plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio


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Juliana Petermann 
Professora universitária

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Quando entrei no ônibus em Candelária eu tinha na mala os medos e os sonhos que se pode ter aos 17 anos ao deixar a casa do pai e da mãe. A decisão veio de uma conversa de juventude, quando o futuro é uma página em branco e toda vontade é permitida, e uma amiga disse com a euforia de uma descoberta: e que tal se a gente estudasse em Santa Maria? Embora me parecesse uma boa ideia, nunca havia passado pela minha cabeça. Mas também não saiu mais.

Santa Maria era, para mim, cidade grande e desconhecida. E que de toda a sua história eu só sabia um ponto: era a cidade da universidade. Ou só um grande sonho. Mas meu plano estava traçado: viria para Santa Maria para concluir o terceiro ano em uma escola "mais forte" e ficar mais perto da minha ainda desconhecida UFSM. Com pouco dinheiro e pouca tradição - pois o caminho natural para minha família seria estudar em Santa Cruz, distante 40 quilômetros e que me permitiria ir e voltar todos os dias - confesso que forcei a barra e contei com meu pai e minha mãe. Minhas amigas desistiram do plano e eu levei a sério a conversa do corredor.

CRESCI, CRESCEMOS

Nunca havia percorrido a BR 287 no sentido contrário: até então só sabia que era o caminho até Porto Alegre. Era a primeira vez que eu ia para o outro lado e os 100 quilômetros me pareceram longos. Mas quando o ônibus cruzou a Avenida Roraima - que somente depois eu saberia nomear - e eu consegui ver o arco azul que cortava o céu cinza, dei concretude aos meus desejos de futuro: eu queria cruzar aquele arco e experimentar a vida no campus. E, naqueles segundos em que a minha imaginação sobrevoava feito um drone, me levando do ônibus até a entrada da UFSM, eu nem podia supor o quanto seria verdadeira e linda a nossa história.

Eu sabia tão pouco sobre o lugar que seria minha nova casa que estranhei quando o ônibus não parou nos arredores da universidade. Seguiu por uma estrada pouco habitada. Nervosa, eu pensei que tivesse perdido a parada na rodoviária de Santa Maria. Depois, que o mistério se resolveu eu ri, aliviada: descobri que a UFSM ficava em um bairro chamado Camobi, e que a estrada que percorri era a ainda deserta Faixa Nova.

Eu tinha só 17 anos e todos os 22 anos que vieram depois disso foram de muitas outras descobertas. 22 anos inscritos nos 60 anos que a UFSM completa em dezembro. Cresci, crescemos. Mas toda a vez que eu percorro a Avenida Roraima e vejo o arco, me reabasteço com a força dos meus sonhos da juventude e com a energia de cada jovem que vem construir a sua vida junto com a vida da UFSM.      

Dalva
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Eu já falei pra vocês da Dalva? Não? Ahhh, é um erro meu, vai me desculpando aí... Se Santa Maria me trouxe algo maravilhoso foi a Dalva.

Ela chegou lá em casa e foi logo dizendo: "vou ficar aqui só seis meses, pra quebrar o galho, até a senhora arrumar outra pessoa". Chegou quando a Renata ia fazer nove anos, ela já vai fazer 34, é só fazer as contas...

As pessoas dizem que ela é minha babá (gente invejosa, pessoas mal-amadas). Ela me liga quando está armando um temporal, sabe onde está tudo que eu não acho, quando o Celso viaja e fico sozinha com ela em casa ela só prepara o que eu gosto de comer, liga à noite pra saber se eu comi o sanduíche que ela deixou pronto na geladeira, e o melhor, antes da pandemia, quando eu saía pra UFSM, ela abria a porta da cozinha e começava: "está levando o ocrinhos escuros? A chave do carro e os documentos estão aí? Está levando um casaco? Olha que vai fazer frio, se não, deixa no carro. Não esquece de comer alguma coisa, que a senhora tem aula o dia inteiro, e saco vazio não fica em pé. E por favor, LIGA O CELULAR, falando nisso, ele taí? Olha se tá!" Todo dia a mesma coisa, uma mania que só a minha mãe tinha, quando eu era menina.

UM BOM NATAL PARA O SENHOR

Pois bem, depois de anos aqui em casa, ela começou a pegar nossas manias por osmose. Não sabia fazer muita coisa na cozinha; hoje, faz coisas maravilhosas, mais até do que eu, que ensinei a ela. Aprendeu a usar temperos, a fazer massas (inclusive a folhada, dos deuses), só não consegui ensinar a passar roupa.

Para vocês verem como ela aprendeu as nossas manias, vou contar o que aconteceu na sexta-feira de tarde. Já tem um tempo que a Oi resolveu que temos que ter internet fibra ótica, de não sei quantos megas, que isso e que aquilo. Tudo bem, eu entendo, eles estão fazendo o trabalho deles, mas eu digo que não me interesso; o Celso, menos paciente do que eu, começa a pedir, encarecidamente, por misericórdia que não liguem mais, que tirem esse telefone da lista, mas nada adianta. Ligam, praticamente, umas 20 vezes por dia, no telefone fixo, no celular, por telegrama, com sinal de fumaça, batem tambor, credo! E a Dalva só observando...

Pois bem, na sexta-feira o telefone tocou e ela atendeu na cozinha. Eu, ao lado dela, só ouvia:

-Alô! Oi Oi! Claro! Já tenho sim! O quê? Mas credo, tá bombando! Eu uso sempre que chego em casa do trabalho! Melhor coisa que fiz na vida! Um luxo! Não falha nunca, uma beleza! O quê? Não estou ouvindo bem... Mas é que esse telefone não é Oi, né? Ahhh... Muito obrigada! Eu também desejo um Natal bem bom pro senhor! E um ano de 2021 bem maravilhoso pro senhor e pra toda a sua família! - isso tudo com uma cara de deboche...

- Quem era Dalva, perguntei curiosa.

- Ahhh, era um dos caras da Oi. Esse não liga mais. Menos um! E caímos na gargalhada...



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