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OPINIÃO: Acreditem nas mães


Minha mãe sempre dizia: "Quando tiveres filhos (as), vais entender o que te digo". Geralmente essa frase era acompanhada de uma expressão cautelosa, querendo alertar sobre como, muitas vezes, as mães não são completamente compreendidas. No início eu sorria, desconfiando que era drama. Vem chegando o Natal e ainda guardo os seus sábios conselhos. No entanto, procuro praticar todos que ela passou ao longo da vida. Um deles era exatamente sobre essa época do ano, mesmo quando já carregava a tristeza da ausência dos meus avós, dizia que era preciso manter a alegria desse momento. Parecia que, com o tempo, as luzes natalinas não brilhavam tanto, pois começaram a faltar pessoas que amávamos.

Mesmo assim, ela buscava forças em seu caderno de receitas repetindo as tortas, biscoitos e temperos da família que, de certa forma, traziam nossos queridos para perto. No início, quando ainda criança, lembro da casa alegre, decorada e com cheiro dos seus famosos doces que não se contentavam em ficar presos na cozinha e atravessavam todos os corredores da casa. As conversas e risadas ouvidas ao longe, embalavam nossas noites na pequena cidade de Lavras do Sul. O único choro que recordo dessa época foi de ter ganho um boneco sem cabelos, enquanto minhas irmãs receberam bonecas, que, além de longas tranças, piscavam os olhos. Minha mãe era tão iluminada, que sempre fez compreendermos que o mais importante não era o presente do Papai Noel, mas, sim, a intensidade da vibração nesse instante. Estarmos juntos era o principal. A sorte de uma mesa farta e uma família enorme preenchiam nossas vidas de afeto.

Mas o melhor de tudo era a sensatez frente aos fatos, explicando que não precisava guardar mágoas, podendo verbalizar com ela sobre o que incomodava, pois acreditava nas mulheres. O tempo passou e hoje vejo que ela sempre teve razão, principalmente quando alertava que, para as mulheres serem valorizadas, precisavam estudar mais, trabalhar mais, correr mais. Queria te dizer que fizemos tudo isso, minha mãe. Tuas netas continuarão fazendo. E quando bater a saudade de um bom conselho, pegaremos o velho caderno de receitas e, enquanto estivermos quebrando os ovos e misturando o açúcar, repassaremos na memória todos os ensinamentos para uma vida mais digna. Hoje percebo que não são só as mães que têm medo de não serem acreditadas. São as mulheres. O episódio de Abadiânia comprova: apesar de centenas de denúncias contra um só homem, muitos ainda duvidam da palavra delas. O Ministério Público, até o momento, já recebeu 506 relatos de abusos sexuais. A própria filha denunciou violação sexual. Vítimas de seis países e vários Estados brasileiros relataram situações de estupro e seus seguidores seguem defendendo o "santo homem".

Detalhe: o Ministério Público tem registros contra o João de Deus desde o ano de 2010, quando ele foi inocentado por falta de provas. Quanto vale a palavra de uma mulher? Quanto vale a palavra de muitas mulheres? Vale a reflexão: homem branco, hétero e rico. Fórmula quase infalível em nosso país para que apenas a sua palavra seja aceita. Que esse caso sirva para percebermos a importância de denunciar situações de qualquer tipo de violência. Atualmente, quantas mães explicam que estão cansadas pelo esforço não reconhecido, pelos baixos salários, pela dupla jornada de trabalho? Quantos filhos e filhas ainda pensam que é drama? Pois parem de achar que as mulheres só reclamam. Aproveitem as festas de final de ano, abram vocês o livro de receitas e preparem uma bela ceia, repleta de flexibilidade, respeito e tolerância. As mulheres e, também as que são mães, sabem quase tudo. Quando protestam é porque estão no limite. Então, por favor, acreditem nas mães! Acreditem nas mulheres!

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