plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Fabiano Dallmeyer

18.398


  • A primavera de Ivone
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

    style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

    Ivone arrastava o chinelo de solas gastas pelo cascalho da ladeira, em ritmo dado com a melancolia. Vinha sempre com um sorriso tão gasto quanto a borracha das sandálias: prestes a rebentar em machucados. Ríamos daquela cena, com a implicância cruel das crianças.

    Éramos eu e uns dois primos, ainda guris mal-chegados aos dez anos. Lembro que ela ficava mais faceira quando passava por nós, e por vezes até convidava a gurizada pra tomar café na casa velha. O pátio da casa era escuro já antes do sol morrer, cercado de um taquaral fechado, com um poço de águas fundas no limiar do que desconhecíamos. A casa era humilde como todas as nossas, porém mais triste, mais quieta. O único vestido que Ivone usava tinha a cor aparentada à da casa, um rosa apagado, e também estragos brutos, feios. Quando ela lavava a roupa pesada no tanque de pedra sob um teto de lona, o pátio virava um charco espesso, turvo de manchas sombrias.

    O marido era a maldição da Ivone e das três filhas que o casal botou no mundo. Trabalhava numa oficina ali mesmo no beco cheio de cortiços em que a gente viveu a alegria e a pobreza da infância. Nunca, que eu me recorde, ouvimos a voz dele durante o dia; mas depois da diária cumprida, com as ideias endiabradas pela cachaça no bar do Polaco, o homem vinha todo bambo, o bafo de gambá sensível aos longes, xingando de nomes feios a gurizada que lhe acertava boladas nas canelas.

    A gritaria que ele fazia em casa era o pior. Ouvíamos as ofensas, as acusações, os impropérios destinados à mulher e às meninas. Choros de raiva e cansaço. O homem perseguindo as filhas, errando até os nomes das gurias, querendo vingança por ser um imbecil. Davam voltas e voltas à casa, a gente via da janela - até que ele caía, podre, imprestável, a cara desfazendo nas poças. Elas vinham vindo devagarinho, por detrás das taquareiras. Juntavam o traste do chão. Depois, o silêncio.

    UM DIA TUDO MUDOU

    Um dia, que parecia igual aos outros, o marido da Ivone morreu. Não houve lamentos; os adultos foram ganhar o pão, as crianças foram jogar a bola. A vida era a mesma.

    Mas pra Ivone mudava, e muito. E tudo.

    Foi trabalhar fora, encaminhou as filhas aos estudos, quis a vida acumulada. Comprou um vestido novo, pintou a boca com o vermelho mais exuberante que a vendedora da Avon trazia no catálogo. Arranjou amantes, piscava o olho para os guris que engrossavam a voz, mandou botar um espelho grande na sala - pra nunca, nunca mais sair de casa sem se reconhecer as vaidades. Aprendeu a ler cartas. Dançou e tomou aguardente ao redor do fogo.

    Os vizinhos não viam com bons olhos isso tudo. Mulher viúva, três filhas pra criar. Quisesse casar, casasse. Arranjasse outro homem. Recuperasse a boa crença, os modos, a humildade de lavar toda noite o mesmo vestido da manhã seguinte.

    Ivone não ouviu ninguém. Ninguém também ouviu mais homem nenhum levantando a voz para ela. Quando foram entregar a santinha na porta da casa, ela recusou. Não fazia questão de receber santidades que nunca a acudiram no suplício.

    Na minha lembrança, Ivone nunca morreu, apesar dos anos. Ainda posso ouvir sua risada exagerada, a música alta no rádio à pilha, os gracejos que distribuía aos moços e aos velhos, faceira. Provocadora. Ainda posso ver Ivone festejando a vida com seu vestido novo.

    Período eleitoral
    Fabiano Dallmeyer
    Fotógrafo

    style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

    Estamos entrando novamente num período de extrema importância que é tão negligenciado por tantos. Este é o momento de escolher os nossos representantes. Digitar números na urna eletrônica é parte mais fácil do processo. O mais difícil, é a escolha. E sempre é bom prestar atenção nos candidatos, e saber que para algumas das vagas são dois, um principal e o seu vice, que pode assumir. A história recente do país mostra que muitos não se preocupam com a profundidade dos cargos, e suas utilidades. Depois não adianta reclamar se o vice não tem o mesmo viés ideológico do candidato principal, faz parte de uma "chapa". Quem vota em um, vota no outro.

    DEMOCRACIA

    Vivemos em um país democrático. E que assim seja para sempre! Concordo com Rui Barbosa, "a pior democracia é preferível à melhor das ditaduras". E as eleições fazem parte desse processo. A vontade do povo, o governo do povo. Para isso, a maioria dos votos válidos é a forma de escolher os representantes.

    Há dias, tivemos uma demonstração pública da ignorância de uma atleta de vôlei de praia representante da pátria, que quando deveria comemorar ocupou seu espaço com a fala "Fora Bolsonaro". É necessário registrar que ela usou do seu direito de expressão, mas cometeu o erro de ter feito no lugar errado, e na hora errada. Ostentava ao peito a marca do Banco do Brasil, uma empresa estatal, que patrocinava. O fato gerou a divulgação de uma nota de repúdio por parte da Confederação Brasileira de Voleibol.

    JÁ NINGUÉM QUER OUVIR

    Tenho notado uma tendência ao "emburrecimento" de algumas pessoas, que motivadas pela luta (não importa qual) e pela rebeldia, já não conseguem ter senso crítico. São pessoas que acusavam "opositores" de robôs, quando elas mesmas hoje repetem falas sem sentido algum, como se fossem ensinadas por um mestre.

    O presidente da República fez um discurso na abertura da 75ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), neste, Bolsonaro deu alguns dados equivocados, como quando falou do auxílio. O governo definiu que o auxílio ia ser pago em três parcelas. Depois, estendeu para mais duas parcelas, todas de R$ 600. O último anúncio, em setembro, incluiu mais quatro parcelas, no valor de R$ 300 cada uma. Com isso, cada trabalhador aprovado no programa pode receber, ao final dos pagamentos, R$ 4,2 mil. Na cotação mais atualizada do dólar, de 22 de setembro, o valor corresponde a aproximadamente US$ 766, e não US$ 1 mil como ele disse no discurso.

    Mas o discurso foi muito condizente com a realidade que o país vive. Mesmo assim, as tais pessoas "robotizadas" tentaram deslegitimar o discurso, escrevendo muita coisa sem sentido, na já tradicional tentativa de atacar o governo. Estes precisam aprender - e rápido - o real significado do que tanto falam, democracia. Já ninguém quer ouvir, pensar, então, parece impossível.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

A próxima vítima Anterior

A próxima vítima

Na volta às aulas, o que as crianças precisam? Próximo

Na volta às aulas, o que as crianças precisam?

Colunistas do Impresso