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OPINIÃO: Vou-me embora pra Pasárgada (ou para não dizer que não falei das eleições)

Pasárgada, antiga capital do Império Persa, foi resgatada como mítico refúgio de Manuel Bandeira - um dos grandes da poesia brasileira - nos duros embates do poeta com a vida. No poema com o título acima, publicado no livro "Libertinagem" em 1930, Bandeira, com geniais pinceladas de modernidade, deu vazão às dores e frustrações, resultantes de seus graves problemas de saúde, valendo-se do escapismo, recurso estilístico de escolas literárias já, na época, ultrapassadas (Arcadismo e Romantismo). Mas essas são questões que dizem respeito aos doutos estudiosos do tema literatura, o que, obviamente, não é meu caso.

Sou apenas um aprendiz de poeta e cronista provinciano preocupado com o futuro. Com meu próprio futuro e com o futuro dos meus descendentes e dos restantes duzentos e poucos milhões de brasileiros. Diante da aparente falta de perspectivas e da inquietação que disso resulta, veio o mergulho na inspiradora poesia de Bandeira, um dos dois ou três maiores poetas brasileiros, diante de cuja obra sempre me ponho em posição de reverência. Eis o poema inteiro:

"Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que quero / Na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada. Vou-me embora pra Pasárgada / Aqui eu não sou feliz / Lá a existência é uma aventura / De tal modo inconsequente / Que Joana a Louca de Espanha / Rainha e falsa demente / Vem a ser contraparente / Da nora que nunca tive. E como farei ginástica / Andarei de bicicleta / Montarei em burro brabo / Subirei no pau-de-sebo / Tomarei banhos de mar! / E quando estiver cansado / Deito na beira do rio / Mando chamar a mãe-d'água / Pra me contar as histórias / Que no tempo de eu menino / Rosa vinha me contar / Vou-me embora pra Pasárgada. Em Pasárgada tem tudo / É outra civilização / Tem um processo seguro / De impedir a concepção / Tem telefone automático / Tem alcalóide à vontade / Tem prostitutas bonitas / Para a gente namorar. E quando eu estiver mais triste / Mas triste de não ter jeito / Quando de noite me der / Vontade de me matar / - Lá sou amigo do rei - / Terei a mulher que eu quero / Na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada."

Enredado entre vida e delírio, entre poesia e eleições, socorro- -me mais uma vez da poesia, relembrando outro genial poeta pátrio, Carlos Drummond de Andrade, e seu maravilhoso "E agora, José?", que, no final, apesar da afirmação do isolamento, da solidão, da falta de amparo, da ausência clara de futuro, deixa surgir uma vaga e difusa esperança, pois José - que é cada um de nós e, portanto, todos nós, a coletividade - resiste e segue, mesmo que não saiba para onde, nem com qual objetivo.

De sua fortaleza e resistência ("Mas você não morre?/ Você é duro, José!") é que surgirão as respostas para a indagação. Enquanto espero as respostas, cuido de me acalentar na metáfora possível nestes tempos difíceis para a poesia.

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