
O Brasil viu arder parte significativa de sua história, cultura e ciência: o bicentenário Museu Nacional, criado antes da Independência pela família real portuguesa, quando esta se alojou no Rio de Janeiro. O Museu foi depois instalado em prédios históricos, um deles o palácio onde residiram os reis brasileiros. Há algum tempo estava confiado à Universidade Federal do Rio de Janeiro como sua proprietária e mantenedora. Não é apenas um Museu com relevantes peças e coleções científicas em várias áreas. É também um centro de pesquisas com conceituados grupos de cientistas.
Na Semana da Pátria, nossa identidade histórica e cultural ficou um pouco menor. Sem dúvidas, uma tragédia de abissais proporções. Já há um culpado, mesmo antes de perícias e investigações: o governo. O brasileiro é um povo que há muito se demitiu da cidadania para a fácil terceirização das responsabilidades: se há crime, tragédia, acidente, fenômeno natural e assim por diante, a culpa é do governo, genérico ou específico algum governo é culpado. Se até as placas dos monumentos são roubadas, não se cogita de que sociedade é essa que não respeita seus símbolos nem se fala da desintegração familiar ou da generalização das drogas que geraram pessoas capazes de tal comportamento: algum governo é que deveria ter providenciado um guarda ao lado de cada monumento, vinte e quatro horas, para evitar furtos.
E como governo algum, no mundo, será capaz de modificar toda uma sociedade, resolver a vida familiar de seus cidadãos, curar o caráter mal formado de milhões de pessoas, seguimos adiando o enfrentamento real dos problemas. O incêndio no Museu acontece em cenário propício para ter o governo como único culpado por não ter mandado dinheiro extra para que obras e instalações preventivas tivessem ocorrido. Afinal, estamos diante de um governo que não se legitimou, cambaleia até um melancólico final de mandato bem próximo e é pródigo em confusões e dubiedades.
Mas, sinto dizer que a responsabilidade é também do governo federal, mas não é somente dele. Comecemos pela sociedade brasileira, que nunca valorizou muito o seu mais antigo Museu e a própria história. Quantos de nós, classe média, já visitamos museus em outros países e nunca tínhamos ido ao Museu Nacional? Falemos da gestora UFRJ, que tem enorme orçamento, passa por contenções de despesa como toda a administração federal, mas não selecionou o Museu como prioridade para recursos. Lembremos que a recente festa de 200 anos do Museu custou em torno de R$ 6 milhões: dada a premência por adequada prevenção a acidentes e incêndios não seria prioritário investir nisso e deixar a comemoração de lado? Mas, assim agem as corporações e órgãos, especialmente os que possuem alguma autonomia no serviço público: deixa-se faltar recurso no essencial para que a pressão seja mais contundente. Muita economia poderia ser feita no que não é essencial e aplicado numa bem selecionada prioridade. Fica também esta lição.