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PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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O peso das palavras
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Cada vez que abro um arquivo no meu computador para iniciar um texto, penso no peso das palavras e no efeito que elas têm em você, que está lendo. Em uma ocasião, Hemingway disse que escrevia contos "como se estivesse mandando um telegrama internacional pago do próprio bolso. Cada palavra custa". E custa mesmo. Tanto para quem escreve, porque envia muito de si junto delas, quanto para quem as lê e que procura se encontrar em cada palavra. Mas, infelizmente, as palavras de um homem são vistas como se custassem mais do que as de uma mulher. Eu tenho alguns exemplos de que não falo isso em vão (até mesmo porque não sou de desperdiçar as palavras, que me são tão caras).

VALE QUANTO PESA

Vamos aos exemplos. No primeiro deles, posso dizer que não raro encontro textos com citações minhas, apenas com meu sobrenome e referenciadas, erroneamente, como "o autor" J. Petermann. Outro exemplo surge ao longo da história, quando percebemos que não foram poucas mulheres que precisaram assinar seus livros com um nome masculino na busca por legitimação. Tanto é que, no último mês, em comemoração aos 25 anos do Women's Prize for Fiction, prêmio literário do Reino Unido voltado para mulheres, foi lançada a coleção Reclaim her name (Recupere o nome dela).

Essa coleção reeditou obras de autoras, publicadas originalmente com pseudônimos masculinos, conferindo-lhes então a devida autoria. Além disso, relembro o relato da escritora Rebecca Solnit sobre o caso que deu origem ao termo mansplaining (quando um homem explica para uma mulher sobre algo que ela já sabe): durante uma festa, um homem passou a noite lhe explicando eloquentemente sobre o livro que ela própria havia escrito. Na ocasião, uma amiga de Solnit repetiu três vezes "esse é o livro dela", até que ele compreendesse o que se passava. Esses exemplos revelam que as palavras das mulheres, desde sempre e até hoje, pesam menos do que realmente valem.

PESO PENA

Aparentemente, as palavras de J. Petermann, caso eu fosse um autor, teriam mais peso do que as minhas. Os pseudônimos masculinos pesavam mais do que os nomes reais das autoras. Um homem achou que sua palavra tinha tanto peso, a ponto de explicar para uma mulher o que ela mesma havia escrito. Os três casos revelam, que ainda no século 21, as palavras de uma mulher têm menos peso, o que nos obriga a fazer mais força para sermos ouvidas: revelam o peso pena conferido, até hoje, às nossas palavras.

Onde eu guardei? Meus sais...
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">S abe aquele recibo que dão quando mandamos colocar lentes nos óculos, colocar moldura num quadro, lavar uma peça de roupa no tintureiro? Pois bem... Eu guardo tão bem guardado que nunca sei onde ponho. Aliás, geralmente eu não sei onde ponho nada! Sou campeã de guardar documentos e não saber onde guardei. Eu já cheguei ao cúmulo de deixar todas as minhas receitas e recibos na Sílvio Joalheiros, onde faço óculos há mais de dez anos. É muito mais seguro do que trazer comigo. Foi a maneira que encontrei de não suar frio, ficar aflita e revirar a bolsa na loja.

É o mesmo com compromisso. Sempre lembro em cima da hora, ou pior, já fui ao lançamento de um livro, cheguei na livraria e não tinha ninguém. Perguntei a um vendedor se eu estava adiantada (milagre dos milagres!) e ele me respondeu entre assustado e incrédulo: "senhora, esse lançamento é na sexta-feira! Hoje é segunda!"

Uma amiga me disse que meu problema é que eu não uso agenda, e me deu uma para que eu pudesse me organizar. Fez efeito durante um certo tempo, isso se eu não tivesse perdido ou guardado não sei onde. Comprei outra pra ver se me curava, mas a coitada teve o mesmo destino: sumiu...

Nem vou falar de canetas, livros e óculos. Ahhhh os óculos! Eu juro que meus óculos têm perninhas. Eu chego a ter um em cada canto. Adianta? Não! Os cantos me odeiam, decididamente, me odeiam...

CABEÇA VOADORA

Vou contar duas situações pelas quais passei, que dão a medida exata da minha cabeça voadora.

Todo ano, eu faço uma varredura nos armários para ver o que não uso mais, ou porque cansei ou porque encolheram (não vou admitir que engordei nem morta!). Pois bem, disse à secretária do meu dentista que tinha umas roupas de festa que não me serviam mais e ela me falou que sua filha tinha meu corpo, quem sabe eu não passasse as roupas pra ela, que ela adoraria e blábláblá. Pois eu separei as roupas e levei pra ela na outra consulta. À noite, o telefone tocou, era a secretária: "Dona Eni, sabe aquelas roupas que a senhora deixou aqui pra minha filha? Tem um blaser com umas joias dentro do bolso. A senhora pode vir buscar amanhã?" Gente... Sabe Deus onde fui com essa roupa, cheguei, tirei os brincos e anéis e tasquei nos bolsos e esqueci.

Agora, o máximo foi guardar uma pen-drive com três capítulos da minha tese de doutorado para saber onde estavam quando eu voltasse de uma viagem de férias. Voltei e adivinha? Claro que não achei, ainda bem que tinha uma cópia em CDs e no disco rígido do PC. Anos depois, separando roupas para passar adiante e já sabendo da minha neurose por bolsos, meto a mão no bolso de um casaco e quem está lá? Pois é...

Diz um neurologista amigo meu que não é preocupante que eu não saiba onde coloco a chave do carro. Devo me preocupar quando olhar a chave do carro e perguntar: Pra que serve isso mesmo? Sai pra lá, Alemão!

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