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PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Fabiano Dallmeyer

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  • Itaimbé, uma metáfora da cidade
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

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    Minha relação com o Parque Itaimbé foi de curiosidade à primeira vista. Vindo de uma cidade com muitas praças e um só parque nos moldes provincianos, daqueles construídos especificamente para a realização de feiras comerciais, o formato alongado e sinuoso desse raro trecho verde do centro de Santa Maria me deixou intrigado.

    A princípio, sem saber que o parque havia sido construído sobre o leito de um arroio e seguia com exatidão as curvas do seu curso d'água, a configuração do território me pareceu excêntrica: por que estendê-lo como um corredor, e não arranjá-lo como uma cidade em miniatura, com seus diferentes caminhos, ambientes, labirintos?

    Ao mesmo tempo, se comparado aos parques municipais que eu conhecia, quase sempre protegidos por cercas austeras, a abertura do Itaimbé me sugeriu liberdade, convívio espontâneo, e a perspectiva de atravessá-lo de ponta a ponta em direção aos trilhos enfim se sobrepôs ao primeiro estranhamento. Afinal, a geografia humanista das pessoas compartilhando a grama, tomando chimarrão ou cerveja, entre conversas preguiçosas e a contemplação do sol, enquanto os cães formam matilhas tão efêmeras quanto a folga do domingo, guarda uma imagem da cidade como utopia coletiva. Uma ideia de espaço público desejável, e, mais do que isso, acessível.

    Mas tão logo cedi aos encantos do parque, reconheci a obscura condição do seu abandono. A face reversa do Itaimbé ensolarado e festivo, público e arborizado, é revelada pela indiferença sistemática que a administração municipal lhe impõe desde há muito. Hoje, andar pelo parque é se sujeitar ao risco de uma fratura exposta: ao menos em dois pontos, próximos aos viadutos da Pinheiro Machado e da Venâncio Aires, há crateras de dimensões lunares. Algumas faixas de sinalização eventualmente são posicionadas ali, mas quase como a protocolar os abismos: de efetivo, nada se faz há meses para conter a erosão agravada pela infeliz ideia que alguém teve de asfaltar o passeio.

    UM MAUSOLÉU?

    A luz do Itaimbé só existe enquanto o sol brilha. Após o entardecer, somos entregues à sorte de vagar no escuro sobre um campo minado. No entorno das seis quadras esportivas do parque, em que, diariamente, se reúnem dezenas de jovens para jogos improvisados de futebol ou basquete, não é disponibilizado um único bebedouro. As goleiras e tabelas nunca são repostas; os bancos depreciados jamais são substituídos. Nenhum banheiro público é oferecido aos passeantes, e a Concha Acústica Lupicínio Rodrigues, lugar de memória para a cultura da cidade, assemelha-se hoje a um mausoléu decrépito. A lista de catástrofes é longa, e vai da miudeza ao escândalo da precariedade.

    Não fosse hoje uma ou outra louvável exceção, como o folclórico Bar do Pompeo e sua confraria de distintos boêmios, o reinaugurado Bombril e a sede do Sesc, já na zona limítrofe do parque, o Itaimbé seria uma vizinhança impraticável. É quase impossível não imaginá-lo como uma metáfora triste, a catalogar, melancolicamente, os defeitos de Santa Maria: esburacado, inseguro e alagadiço. Ainda que as pessoas o iluminem como um percurso afetivo, espera-se mais zelo por parte dos governantes.




    Os velhos
    Fabiano Dallmeyer
    Fotógrafo

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    Mal amanhece, e quando o sol sobe no céu os velhos andam nas ruas. Cada um com seu local de eleição, uns ficam sentados nos bancos da praça, outros reúnem-se perto de cafés. Analisam movimentos, comentam sobre este ou aquele ou acotovelam-se quando elas passam, enfim são velhos. Curtem o canto dos pássaros, discutem as estações para entender porque faz frio no verão. Nada acontece sem o aval, sim ou não, destes velhos.

    Os que preferem as praças, alimentam pombos com pão e milho, mesmo que sejam pássaros imaginários. Os pombos falam com eles, claro que na língua dos querubins. E quando a tarde se vai e a noite chega, voltam novamente a ser velhos, seguindo o rastro do sol como espelho em um lago. O dia vai acabando. Lentos, sabem que vão um dia subir ao céu montados em um cisne branco que está no lago.

    Mais ou menos assim é a história retratada em uma música portuguesa, interpretada por um cantor das terras lusas, o Rui Veloso.

    Esta canção me trouxe a lembrança dos "velhos" que encontrava todos os dias no calçadão da Bozano. Fiquei pensando o que pensam estes velhos nesses tempos de discussões infinitas sobre o tema do ano, a Covid19. Já estamos em 21! Quanto tempo passamos com essa nova rotina... Podemos sair sem roupa íntima, mas jamais sem máscara. Parece óbvio (ao menos deveria, não é?!) que isso seja uma atitude normal. Normal? Pra quem viveu tantas coisas! Será que os "velhos" conseguem entender o real significado de "grupo de risco"? Espero que sim.

    VACINAS

    Há quem esteja desesperado para tomar as primeiras doses de qualquer marca e procedência, há aqueles que já disseram publicamente que não vão tomar a vacina e também o grupo dos que preferem aguardar. Entendo. Numa comparação simples, lembro das conversas entre amigos quando um modelo novo de carro era lançado - os modelos realmente novos demoravam anos para vir ao mercado - e muito diziam "não pode comprar as primeiras unidades, pois essas ainda nem foram testadas direito, e sempre apresentam problemas.

    MELHOR É AGUARDAR

    O melhor é aguardar um tempo, e pegar com os "defeitos corrigidos". Claro, hoje a velocidade de lançamento de modelos é ao melhor estilo Bolt, e já não há mais carros com problemas logo após seu lançamento. Ou ainda existem? Não, eu não estou comparando carros com vacinas.

    Lembrei-me desses dizeres, e entendo os que querem tomar a vacina, mas não agora, ou nem o modelo apresentado como opção.

    Poderemos no futuro escolher "a marca e o modelo" de vacina? Eu prefiro. Nada acontece sem o aval, sim ou não, dos velhos.

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