reportagem especial

Os gargalos do transporte público vistos por usuários, pelas empresas de ônibus e pela prefeitura

Fotos: Pedro Piegas (Diário)

O problema é tão antigo como as promessas de melhoria que perpassaram diferentes gestões municipais e acordos entre prefeitura e empresas de transporte urbano. A propósito, nunca houve licitação para a exploração do serviço, que funciona sem concorrência há quase cinco décadas.

As reclamações dos usuários em torno dos ônibus de Santa Maria são justificadas pelo preço da passagem considerado alto em vista da qualidade oferecida e das más condições de abrigos e de alguns veículos. Tem até placa de 1997, isto é, ônibus com mais de 20 anos rodando por aí. O diretor da Associação dos Transportadores Urbanos (ATU), Edmilson Gabardo, que representa as seis empresas de transporte coletivo da cidade, afirma que todos os veículos são seguros e periodicamente vistoriados. A prefeitura alega que não descumpre nenhuma lei.

Em quase 17 anos em que o Diário acompanha as controvérsias em torno da tarifa, o reajuste passou dos 300%. Em 2002, pagava-se R$ 0,90 para andar de ônibus em Santa Maria. Hoje, a passagem custa R$ 3,90.


Nos últimos dias, o assunto voltou a agitar a rotina da cidade. É que, no fim de janeiro, a ATU protocolou na prefeitura o pedido de reajuste da tarifa do transporte coletivo. A Secretaria de Mobilidade Urbana é responsável pelo cálculo. Segundo o secretário João Ricardo Vargas, a pasta trabalha no orçamentos de pneus, combustíveis e outros cálculos que compõem a planilha. A discussão, bem como a indicação do novo valor da passagem, deve ir à tona em uma reunião com o Conselho Municipal de Transportes, no dia 12 de março.

Outra novidade sugerida pela ATU impactaria em cálculos futuros. No dia 5 de fevereiro, a associação propôs de extinguir a função de cobrador - em Santa Maria, são cerca de 350 profissionais -para diminuir em até R$ 0,40 a passagem. A notícia revoltou o Sindicato dos Trabalhadores e Condutores de Veículos Rodoviários (Sitracover) e parte da população.

- Os que decidem andam de carrão. O trabalhador e o estudante é que aguentam. Em pé ou sentado nesse calor dos infernos, a "facada" (preço alto) vem na hora de entrar no ônibus e passar na roleta. Agora, vai sobrar até para o cobrador? Não é justo - analisa José Amadeu dos Santos, 52 anos, que trabalha com pintura de imóveis, mora no Bairro Chácara das Flores e toda semana, precisa deslocar-se a outras regiões.

POLÊMICA HISTÓRICA


Praticamente todo ano, o som do bordão "quem no pula, quer aumento" é ouvido em protestos nas ruas, principalmente vindo de alunos universitários. Em épocas de reajustes da passagem, trocas de farpas entre representantes políticos, empresários e demais entidades também ilustram a histórica polêmica do transporte público do município, quem deve ser, enfim, licitado até 2021, com a expectativa de mudanças. A abertura do processo está prevista para o segundo semestre deste ano, segundo a prefeitura.

Há menos de um ano - em maio de 2018 -, uma reportagem especial deste mesmo jornal mostrou os principais gargalos do transporte coletivo. Nos últimos dias, a equipe do Diário, mais uma vez, pegou carona com os passageiros e ouviu os responsáveis pela gestão do serviço. A realidade pouco mudou.

APERTO NA VIAGEM E NO BOLSO


A viagem começou antes das 8h da última terça-feira, percorrendo bairros da região oeste da cidade. Na mesma linha, a Nova Santa Marta, estavam a cabeleireira Sheilla Floriano, 38 anos, e o auxiliar de cozinha Claudio Toledo, 52. Três paradas depois do ponto de partida, já na BR-287, quem entrava no ônibus ficava em pé.

 - É preciso ter equilíbrio - gritou uma passageira, que quase caiu após o veículo passar por um buraco na Avenida Presidente Vargas. E o equilíbrio vale não só diante dos solavancos do ônibus, como o "equilíbrio mental" para quem começa o dia suando e atrasado para o trabalho. Sheilla, segurando uma barra na parte superior do veículo, desabafava.

- Mesmo nas férias da universidade, está cheio. Já foi melhor. Os ônibus eram limpos, sem tumulto. Ou tu acatas ou vai a pé. Eu, praticamente, pago para ir trabalhar - conta Sheilla.

Sem emprego no bairro onde vive, Toledo (na foto) não escapa de trajetos diários ao Centro:

- Se não é a passagem, é um telemoto que a gente tem que gastar. É horrível porque aperta no bolso no fim do mês. E quem tá aqui é porque depende de ônibus. Se não for assim, o que vai fazer?

POLÍTICA DE TRANSPORTE INEXISTE


Secretaria de Mobilidade é responsável por fazer a coleta de dados referentes à quilometragem e à quantidade de passageiros dos ônibus do SIM (Sistema Integrado Municipal). Após, passa-se à coleta de preços e orçamentos antes da apresentação e da aprovação do valor ao Conselho Municipal de Transportes e do encaminhamento ao prefeito para a confecção de um decreto.

Atualmente, o valor está em R$ 3,90. Para os ônibus seletivos - popularmente chamados de azuizinhos - custa R$ 4,70.

O diretor da ATU, diz que o valor é correspondente ao serviço prestado:

- Somos operadores, o que o município mandar, vamos fazer. Muitas vezes, operamos no prejuízo ou nosso lucro é de 4 a 5%. A prefeitura são subsidia nada. Só que tudo tem um custo. 30% das pessoas que andam nos coletivos não pagam e não existe uma política de transporte público. Em São Paulo, a prefeitura investe R$ 3 bilhões para sobreviver à gratuidade, senão, a passagem, lá, seria R$ 7. Aqui, temos propostas para reduzir o valor da tarifa: acabar com o ISSQN das tarifas redução de 2.5% ou R$ 0,10; eliminar a função de cobrador - redução de 12% ou R$0.50; O erário municipal arcar com todas as gratuidades e descontos redução de R$1,20 e arcar com o custo de todo o transporte público. Aproximadamente R$ 80 milhões por ano. R$ 800 reais por imóvel por ano seria acrescido no IPTU. Tarifa zero - propõe Gabardo.

O CÁLCULO DA PASSAGEM*

  •  Remuneração do capital investido
  • Peças e acessórios
  • Despesas administrativas (emplacamento, vistoria e seguro)
  • Pneus
  • Imposto sobre serviço e Previdência
  • Depreciação das instalações e vida útil do ônibus
  • Salários e encargos (motoristas, cobradores, fiscais e outros)
  • Combustíveis e lubrificantes 

* Fonte: Secretaria de Mobilidade Urbana

IMPROVISO NA ESPERA


Era para haver um banco, uma cobertura ou uma placa. Em alguns locais, não há nem sequer sinalização de que ali é uma parada de ônibus. Acontece, que, na cidade em que o verão costuma ser tórrido, há apenas '6 ou 8" coletivos com ar-condicionado., segundo o diretor de ATU. As esperas pelo transporte, além de demoradas, podem ser no escuro, debaixo de chuva ou de sol escaldante.

No Bairro Campestre, o abrigo de ônibus até está instalado lá na Rua Euclides da Cunha, próximo aos trilhos, mas, à beira de um barranco e em meio à vegetação alta. Na ausência de banco, sentado em uma pedra, o serviços gerais Laureci Oliveira, 63 anos, conta que ele mesmo chegou a cuidar do local:

- Eu vendia melancia aqui. Estava tudo limpinho, aparado, porque eu cuidava. O abrigo era mais para cima, e colocaram aqui. Quando chove, desbarranca e está uma sujeira só. Lá no Passo das Tropas, onde tenho casa, a coisa está do mesmo jeito.

A cerca de 100 metros dali, na mesma rua, pessoas aguardavam em outros dois pontos, ambos sem abrigo.

- Tenho problema de coluna e diabetes. Tenho que ficar em pé - reclama a aposentada Tânia Maria Valentim, 68 anos, que esperava em um dos locais.

A cena se repete em várias regiões. A doméstica Liziane Assolim, 30 anos, conta que chega a ficar cerca de uma hora em um ponto na Rua Serafim Valandro. A única proteção que encontra é a da sombra do poste.

- Vou com o (a linha) Parque Pinheiro Machado e, se tu chegas a perder o ônibus, o próximo é só depois de uma hora. Não temos o básico, que é um lugar coberto para esperarmos neste calor. Mas, a passagem, aumentam a toda hora - indigna-se Liziane.

Na Faixa Nova de Camobi, moradores da Vila Maringá e do Residencial Zilda Arns contam um agravante: as pessoas ficam às margens da RSC-287. O trecho é movimentado, sem faixas de segurança e, à noite, o local carece de iluminação.

NOVOS ABRIGOS EM 2019?


Em maio do ano passado, o secretário de Mobilidade Urbana, João Ricardo Vargas, disse, à época, em entrevista ao Diário, estar envergonhado e ciente da precariedade de 83 abrigos, conforme um levantamento da própria prefeitura. Aliás, essa era uma das contrapartidas das empresas prestadoras de serviço de transporte. Na última quinta-feira, Vargas informou que algumas estruturas, sobretudo, no Centro, foram consertadas, mas não especificou quantas e onde ficam. Disse que a fiscalização é feita e que, até o final deste ano, haverá uma nova compra: 

- Não atingimos (o conserto) os 83. Mas o prefeito quer comprar de 80 a 100 novos abrigos para 2019.

FROTA DESCUMPRE A LEI

O monopólio do transporte urbano em Santa Maria gerou uma ação movida pelo Ministério Público, ainda em 2010. Contudo, em fevereiro do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que, antes, a cidade deveria cumprir o contrato então vigente com as empresas de tranporte, cujo prazo encerra-se em 25 de janeiro de 2020, data máxima para uma nova licitação.

Segundo o chefe da Casa Civil, Guilherme Cortez, a licitação deve ser aberta ainda neste ano, mas sem mês estabelecido:

- A licitação é uma determinação do prefeito. Será feita ainda em 2019. Estamos concluindo os estudos para o termo de referência. É um processo licitatório dos mais complexos que existem - diz Cortez.

Até lá, há uma série de ajustes. Uma delas é quanto à idade máxima para um coletivo andar na cidade.

Por e-mail, a Secretaria de Mobilidade Urbana forneceu ao Diário o ano de cada ônibus, acrescentando que "é uma lacuna que existe e que não foi alvo de preocupação nos contratos nos governos anteriores. O governo atual tem essa preocupação e tem estudado formas para a modernização da legislação e para executar uma cobrança mais forte e rigorosa a partir do processo licitatório".

O último decreto do Executivo (017/2010) em relação à idade dos coletivos é do ex-prefeito Cezar Schirmer (MDB), ainda em 2010, quando ele definiu que a idade média da frota, na época de nove anos, deveria ser reduzida para sete até 2012.

Jogo de empurra

Com base nos dados fornecidos pela própria secretaria, a média do 252 veículos coletivos é de 9,2. Na cidade, oito ônibus são da década de 1990.

- A lei não é clara e estamos fiscalizando e não estamos contra nenhuma lei. - argumenta o secretário de Mobilidade Urbana, João Ricardo Vargas, por telefone, na última quinta-feira.

Já diretor da ATU, Edmilson Gabardo justificou:

- A responsabilidade de remunerar as empresas de acordo com a idade média da frota é do município. E se a frota tivesse idade média de sete anos a tarifa seria maior do que R$ 3,90.

Frota de ônibus urbanos

  • 252 veículos coletivos
  • 16 seletivos
  • 13 distritais 

Fiscalização

Segundo a prefeitura, até janeiro deste ano, foram fiscalizados:

  • 15 veículos coletivos - 5,95% da frota
  • 2 seletivos - 12,5% da frota
  • 2 distritais - 15,3% da frota                                                                                                                                                                                                                                                

Para denunciar irregularidades

  • Qualquer irregularidade constatada por um usuário, como ônibus mal conservados, atrasos, superlotação e defeitos, pode ser repassada para a Ouvidoria do município, pelo telefone 156

A 145 KM DE SANTA MARIA


Perto de Santa Maria, a 145 km, Santa Cruz do Sul inaugurou, no ano passado, uma parada de ônibus com direito a ar-condicionado, internet, bebedouro e câmeras. O modelo, que se tornou referência nacional, custa, em média. R$ 60 mil, e conta com uma contrapartida da empresa licitada no valor de R$ 926 mil para esse fim. O município já vai para a instalação de uma terceira e prevê outras três até fevereiro 2020, bem como 100% da frota de ônibus equipada com ar-condicionado. Atualmente, do total de 63 veículos, 42 possuem refrigeração. O valor da passagem, hoje, é R$ 4, mas foi reajustado e passará a ser R$ 4,25, nos próximos dias.

- Investir em transporte público é investir em qualidade de vida e na melhoria da mobilidade urbana. Também estamos construindo modelos com vidros em vários bairros da cidade, que tem 127 mil habitantes - avalia o secretário de Transportes e Serviços Urbanos, Gérson Vargas.

REPORTAGEM - Pâmela Rubin Matge
FOTOS - Pedro Piegas e Renan Mattos
VÍDEO - Rafael Guerra

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

MAPA: os 10 locais com risco de afundamento de solo e alagamentos em Santa Maria Anterior

MAPA: os 10 locais com risco de afundamento de solo e alagamentos em Santa Maria

Quem são os personagens do Inter-SM que fortalecem a paixão do futebol do Interior Próximo

Quem são os personagens do Inter-SM que fortalecem a paixão do futebol do Interior

Reportagem especial