plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

18.398


As mulheres em tempos de pandemia

Juliana Petermann 
Professora universitária


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

Empreendedorismo em tempos de pandemia, solidariedade, saúde mental, fé em tempos de pandemia. É só dar um Google que saltam lives, posts, notícias: tudo "em tempos de pandemia". Embora o termo tenha se tornado um clichê, de ordem já quase memética, entendo a necessidade de demarcar o período histórico que infelizmente acompanhamos. Eu mesma já utilizei essa expressão aqui, no artigo "Brasil em tempos de pandemia", e agora a retomo para falar sobre a vida das mulheres.

Em tempos de pandemia, as mulheres trabalham mais. E isso não é apenas em tempo de pandemia. Provavelmente você já ouviu falar (ou até falou) que as mulheres são mais multitarefas. No entanto, um estudo publicado no Nexo desconstrói a ideia de que nós possuímos uma predisposição biológica ao acúmulo de funções. Trabalhar mais não é, assim, uma condição natural, mas uma determinação social e cultural que faz com que, de acordo com o IBGE, em média, as mulheres dediquem 10 horas semanais a mais do que homens aos afazeres domésticos. Com o isolamento social, esses afazeres aumentam em consequência da maior permanência dos membros da família em casa.

Por trabalharem mais, as mulheres pesquisam menos. De acordo com o The Guardian, em abril, o número de artigos feitos por mulheres caiu drasticamente. Já a produção masculina permaneceu inalterada. 

Em tempos de pandemia, as mulheres cuidam mais. Erroneamente o ato de cuidar já é, normalmente, atribuído a nós. Desde sempre, cuidamos mais: de crianças, idosos e pessoas doentes. Agora, o necessário isolamento acarreta na suspensão da rede de apoio das mulheres. Em home office, sem escolas e sem creches, resta sobrecarga, solidão e exaustão àquelas que ficam ainda mais responsáveis por todo ou quase todo cuidado, como confirmam dados do report da consultoria 65/10.

Em tempos de pandemia, as mulheres se cuidam mais. Segundo a OMS, em 2016, a expectativa de vida era de 74 anos para mulheres e de 69 anos para homens. Isso revela, entre outras coisas, que as mulheres cuidam mais da saúde. Assim, é esperado que, agora, estejamos mais atentas às medidas de prevenção e cumprindo mais o isolamento social (conforme dados do Datafolha). Mesmo assim?

? Em tempos de pandemia, as mulheres estão morrendo mais. E não é com coronavírus. De acordo com O Globo, no Brasil, os feminicídios aumentaram 22% em março e abril. Em casa ou na rua as mulheres estão em risco: o isolamento social previne da Covid-19, mas as expõem a um perigo que está dentro de suas casas.


Meu avô e suas certezas

Eni Celidonio 
Professora universitária


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Meu avô era o melhor avô do mundo, assim como o avô de todo mundo. Tinha um senso de humor que, graças a Deus, herdei. E era uma das pessoas mais teimosas que conheci. Tinha uma mania de olhar de soslaio, dar uma risadinha e sair à francesa, quando não concordava com alguma coisa. E a gente ficava sem saber se ele concordava e sorria de satisfação ou se estava querendo dizer "me poupe! Vai arrumar o que fazer". Eu amava isso!

Pois bem... Vovô morava em Conservatória, tinha uma pensão chamada Hotel Santo Antônio, onde passávamos férias. Era uma cidade que, na época, não tinha nem Banco do Brasil. Todo mundo se conhecia. A antena de TV era desligada às dez da noite. Jornal? Vinha no ônibus, numa estrada de chão batido lá de Barra do Piraí ou de Valença.

A chegada à lua e a ponte rio-niterói

Quando o homem pisou na lua, em 1969, a televisão mostrou, em preto e branco, com péssima qualidade, Neil Armstrong saindo do módulo lunar para cair com os dois pés na casa de São Jorge. Todos comentavam o grande feito, já se vislumbrava um grande bairro humano no espaço, o termo "fulano vive no mundo da lua" deixava de ser metafórico para virar realidade. Todos comentavam, tinham opiniões, menos vovô Zeca. Para ele, tudo não passava de armação dos "Yankees", daquele povo da América que, cansado dos filmes de faroeste, estava metido a mostrar um mundo fora da Terra. E os pobres dos brasileiros engoliam... Quanta ingenuidade! Não tinha argumento que fizesse ele entender que não era ficção, não era Hollywood... Para ele era tudo lorota e fim de papo.

Mas nada se compara à inauguração da ponte Rio-Niterói, em março de 1974... Uma semana depois de ter sido inaugurada, papai resolveu mostrar ao vovô a maravilha que era poder atravessar para Niterói de carro, sem depender das balsas que saíam da Praça Quinze. Saímos de manhã, pegamos a ponte e vovô quieto, olhando o mar, o Rio se afastando, e ele mudo, não esboçava nenhuma reação. Quando chegamos do outro lado, papai perguntou o que ele tinha achado, se não era uma obra maravilhosa, ao que ele respondeu: "o brasileiro está chegando perto, mas a lua dos 'yankees' é muito mais bem feita... Tem que ser muito idiota para acreditar que a gente pode fazer uma ponte entre o Rio e Niterói. Façam-me o favor... Sou do Interior, mas não sou besta", e morreu sem acreditar que a ponte fosse uma realidade.

As teorias de que a terra é redonda

Estou falando de 1960/1970, de alguém que morava a três horas do Rio, que necessitava pegar dois ônibus para poder chegar do Rio até lá. Uma cidade em que o leite chegava da Cooperativa em latões, no lombo de burros. Isso numa época em que não havia internet, globalização, TV a cabo... Vovô morreu em junho de 1974 sem acreditar que o homem tivesse pisado na lua ou construído uma ponte para atravessar a Baía de Guanabara, porém nunca, jamais duvidou das teorias de que a Terra seja redonda. Pelo menos isso...

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Parafraseando Macunaíma: Rentistas e sonegadores, os males do Brasil são Anterior

Parafraseando Macunaíma: Rentistas e sonegadores, os males do Brasil são

Investigar é preciso Próximo

Investigar é preciso

Colunistas do Impresso