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Por causa daquelas palavras...

Além de ter dado aulas na UFSM por várias décadas,  ministrei aulas de Biologia nos cursinhos pré-vestibulares da cidade durante quase meio século. Foi a época áurea dos cursinhos preparatórios. Santa Maria tinha quase uma dezena deles, com professores da melhor qualidade, o que servia de polo de atração de milhares de alunos do sul do país que para cá acorriam na esperança de cursar a UFSM, à época a  única universidade existente.

O professor de cursinho - nas matérias mais procuradas - tinha cerca de mil alunos no primeiro semestre, mil alunos no segundo semestre e mil alunos no intensivo de dezembro. Cerca de três mil alunos novos a cada ano. No meu  caso, cerca de 130 mil alunos que, somados aos alunos dos quatro cursos que dei aula na UFSM, se aproximam ao incrível número de 150 mil alunos, o equivalente a uma cidade de porte médio! Até bem pouco tempo eu tinha as xerocópias dos cadernos de chamada e as listas dos nomes dos cursinhos para provar. Mas como eram caixas e caixas de papel, minha mulher promoveu uma limpeza em meu escritório...

Fiz centenas de amizades duradouras desse período. Fui padrinho de casamento de dezenas deles. Homenageado de turmas. Confidente e conselheiro de incontáveis. Mais de mil tenho adicionados no meu perfil no Facebook, muitos já aposentados. Histórias incríveis teria para contar. Umas engraçadas. Outras trágicas. Mas uma em especial lembro sempre com emoção e vou rememorar e partilhar com vocês.

Dava eu uma aula sobre noções de introdução à embriologia para alunos do cursinho. Falava sobre a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, formação do zigoto, mórula, blástula, gástrula, folhetos embrionários e discorria de onde se originavam os sistemas nervoso, digestivo, etc... E dizia a eles que aquela estrutura já era um ser vivo e, como tal, tinha de ser respeitada. Inevitável que me emocionava ao falar do feto. E discorria sobre métodos contraceptivos, todos eles. E falava sobre planejamento familiar e controle de natalidade. Isso tudo - veja bem - há meio século!

Alguns meses depois, no ano seguinte, fui procurado no edifício Itaipu, onde eu morava, no sexto andar. O zelador me avisou que uma mocinha vestida de branco queria me ver e perguntou se ela podia subir. Abri a porta e entrou aquela mocinha magra, vestida de branco, cabelos cor-de-fogo, sardenta, empurrando um carrinho de nenê. Sentou-se e com voz meiga e delicada, disse:

- Fui sua aluna no curso intensivo no cursinho e assisti sua aula sobre Embriologia. Eu estava grávida e meu namorado já tinha me mandado dinheiro da cidade onde moramos (uma cidade do norte do RS) para que eu fizesse o aborto, marcado para dois dias depois. Mas daí o senhor disse aquela frase, aquelas palavras, e eu resolvi enfrentar a família e ganhar meu bebê. Meu namorado me abandonou. Aguentei a barra sozinha. Passei no vestibular de Farmácia. E vim trazer meu bebê para o senhor conhecer. E trazer esta lembrança para o senhor - disse.

E me estendeu um envelope. Eu, curioso, abri o envelope rapidamente. Era o xerox da certidão de nascimento da criança. Abri e li. E comecei a chorar.

O menino se chamava James.

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