plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Fabiano Dallmeyer


  • Ler para respirar
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

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    De uns tempos pra cá ando cedendo a certos hábitos que nunca tive. Um deles é o repentino gosto por listas e metas de leitura. Sempre fui de ler do modo mais desorganizado possível, encadeando leituras radicalmente distintas, interrompendo-as bruscamente ou mesmo dividindo o tempo entre trechos de um e outro livro.

    Não que eu tenha abandonado de todo o método do caos: ainda gosto, por exemplo, de ter livros dispostos em vários cômodos da casa, de modo que, ao movimentar-me pelo espaço, possa criar itinerários de leitura que respondem ao acaso e ao humor de cada ambiente. Se, por exemplo, sei que é na sala que as manhãs de primavera propiciam uma luz solar mais intensa, ali tento deixar um ou mais volumes que me abasteçam com o que preciso para pensar ao sol. Já quando o tempo está chuvoso, busco a janela desde a qual se vê melhor a paisagem de nuvem que assombra a cidade. Nestes dias deixo por ali algo que possa ler no mesmo ritmo espiritual da chuva rala ou da tempestade.

    Mas essas pequenas bússolas com que me deparo enquanto vago pela casa estão longe de compor um mapa muito coerente. São apenas tentativas de traçar uma cartografia que me permita, aconteça o que acontecer em qualquer estação do ano, ter sempre um livro à mão. Penso que o convívio comigo mesmo é um tanto mais entediante se não estou acompanhado das palavras de um bom livro.

    NOVAS ESTRATÉGIAS

    Uma tática recente tem sido a de estabelecer metas de leitura. Não que eu me sinta pressionado a submeter o prazer de uma boa leitura a alguma questão estatística. Mas se durante meu tempo livre desperdiço as horas sem ter lido um conto, um poema, alguns capítulos de um romance ou ensaio, fico com a impressão que afinal de contas não aproveitei tão bem assim meu ócio.

    Pois bem. Percebendo que podia ler mais, resolvi me desafiar a cumprir uma meta de leitura que previa um livro por semana durante o ano. Bom, o que acontece é que na verdade já estamos em novembro, e ainda não cheguei nem perto de atingir a marca que eu mesmo me impus. Mas já posso notar alguns resultados satisfatórios, que seriam na verdade efeitos colaterais de tipo benéfico.

    Por exemplo, como tento levar mais ou menos a sério o desafio, cada vez que fico tentado a ler os comentaristas toscos das redes sociais, lembro que poderia estar folheando páginas de algum clássico ou novidade literária. E isso é estímulo suficiente para me fazer levantar da frente do computador no intervalo do trabalho e buscar os cantos da casa onde sei que os livros me aguardam com generosa paciência.

    Não quero me alienar, não me entendam mal. Mas é que às vezes é bom para a saúde da gente saber que a mesma humanidade que chafurda na lama da estupidez gerou também Hilda Hilst, Guimarães Rosa, Drummond, García Lorca. Essa gente que sabe dizer tão bem que a melhor poesia é um antídoto contra toda sorte de fascismos. 


    Exaustão
    Fabiano Dallmeyer
    Fotógrafo

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    Quando sentei em frente ao computador para escrever esse texto, especialmente para a coluna, estava completamente "sem assunto". Pensei em escrever algo sobre as eleições do próximo final de semana, em 15 de novembro, mas imaginei que este assunto já fora debatido e falado quase que à exaustão. Já que toquei no assunto vou apenas deixar meu recado aos que leem esta coluna, que copiando o pedido tanto dos republicanos como dos democratas na recente campanha eleitoral para presidência dos Estados Unidos da América, diziam vote! Tenho um amigo que é contra a obrigatoriedade do voto, mas que tem o pensamento focado no "já que é obrigatório, vou fazer bem feito". Votar em branco, é como dar carta branca "pra quem quer que seja", e isso tem seu preço. Portanto, escolha um candidato que mais lhe representa, e vote. Vote!

    OUTRO TEMA

    Outro tema que pensei para escrever, estava relacionado ao estupro da jovem Mariana, pelo "playboy" André. Não tenho a intenção - muito menos conhecimento - de penejar algo em relação ao caso, em relação ao lado jurídico. O juiz errou? Acertou? Alguém deve ter respostas, eu não. Esse sim é um assunto que deve ser debatido à exaustão! Até que tudo fique esclarecido e finalizado com sucesso. Sem que caia no esquecimento, fato comum em nossa sociedade. Leva tempo, mas a justiça é feita. Lembra do cidadão Ricardo Neis, que há nove anos causou um dos atropelamentos de maior repercussão em Porto Alegre na Cidade Baixa? Foi em 25 de fevereiro de 2011. Ele ficou irritado ao ver a rua bloqueada pelo grupo de ciclistas que participava de uma pedalada do movimento Massa Crítica. Depois disso, em 2016, ele foi condenado a prisão por 11 tentativas de homicídio e cinco lesões corporais. Chegou a ser preso, mas posto em liberdade, até maio estava foragido. Foi preso em maio de 2020. Nove anos depois. Leva tempo.

    A sentença do caso de estupro da jovem causou uma grande (e necessária) movimentação de debates sobre o assunto, com a branda (ou inexistente) condenação do suposto estuprador no topo. Há um fato - para além do estupro em si - que me causou sensações, variando entre a indignação e o asco, em relação à irresponsabilidade de uma publicação online em formato de jornal independente intitulada "The Intercept Brasil". Na reportagem (os editores chamam aquilo que produzem de jornalismo) sobre o caso de estupro, usaram um termo inexistente, e atribuíram à sentença. "Estupro culposo" ganhou as redes. Novamente muitas pessoas reproduziram o termo. Mais tarde, o próprio Intercept escreveu:

    A expressão 'estupro culposo' foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.

    Um pouco tarde. O erro estava feito. Apenas mais um.

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