opinião

OPINIÃO: Participação da sociedade civil:decreto bloqueia possibilidades

A Constituição Brasileira de 1988 consolidou instrumentos de participação direta e indireta dos cidadãos nas decisões e no acompanhamento de políticas públicas. Nesse sentido seguiu a tendência predominante nas constituições promulgadas após a 2ª Grande Guerra em diversas nações, inclusive europeias.

No nosso caso, além da previsão de instrumentos de deliberação direta pelo eleitorado (plebiscito e referendo) e do direito de propor leis (iniciativa de projetos por um percentual de eleitores), a Constituição prevê órgãos colegiados, integrados por representantes  da  sociedade  civil,  para proposição, acompanhamento e fiscalização de políticas públicas, em especial as da área social. Também exige audiências públicas e discussões abertas à população em várias matérias.

A esse conjunto de canais para o cidadão interagir ou se fazer representar, não se limitando ao seu poder fundamental de eleitor e de delegação aos votados para funções executivas e legislativas nas instâncias federativas, alguns chamam de "democracia participativa". O seu incremento depois da Segunda Guerra deveu-se à avaliação de que a tradicional democracia representativa, estrito senso (na qual o povo apenas exerce seu poder originário ao eleger e delegar aos parlamentares e governantes), criara uma sensação de alijamento da cidadania em relação ao poder e facilitara a ascensão de experiências totalitárias no período que antecedera esse grande conflito, em especial, fascismo e nazismo.

Além de eleger os seus representantes, devem existir casos em que os cidadãos diretamente  decidam  questões  fundamentais  em  processos plebiscitários e também tenham outras formas de participação, acompanhamento e fiscalização nas políticas e gestões públicas.

Todo este arcabouço participativo institucional acaba de sofrer um duro revés através de um mero decreto presidencial. O recente ato, Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, simplesmente extingue todos os órgãos colegiados que não tenham sido plenamente  regulados  por  leis  específicas. O documento legal inclui:  conselhos,  comitês,  comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e outras denominações para agrupamentos com a participação da sociedade civil. Ou seja, onde houver representação de fora da administração pública, está extinto o colegiado.

Tenho sérias dúvidas sobre a constitucionalidade de tal disposição porque confronta o espírito e a tendência repetidamente afirmada na Constituição de 1988. Todavia, isto dependerá de apreciação pelo Judiciário.

É  lamentável  que  a  administração  pública  queira se fechar, limitando à exclusividade dos gabinetes burocráticos e das vontades políticas de governantes, as decisões e o acompanhamento das políticas públicas. Vai faltar o necessário oxigênio dos vários setores da sociedade civil interessados em interagir em cada tema. E isto, em um tempo em que as ferramentas de internet e redes sociais prenunciam uma cada vez mais forte participação da cidadania. É grave retrocesso.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

OPINIÃO: Custos de transação e a economia social Anterior

OPINIÃO: Custos de transação e a economia social

OPINIÃO: Gervásio Baptista e a fotografia Próximo

OPINIÃO: Gervásio Baptista e a fotografia

Colunistas do Impresso