809 e surgiu da composição do antigo oratório jesuítico com a denominação indígena da antiga picada que dava acesso a São Martinho. Os índios chamavam essa picada de 'caá-yuru' (boca do mato). Os espanhóis, que chegaram aqui primeiro, adotaram o mesmo nome em espanhol, Boca do Monte. Os portugueses, que vieram 150 anos depois, continuaram a usar a denominação já consagrada."

Esta picada, inclusive, era o caminho para ir do pampa gaúcho até as Missões Jesuíticas. A Boca do Monte seria uma espécie de abertura que permitia subir a Serra.

O assunto, há anos, tem rendido discussões. Pizarro conta que, à época em que foi vereador da cidade, chegou a votar contra a retirada do, hoje, "apelido" Boca do Monte.

 - Fui testemunha ocular da história da abolição do "Boca do Monte". Foi na minha legislatura que alguns comerciantes quiseram retirar o nome porque diziam que ficava muito comprido para preencher os cheques, me acredita? Aí, o nome da cidade (antigo), que era ímpar no Brasil, ficou igual a outros, apenas uma Santa Maria qualquer - lamenta o professor.

Já no livro de Emundo Cardoso Santa Maria: Vivências e Memórias, ele faz um resgate mais antigo. É mencionado que, em 1781, um assentamento foi denominado popularmente como Acampamento de Santa Maria da Boca do Monte, mas ainda sem registro oficial. Mais tarde, um mapa da cidade trouxe a menção Vila da Boca do Monte. Depois, em 1876, por meio da Lei Provincial, a Vila de Santa Maria da Boca do Monte foi elevada à cidade homônima. Conforme publicação do jornal A Razão em 14 de maio de 1974, naquela época, foi votada a retirada da segunda parte do nome da cidade pela Câmara de Vereadores.

NOSSOS MORROS

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)/

Morro do Monumento ao Ferroviário 

  • Nome - Recebe o nome para homenagear o monumento homônimo que fica em seu topo. Foi inaugurado em 1934 e restaurado em 1974
  • É de propriedade privada, apesar de haver um monumento público
  • Bairro Itararé

Morro do Carmo

  • Nome - A grande curiosidade desta elevação é quantidade de nomes que recebe. O Morro do Carmo, homônimo à vila da região, também é conhecido como Morro Link, Morro da Casinha Branca e Morro do Campestre.
  • Maior parte está sobre o Parque Natural Municipal dos Morros, que é unidade de conservação de proteção integral 

Bairro Perpétuo Socorro                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Morro do Cechella 

  • Nome - Homenageia os sucessores do Dr. Walter Cechella, que foi professor da Faculdade de Economia da UFSM e diretor da Caixa Rural de santa Maria
  • É de propriedade privada 
  • Bairro Itararé

Morro do Cerrito

  • Nome - Deriva de Cerro pequeno
  • É de propriedade privada 
  • Bairro Cerrito

Morro da Pedreira 

  • Nome - Também conhecido como Morro Olienge. O local era fonte de extração de pedras da mineradora Olienge.
  • É de propriedade privada
  • Bairro Km 3                                                                                                                                                                                                                                                                        Morro dos Tucanos
  • Nome - O local ficou conhecido pela concentração de tucanos, sobretudo, na primavera
  • É uma área do município e zona intangível do Parque Natural Municipal dos Morros (PNMM). Vedado uso público, exceto para pesquisa autorizada 
  • Distrito de Santo Antão 

Morro da Alemoa

  • Nome - No local era localizada a Sanga da Alemoa. A área também é importante sítio arqueológico
  • É de propriedade privada
  • Bairro Cerrito

Morro das Antenas

  •  Nome - Designação dada pela população e por se concentrarem, lá, antenas de emissoras de telecomunicações
  • Tem imóveis privados e públicos na área
  • Distrito de Santo Antão 

Morro do Elefante

  •  Nome - Elevação é semelhante ao dorso de um elefante
  • É uma área privada 
  • Distrito de Arroio Grande

Morro dos Marianos

  • Nome - Também conhecido como Morro Mariano da Rocha. No local ficava a Chácara do Morro, de propriedade da família Mariano da Rocha
  • É uma área privada
  • Divisão dos bairro Dom Antônio Reis e Cerrito

ADMIRÁVEL RELEVO
Você pode não conhecê-los, mas, em algum momento, já deparou com as belas elevações do relevo tão característico no Coração do Rio Grande. Professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mauro Werlang explica algumas especificidades locais. O relevo daqui, em geral, é caracterizado por formas que evoluíram sobre litologias (rochas) que datam de períodos geológicos denominados Triássico e Cretáceo. A geomorfologia de Santa Maria está inserida na Bacia Sedimentar do Paraná, que foi preenchida por sedimentação depositada por sistemas fluviais seguidos por depósitos eólicos em ambiente desértico. 

Segundo Werlang, a cidade tem como unidades de relevo a depressão periférica, cujas formas de relevo dominantes são as coxilhas e as planícies aluviais, e a Serra Geral, resultante da erosão regressiva do Planalto da Bacia Sedimentar do Paraná, recoberto por lavas vulcânicas de anos e anos, e cujas formas de relevo são os morros, como o Morro do Link, por exemplo, morros, como o Morro do Link e os denominados morros testemunhos, como o Morro do Cerrito.

A tendência dos morros testemunhos é, ao longo dos anos geológicos, irem recuando ao norte. São chamados de testemunhos porque justamente testemunham que o planalto, um dia, esteve mais ao sul. O que os mantêm são rochas de maior resistência aos processos erosivos.

  • Morro - É uma forma de relevo de elevação em relação ao entorno predominante, geralmente de altura mediana maior que 300 metros e ondulado. Pode ser isolado ou conexo a outras elevações
  • Morro testemunho isolado - É uma elevação isolada, destacada na paisagem, com diferença em todo seu entorno, de gênese geomorfológica, no caso de Santa Maria, do recuo do planalto
  • Morro testemunho engastado - É uma elevação ainda conexa ao planalto (em mesma cota ou pouca diferença), ou seja, os processos erosivos ainda não o isolaram.

TURISMO E RESPONSABILIDADE

Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, para investir ou fomentar o turismo e o acesso aos morros, é preciso respeitar as restrições de uso e ocupação, pois, na maioria, são considerados Área de Preservação Permanente (APP).

Atualmente, há projetos em andamento para o Parque Natural Municipal dos Morros (PNMM), instituído como área protegida em setembro de 2016, mas fechado à visitação pública em geral. Entretanto, há possibilidade de uso público em casos de pesquisa científica, como disponibilizado para estudos de campo da UFSM, prática de esportes e acesso profissional, como o Grupo Bandeirantes da Serra, uma organização sem fins lucrativos, sempre mediante autorização.

São viabilizadas atividades envolvendo ecoturismo, turismo de aventura, contemplação, com infraestruturas previstas, além dos atributos naturais de relevância ecológica, paisagística e de beleza cênica.

Conforme a Superintendência de Comunicação da prefeitura, o município está buscando captar recursos para novos projetos.

No caso do PNMM não foi empregado recurso livre municipal, mas, sim, de compensações, contrapartidas ou multas revertidas em serviços, além de cooperações institucionais com outros órgãos ambientais, de segurança pública e organizações da sociedade civil.


Renan Mattos (Diário)/

 QUEM SÃO OS DONOS DOS MORROS?

Os proprietários de imóveis que estão situados ou que abarcam os morros de Santa Maria são muitos. Segundo a prefeitura, a maioria dos donos são pessoas físicas. Há alguns poucos casos de pessoas jurídicas, além do caso específico de bem público de uso especial do município, que é o Parque Natural Municipal dos Morros (PNMM).

Em relação a algumas casas localizadas nas elevações - o que torna impossível ou difícil a regularização dos imóveis pelo fato de estarem em Área de Preservação Permanente (APP) ou em áreas de risco geológico-geomorfológico -, a prefeitura alega que cada caso é analisado separadamente. Tudo depende das características do local. Algumas famílias são realocadas e monitoradas, além de haver constantes fiscalizações junto a novas construções e orientação aos moradores.

Segundo a Superintendência de comunicação da prefeitura, há pelo menos 11 núcleos urbanos informais, alguns próximos a morros em locais como Vila Bilibio, no Bairro Km 3. As áreas já estão identificadas no Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial, conforme a Lei Complementar nº. 118 de 2018, no mapa das áreas irregulares, no site do Instituto de Planejamento (Iplan).  

RIQUEZA EM FLORA E FAUNA

Guilherme Rocha - Divulgação/

Em contraste com a paisagem declivosa de Santa Maria, por aqui, compõem-se importantes remanescentes do bioma Mata Atlântica, além da transição para o bioma Pampa, cuja vegetação nativa é predominantemente herbácea (gramas, margaridas-do-campo, carquejas, entre outras). Assim, a região forma um ecótono, ou seja, uma área de transição entre esses dois biomas que apresentam variados ambientes e possibilitam a existência de elevada biodiversidade, conforme menciona a mestre em Agrobiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Marina Deon Ferrarese.

Vale lembrar que ambos biomas brasileiros estão ameaçados. A Mata Atlântica, principalmente, sofre com acentuada fragmentação e histórica degradação. Já chegou a ocupar, aproximadamente, 1,3 milhões de km² em 17 Estados do território brasileiro. Porém, atualmente, permanece somente com cerca de 13% dos seus remanescentes florestais no país.

Uma porção dos morros de Santa Maria com presença de Mata Atlântica é protegida por meio de uma Unidade de Conservação (UC) do Parque Natural Municipal dos Morros (PNMM), abrigando importantes representantes da flora (plantas) e da fauna (animais). Na vegetação, encontram-se árvores características como o ipê roxo, árvore símbolo da cidade (foto abaixo), a corticeira-da-serra, as figueiras, o angico, além de diversas orquídeas, bromélias e cactos.

Dos diversos representantes da fauna, estão o tucano-de-bico-verde, a gralha-azul, o beija-flor-de-fronte-violeta e mamíferos, como graxaim-do-mato, veado-virá, o quati (foto abaixo) e outras centenas de anfíbios, répteis e invertebrados.

- Por muitos desvalorizada, despercebida ou, até mesmo, contestada, a conservação dessa biodiversidade é importante para a sobrevivência humana, como o acesso e a manutenção do abastecimento de água de boa qualidade relacionada à preservação das nascentes e cursos hídricos (rios, córregos, lagos) e associada à manutenção da vegetação; a qualidade do ar que respiramos, composto em boa parte de oxigênio, gás proveniente do processo de fotossíntese realizado por vegetais e algas; as matas dos morros, que auxiliam na estabilização do solo, evitando sua erosão; as espécies que são utilizadas de forma direta (alimentos, produção de madeira, óleos, medicamentos) ou indireta (insetos que polinizam as flores de plantas cultivadas) pelo homem - defende a bióloga.

Guilherme Rocha - Divulgação

Guilherme Rocha, geógrafo e secretário adjunto da pasta de Meio Ambiente, menciona elementos que fazem de Santa Maria uma guardiã de patrimônios naturais assegurados por lei. Rocha enfatiza que a cidade e o conjunto de seus morros estão nas áreas prioritárias do Projeto RS Biodiversidade, sobrepondo-se a espaços territoriais legalmente protegidos ou como instrumentos de gestão territorial restritivos ao uso e ocupação convencionais, conforme pontuado abaixo.

- Cada cerro e cada fragmento de vegetação nativa devem ser valorizados. O conjunto todo presta relevantes serviços ambientais a Santa Maria, ou seja, os benefícios que as pessoas obtêm da natureza direta ou indiretamente, através dos ecossistemas, a fim de sustentar a vida. Temos um patrimônio aqui - orgulha-se o geógrafo.

AMPARADO POR LEI

  • O bioma Mata Atlântica tem regramento próprio através da Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006 e é patrimônio que foi tombado no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Rio Grande do Sul (Iphae-RS) em 1992
  • Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é área reconhecida internacionalmente pela Unesco como patrimônio cultural e ambiental da humanidade desde 1994 
  • Santa Maria Possui diversas Áreas de Preservação Permanente (APPs), protegidas pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Tanto por declividade quanto pelo topo de morros ou marginais a cursos d'água
  • Santa Maria possui conectividade direta com o Corredor Ecológico da Quarta Colônia, planejado com o propósito de promover a conservação da biodiversidade por meio de estratégias de gestão territorial que mantenham ou recuperem processos ecológicos, e reconhecido por meio da portaria da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) nº 143, de 16 de dezembro de 2014 
  • O PMMM está cadastrado no PDDT e LUOS de Santa Maria

REPORTAGEM

Produção e textos - PÂMELA RUBIN MATGE

Fotos - CHARLES GUERRA, GABRIEL HAESBAERT E RENAN MATTOS

Fotos de arquivo - GUILHERME ROCHA

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